16/10/2015

Problemas psicológicos e sociológicos de um grupo minoritário - Kurt Lewin

PROBLEMAS PSICOLÓGICOS E SOCIOLÓGICOS DE UM GRUPO MINORITÁRIO
Até certo ponto, pode-se atribuir a grande sensibilidade das pessoas a toda mudança capaz de afetar-lhes a segurança ao medo de não conseguir ganhar a vida, embora esta sensibilidade esteja provavelmente ligada a algo mais fundamental que o medo da fome.
Toda ação que a pessoa realize tem alguma "ambiência" específica e é por esta determinada. Uma frase ou um gesto que podem parecer muito apropriados entre companheiros numa piscina talvez seja descabido ou até mesmo afrontoso num jantar de cerimônia. O julgamento, a compreensão, a percepção são impossíveis sem uma ambiência correlata, e o sentido de cada fato depende diretamente da natureza de sua ambiência.
Experimentos mostraram a importância da ambiência para qualquer percepção. Provaram também que muitas vezes não se percebe a ambiência ou função, mas somente a "figura" ou "evento". De maneira análoga, todas as ações se baseiam no "terreno" em que a pessoa se situe. A firmeza de suas ações e a clareza de suas decisões dependem em grande parte, da estabilidade deste "terreno", embora ela própria possa nem ter consciência de sua natureza. O que quer que uma pessoa faça ou deseje fazer, deve ter um "terreno" em que situar-se. Esta é, provavelmente, a principal razão de ela ficar extremamente abalada quando ele começa a ceder.
Um dos elementos mais importantes do terreno em que o indivíduo atua é o grupo social a que pertence. No caso de uma criança que cresce numa família, o grupo familial muitas vezes constitui seu principal terreno. Sabemos que a instabilidade do grupo familial na infância pode levar a uma instabilidade do adulto. Geralmente é mister um forte conflito para deixar a criança incerta quanto a pertencer ou não a um grupo.
Uma das características h da participação é que o mesmo indivíduo pertence geralmente a muitos grupos. Por exemplo, uma pessoa (p) pode pertencer economicamente à classe média superior – talvez seja um próspero negociante. Pode ser membro de uma pequena família de três pessoas, que faz parte de um grupo familial maior e que pode se concentrar em algumas cidades do leste do Estados Unidos. Este grupo familial maior pode ser a terceira geração estadunidense de origem irlandesa. Politicamente, o homem pode ser republicano. Em religião, pode ser católico e ter uma posição de liderança em sua igreja. Pode, também, ser o secretário da Divisão Nordestina dos Alces.
Durante toda a vida, o adulto não age apenas como um indivíduo, mas como membro de um grupo social. Todavia, num determinado momento, os diferentes grupos a que a pessoa pertence não são todos igualmente importantes. Às vezes, predomina a participação dela num grupo, outras vezes em outro. O indivíduo pode, por exemplo, numa situação, sentir e agir como um membro de seu grupo político; em outra, como membro de seu grupo familial, religioso ou profissional. Geralmente, em cada situação, a pessoa parece saber a que grupo pertence e a que grupo não pertence. Com maior ou menor clareza conhece o seu lugar, e sua posição determina-lhe em grande parte o comportamento.
Não obstante, há ocasiões em que é duvidosa ou não clara para o indivíduo sua participação num grupo. Por exemplo, ao entrar numa reunião, uma pessoa pode duvidar por um momento se tem alguma coisa a fazer ali. Ou, para considerar um exemplo de situação menos momentânea, o novo sócio de um clube pode, por um período de meses, sentir-se inseguro quanto a se é ou não aceito. Esta falta de clareza da situação, esta incerteza quanto ao terreno que está pisando leva geralmente a incerteza no comportamento. A pessoa não se sente à vontade e por isso se mostrará mais ou menos contrafeita, inibida ou inclinada a se comportar com exagero.
Nos dois exemplos, a incerteza de participação se deve ao fato de o indivíduo estar atravessando o limite entre dois grupos (vem de um grupo exterior para a reunião ou para o clube.
Existem pessoas cuja situação de vida se caracteriza por tal incerteza de participação, resultante de posição próxima ao limite dos grupos. É o caso típico, por exemplo, dos nouveaux riches ou de outras pessoas que atravessam o limites entre as classes sociais. É típico, outrossim, de membros de grupos minoritários religiosos ou nacionais que tentam ingressar no grupo principal.
É característica dos indivíduos que atravessam o limite entre os grupos sociais, a insegurança quanto a pertencer ao grupo em que estão prontos a entrar, mas também quanto a pertencer ao grupo que estão abandonando. Por exemplo, uma das maiores dificuldades teóricas e práticas do problema judaico é que, frequentemente, as pessoas judaicas estão incertas, em alto grau, quanto à sua relação com o grupo judeu. Não estão seguras de pertencer ao grupo judeu, sob que aspecto pertencem e até que ponto.
Uma razão de um indivíduo achar difícil compreende se pertence, e em que sentido, ao grupo judeu é o fato geral do múltiplo imbricamento dos grupos a que a pessoa pertence. Sem dúvida, mesmo para um judeu que esteja extremamente consciente de ser judeu, há, como para toda gente, muitos grupos sociais a que pertence. Existem muitas situações em que o grupo que domina suas ações não é o grupo judeu. Como em nosso exemplo do irlandês, o lojista judeu age, tem de agir frequentemente, como membro de um grupo profissional, como membro de determinada família ou como membro de um clube. Pode, por exemplo, agir como membro de sua família contra um membro de outra família judaica ou contra um judeu pertencente a algum outro grupo profissional.
Existe uma relação natural entre o caráter de uma determinada situação e o caráter do grupo que domina o comportamento do indivíduo nessa situação. Em situações diferentes, diferentes sentimentos de participação devem predominar. Quando um indivíduo age sempre como membro do mesmo grupo específico, isso é geralmente sintomático de um certo desequilíbrio, pois ele não responde natural e livremente às exigências da situação presente. Sente com excessiva intensidade sua participação em determinado grupo, e isso indica que sua relação pessoal como tal grupo não é sadia.
Pode-se observar em certos indivíduos judeus um comportamento que é o resultado da consciência exagerada de pertencer ao grupo judaico. Esta ênfase excessiva é apenas uma forma diferente de expressão do mesmo tipo de relação que, em outros indivíduos, provoca uma ênfase insuficiente. Há pessoas que, numa situação em que seria natural reagir como judeu, não o fazem; reprimem ou ocultam sua judaicidade.
O imbricamento dos muitos grupos sociais a que pertence o mesmo indivíduo é uma das principais razoes de muitos indivíduos se perguntarem repetidamente se é necessário manter sua participação no grupo judaico. Pensam amiúde que não pertencem mais ao grupo, especialmente se procuram evitar os fatos desagradáveis vinculados a tal participação.
Entre os membros de minorias ou de outros grupos sociais que não ocupam posição favorável, há indivíduos isolados ou setores maiores do grupo cuja grande esperança é atravessar a linha que separa seu grupo dos outros. Podem contar atravessá-la individualmente ou destruí-la inteiramente. Fala-se, neste particular, de uma tendência para a "assimilação". Convém indagar como se liga esta tendência do indivíduo à situação de seu grupo e à sua posição dentro do grupo.
Desde que o judeus vivem na Diáspora, o grupo judaico é, em todas as nações, um grupo numericamente minoritário. Isto significa que constitui uma parte relativamente pequena, no interior de um corpo social maior. O caráter do grupo é ademais determinado pela rigidez da fronteira que separa esse grupo dos outros e pelo caráter de tal fronteira. É importante outrossim o grau de semelhança ou diferença entre os dois grupos.
No decorrer da História, a rigidez e o caráter da fronteira do grupo judeu mudou muito. No tempo do Gueto, havia fronteiras claras, rígidas entre o grupo judeu e os demais grupos. O fato de então os judeus terem de viver em cidades ou territórios restritos do país, e em determinados distritos dentro da cidade, tornava as fronteiras evidentes e indiscutíveis para toda a gente.
Pelo menos durante algumas horas do dia, o muro do Gueto separava inteiramente este grupo de comunicação com outros grupos sociais. Além destas restrições físicas, havia fronteiras sociais que variavam até certo grau para diferentes indivíduos do grupo, mas que eram geralmente profundas e que eram observadas rigorosamente pelos dois lados, os judeus e os não-judeus.
Um dos fatos mais importantes em toda vida social é provavelmente o teor do que se pode chamar de ‘espaço de movimento livre’. Os limites do Gueto impunham severa restrição à "locomoção corporal" dos judeus. Uma restrição igualmente severa limitava-lhes as "locomoções sociais". Muitas ocupações não estavam abertas aos judeus, o que significa, se representarmos todas as ocupações possíveis como uma totalidade de regiões, que o espaço social de movimento livre restringia-se comparativamente a poucas partes dessa totalidade.
De modo geral, pode-se dizer que no período do Gueto:
  • O grupo judeu era um grupo espacial e socialmente compacto. Podemos portanto representar este grupo como uma região "conjugada" ou como regiões relativamente pouco compactas. Estas regiões só raramente incluíam setores estrangeiros.
  • A participação no grupo era nitidamente marcada. Um emblema amarelo, importo de fora, ou uma forma específica de comportamento (no traje ou na linguagem) desenvolvida de dentro, tornava o indivíduo facilmente reconhecível por todos. Assim, não poderia haver dúvida, para ele ou para quem quer que fosse, acerca de sua participação no grupo judeu.
  • A fronteira entre o grupo judeu e os outros grupos tinha o caráter de uma forte e quase insuperável barreira. Como o provam muitos fatos, a força dessa barreira foi ativamente conservada, não só pelo grupo fora da barreira, como também pelo próprio grupo judeu.
  • A influência dessa situação sobre a vida do grupo judeu variou conforme a s forças sociológicas que atuaram sobre o grupo. A rigorosa limitação do espaço de movimento livre cria para um grupo, assim como para um indivíduo, grande tensão. A Psicologia experimental demonstrou a tensão que surge em tais situações de prisão. Se uma pressão exterior grande demais for aplicada num grupo, isso pode resultar em parada de desenvolvimento, semelhante ao efeito de pressão excessiva sobre o desenvolvimento das crianças. Tais grupos isolados sob pressão são habitualmente muito conservadores e mesmo retardados. Por outro lado, esse conservantismo mantém o grupo intacto.
Podemos comparar, grosso modo, esta situação do grupo judeu no período do Gueto com a sua situação moderna, tal como existiu por exemplo na Alemanha antes da Primeira Guerra Mundial. Na Alemanha antes da guerra:
  • O grupo judeu não mais podia ser descrito como compacto. Os judeus não eram obrigados a viver em distritos especiais. É verdade que, mesmo no período moderno, muitas vezes ficaram concentrados numa parte da cidade. Não obstante, estavam mais ou menos distribuídos por todo o país. Topologicamente, não se pode representar o grupo judeu naquele tempo como uma ou algumas regiões conjugadas, mas antes como uma região dissociada, composta de muitas partes separadas.
Mesmo onde os judeus, individualmente, se estabeleciam juntos uns dos outros, a região judaica podia incluir grupos estrangeiros. Não era mais homogênea. Em comparação com o período do Gueto, tratamos agora de um grupo muito mais livre e disseminado.
Encontramos o mesmo resultado na distribuição ocupacional. Na Alemanha, havia certa concentração de judeus em profissões específicas, em consequência de tradições familiares e outros fatores, mas em quase todas as profissões encontravam-se alguns judeus. A estrutura topológica do campo ocupacional apresenta o mesmo quadro de mistura que o do campo geográfico.
  • Esta conexão mais frouxa entre as partes do grupo e sua distribuição mais ampla implicava uma mudança do caráter da fronteira entre o grupo judeu e os demais grupo. Após a "emancipação", esta fronteira deixou de ser uma fronteira por lei – que é relativamente forte, claramente definida e que se torna facilmente tangível – para ser uma fronteira muito menos evidente e tangível entre grupos sociais. Embora ainda exista, a fronteira perdeu parte considerável de sua forca e caráter concreto. Tornou-se transponível, pelo menos para alguns indivíduos.
  • De maneira análoga, se havia expandido o espaço de movimento livre para a ação social. Mantiveram-se, em verdade algumas restrições, geralmente impostas do exterior, mas de modo geral, havia muito mais possibilidades de atividade social. Era mais fraca a pressão contra o grupo. Por conseguinte, havia boa dose de progresso cultural e, como em todo grupo emancipado, muito menor conservantismo. Descobriam-se tendências acentuadas para o progressismo e o radicalismo, com suas concomitantes vantagens e desvantagens.
  • O enfraquecimento e a extensão da fronteira de um grupo implica sempre mais pontos de contato entre o grupo e os outros grupos. Em consequência do contato mais íntimo, diminuirá um pouco a diferença do caráter entre os grupos. A participação do indivíduo no grupo não é mais marcada por símbolos tão evidentes quanto o emblema amarelo. Quase desaparece também a diferença de trajes e hábitos.
  • Com a ampliação do espaço de movimento livre e a redução da pressão exterior, diminui, sem dúvida, a tensão em que vive este grupo, como um todo.
Por estranho que de início possa parecer, esta redução da tensão não provocou qualquer espairecimento real na vida do judeu. Pelo contrário, em alguns aspectos, significou talvez uma tensão ainda maior. Este fato paradoxal não é apenas um problema científico, mas um dos mais perturbadores elementos na vida judaica moderna. Compreenderemos melhor o que significa este paradoxo e por que ocorre se considerarmos agora, não o grupo judeu, mas o indivíduo judeu, e indagarmos quais as forças que atuam sobre ele como indivíduo, e como a intensidade e a direção das forças foram afetadas por uma mudança de posição de seu grupo.
Se compararmos a posição do judeu individual no período do Gueto com sua situação nos tempos modernos, verificaremos que hoje ele se defende muito mais por conta própria. Com a maior disseminação e difusão do grupo judeu, a família ou o indivíduo isolado se tornam funcionalmente muito mais separados. Usando um termo de Psicologia dinâmica, podemos dizer que o indivíduo, no que respeita à sua judaicidade, tornou-se, mais que no tempo do Gueto, um "todo isolado". Naquele tempo, sentia ele que a pressão era aplicada essencialmente ao grupo judeu como um todo. Agora, em consequência da desintegração do grupo, ele está muito mais exposto à pressão como indivíduo. A redução da pressão contra os judeus como um grupo, desde o período do Gueto, foi acompanhada por um desenvolvimento que transferiu do grupo para o indivíduo o ponto de aplicação das forcas externas. Tornou-se, portanto, possível que mesmo quando se reduziu a pressão exterior sobre o grupo todo, tivesse aumentado relativamente a pressão sobre o judeu como indivíduo.
No período do Gueto, um judeu poderia estar exposto a uma pressão especialmente grande quando atuasse fora de seu grupo, mas, por outro lado, havia para ele uma região em que se sentia "em casa", na qual podia agir livremente como membro de seu próprio grupo, e não precisava defender-se da pressão exterior. Em outras palavras, mesmo quando era grande a pressão, havia regiões em que ela não tinha o caráter de uma pressão diferencial que atuava sobre o judeu como pessoa individual. Com a mistura de grupos judaicos e não-judaicos, o judeu, como indivíduo, tem de enfrentar, num número relativamente maior de vezes, a pressão contra os judeus.
Existe um outro fator responsável por este resultado paradoxal. Como a Psicologia, a Sociologia terá de distinguir dois tipos de forças que atuam sobre o indivíduo: as resultantes dos próprios desejos e esperanças do indivíduo por algum outro agente. No período do Gueto, estas últimas forças eram maiores e provocavam maior pressão. Por outro lado, não havia praticamente naquele tempo uma força correspondente aos próprios desejos do indivíduo rumo a grupos não-judaicos. Mesmo que algum indivíduo tivesse algum desejo secreto de atravessar a fronteira de seu grupo, o caráter que tinha essa fronteira de forte barreira praticamente intransponível destruía imediatamente tais esperanças. Para um judeu, naquele período, as regiões fora de seu grupo provavelmente não tinham uma atração muito forte ou, para usar um termo psicológico, não tinham forte "valência positiva". Se acontecesse tal valência existir, poderia criar apenas sonhos e não forças poderosas ao "nível da realidade".
No período moderno, existe uma situação muito diferente para o indivíduo. Há múltiplos contatos entre membros do grupo judeu e membros de outros grupos. A barreira perdeu seu caráter concreto e sua força. A fronteira parece ser pelo menos transponível, porque, sob muitos aspectos, tornou-se deveras pequena a diferença de hábitos, cultura e pensamento. Frequentemente quase não existe, ou pelo menos parece não existir, distância entre os grupos. Sabemos, pela psicologia experimental de crianças e adultos, a grande influência que uma situação em que um objetivo é "quase atingido" tem para as forças propulsoras que atuam sobre a pessoa. Como um de muitos exemplos, podemos citar o caso de prisioneiros que, com a pena de três anos quase completada, se evadem dias antes de sua soltura. De maneira semelhante, adolescentes prestes a serem soltos em poucas semanas de um reformatório recaem com freqüência no mau comportamento anterior. Uma observação mais minuciosa mostra que nesta, como em muitas situações em que algo é quase alcançado, o indivíduo fica num estado de conflito muito intenso. Em parte, esse conflito surge do fato de que um alvo muito próximo cria uma força assaz poderosa nessa direção. Além disso, o prisioneiro ou o adolescente prestes a ser solto já se sente membro do grupo a que se irá reunir. Enquanto se sentia membro do grupo anterior, agia de acordo com as regras daquele grupo; mas agora, ao sentir-se quase um membro do outro grupo, também sente o direito e a necessidade de obter todas as prerrogativas desse outro grupo.
Desde a emancipação, existe uma situação algo similar numa grande porcentagem de judeus. Como membro de um grupo que, sob muitos aspectos, tem menos direitos e possibilidades que outros grupos, o indivíduo naturalmente tem a tendência a entrar nestes, assim que é posta em dúvida sua participação no primeiro grupo. Cada enfraquecimento da barreira entre o seu e os outros grupos aumentará a intensidade da força nessa direção. Por outras palavras, ao aproximar-se da emancipação completa e, portanto, da dissolução do grupo, os membros individuais do grupo estarão, nas circunstancias dadas, sujeitos a um conflito crescente. Pode-se deduzir desta situação de conflito o comportamento resultante.
Todo conflito cria tensão, que leva a agitação, comportamento desequilibrado e ênfase excessiva numa ou noutra direção. Na verdade, os judeus são habitualmente caracterizados como inquietos. O tipo mais produtivo de inquietação é o esfalfar-se no trabalho. Algumas das melhores obras do povo judeu no último século foram em parte devidas a esta atividade excessiva.
Tal inquietação não é um traço inato do judeu, mas um resultado de sua situação. Segundo vários observadores, uma das características notáveis dos judeus na Palestina é a ausência de inquietação. É especialmente interessante que alguns meses depois da imigração, até os adultos parece mudar, neste aspecto, apesar das dificuldades ligadas à adaptação a um país muito diferente. Isto mostra até que ponto o comportamento anterior era devido à situação anterior, em que o indivíduo não tinha certeza de se o menoscabo pelo seu trabalho era atribuível à sua falta de mérito ou ao fato de que seu criador ser judeu. Embora as ocasiões para essa incerteza pudessem ter sido raras, elas tinham o efeito duradouro de privar a pessoa de critérios com que medir a extensão e os limites de sua capacidade, e dessa forma, tornavam-na insegura quanto ao seu próprio valor.
O conflito, que leva à inquietação dos judeus na Diáspora, centra-se nos sentimentos individuais de participação no grupo judeu. Via de regra, os indivíduos que tentam atravessar a fronteira para um grupo socialmente mais elevado enfrentam um conflito interior quase inevitável. Os membros dos grupos socialmente mais elevado têm orgulho de pertencer a seu grupo e sentem-se livres para julgar e agir de acordo com os ideais e padrões do grupo. Por outro lado, a pessoa que tenta penetrar no grupo superior tem de ser particularmente cuidadosa para não demonstrar ligação com as idéias do grupo a que outrora pertenceu. Por essa razão também, seu comportamento é inseguro. Achad Haám referiu-se a esta situação de emancipação como uma "escravidão na liberdade".
O conflito parece ser especialmente grave para os judeus membros de famílias ricas. Isto confirma nossa afirmativa de que a intensidade da situação de conflito aumenta com a debilidade da fronteira entre os grupos envolvidos: funcionalmente, neste nível social, a fronteira entre famílias judaicas e não-judaicas é relativamente vulnerável; por outro lado, o jovem pode não ter tido ainda uma oportunidade de provar-se bem sucedido o bastante para ganhar confiança em si mesmo.
Discutimos o problema judeu como um exemplo da situação de um grupo minoritário. Todavia, não se pode esquecer sua natureza especial. Há diferenças importantes entre grupos minoritários religiosos, nacionais e raciais, e varia muito a intensidade de sua tendência para a assimilação. Esta depende não só do caráter dos próprios grupos como também do caráter dos grupos circundantes e da estrutura da situação total.
Os judeus têm sido considerado umas vezes um grupo religioso, outras um grupo racial, e eles próprios não estão muito seguros quanto ao caráter do grupo. Em alguns países (na Alemanha, por exemplo) é muito mais forte o sentimento do judeu comum de pertencer ao país de seu nascimento, que o de pertencer ao grupo judeu. Diferentemente de outras minorias similares, os judeus, por mais de mil anos, não tiveram uma região geográfica sua, que pudessem considerar como uma "pátria". Isto evidentemente tornou um pouco "abstrata" e irreal a unidade do grupo, criando mais insegurança para seus membros, e dando-lhes certa qualidade de "anormalidade", na opinião dos grupos circundantes. Não é improvável que se o estabelecimento da pátria judaica na Palestina for bem sucedido, venha a afetar, no sentido de maior normalidade, a situação dos judeus em toda parte.
Aplicamos aqui conceitos de psicologia topológica e vetorial a problemas sociológicos. Entre outras, este método tem a vantagem de, quando adequado, permitir o tratamento de um grupo sociológico como um todo; de levar em conta, de maneira concreta, os diferentes graus de unidade dos grupos sociais, suas diferentes estruturas e distribuição relativa a outros grupos; e, finalmente, de passar, se e quando necessário, de problemas grupais para problemas individuais (ou vice-versa), sem ter de recorrer a um novo conjunto de conceitos.

Kurt Lewin
Problemas de Dinâmica de Grupo - Cultrix, SP

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