16/10/2015

Moral e Perspectiva Temporal - Kurt Lewin, 1942

MORAL E PERSPECTIVA TEMPORAL (1942).
Os estudos sobre desemprego mostram que uma inatividade prolongada abala todas as partes da vida de uma pessoa. Despedido de um emprego, o indivíduo procura continuar esperançoso. Finalmente, quando desiste, restringe amiúde sua ação muito mais do que o necessário. Embora tenha muito tempo, começa a negligenciar seus deveres domésticos. Pode deixar de ausentar-se de sua vizinhança imediata; até seus pensamentos e desejos se restringem. Essa atmosfera contamina os filhos, e eles também se tornam tacanhos, mesmo em suas ambições e sonhos. Por outras palavras, o indivíduo e a família, como um todo, apresentam um quadro completo de moral baixo.
Uma análise de tal comportamento revela a importância do fator psicológico habitualmente chamado "esperança". Somente quando renuncia à esperança é que a pessoa deixa "de se esforçar ativamente"; perde a energia, para de planejar e, finalmente, cessa até de anelar um futuro melhor. Só então é que se retrai numa vida primitiva e passiva.
Esperança significa: "um dia, no futuro, a situação real vai-se transformar e se tornar igual ao que desejo". Esperança significa similitude entre o "nível de expectativa" do indivíduo e o "nível de irrealidade" de seus desejos. O quadro apresentado por esse "futuro psicológico" raramente corresponde ao que de fato ocorre posteriormente. O indivíduo pode ver seu futuro róseo demais ou nego demais; frequentemente, o caráter do futuro psicológico vacila entre a esperança e o desespero. Todavia, certo ou errado num determinado momento, o quadro do futuro que o indivíduo faça afeta-lhe profundamente a disposição e a ação naquele momento.
O futuro psicológico faz parte do que L. K. Frank chamou de "perspectiva temporal". O espaço de vida de um indivíduo, longe de se limitar ao que ele considera a situação presente, inclui o futuro, o presente e também o passado. As ações, as emoções e certamente o moral de um indivíduo, a qualquer momento, dependem de sua perspectiva temporal total.
A conduta do desempregado, portanto, é um exemplo de como a perspectiva temporal pode baixar o moral. Em contraposição, a maneira por que o moral pode ser elevado pela perspectiva temporal é exemplificada pela conduta dos sionistas da Alemanha, pouco depois da ascensão de Hitler ao poder. Décadas a fio, a grande maioria dos judeus da Alemanha acreditou que os pogromes da Rússia tsarista "não se poderiam repetir ali". Por isso, quando Hitler subiu ao poder, a base social em que esses judeus se firmavam foi-lhes subitamente arrancada de sob os pés. Naturalmente, muitos se suicidaram por desespero; sem ter em que firmar-se, não podiam divisar uma vida futura digna de ser vivida.
De outro lado, era diferente a perspectiva temporal do grupo sionista, numericamente pequeno. Embora também ele não houvesse considerado provável a repetição dos pogromes na Alemanha, estivera consciente da possibilidade. Durante décadas, procurar estudar de forma realista seus próprios problemas sociológicos, advogando e promovendo um programa de previsões a longo prazo. Em outras palavras, tinha uma perspectiva temporal que incluía um passado psicológico de milhares de anos de sobrevivência a condições hostis e um objetivo significativo e inspirador para o futuro. Em consequência dessa perspectiva temporal, esse grupo apresentava um moral elevado – embora os sionistas achassem o presente tão negro quanto os demais judeus. Em vez de inatividade e enquistamento diante de uma situação difícil – resultado de uma perspectiva temporal tão limitada quanto a que é característica do desempregado – os sionistas, com uma perspectiva temporal realista e de longo alcance, revelaram iniciativa e planejamento organizado. Vale a pena observar até que ponto o elevado moral desse pequeno grupo contribuiu para manter o moral de uma grande parte dos judeus não-sionistas da Alemanha. Neste, como em muitos outros casos, um pequeno grupo com moral elevado tornou-se fator de revigoramento de massas maiores.
Ao que parece, a perspectiva temporal é, de fato, importante para o moral, o bastante para justificar uma análise mais completa.
DESENVOLVIMENTO DA PERSPECTIVA TEMPORAL
A criança vive essencialmente no presente. Seus objetivos são objetivos imediatos; quando é distraída "esquece" rapidamente. À medida que o indivíduo envelhece, mais e mais do passado e do futuro lhe afetam a disposição e ação presentes. Os objetivos da criança em idade escolar já incluem promoção à série seguinte no fim do ano. Anos mais tarde, como pai de família, a mesma pessoa, ao planejar sua vida, pensará muitas vezes em termos de décadas. Praticamente, todas as pessoas importantes na história da Humanidade – na religião, na política ou na ciência – foram dominadas por uma perspectiva temporal que alcançou até as gerações futuras e que frequentemente se baseou na consciência de um passado igualmente longo. Todavia, uma ampla perspectiva temporal não é privativa dos grandes homens. Cento e trinta bilhões de dólares de seguros de vida em vigência nos Estados Unidos oferecem uma prova notável da medida em que um futuro psicológico relativamente distante, não ligado ao bem-estar da própria pessoa, influi sobre a vida cotidiana do cidadão comum.
Além da amplitude da perspectiva temporal, existe outro aspecto importante para o moral. A criança pequena não distingue claramente entre a fantasia e a realidade. Desejos e temores afetam em grande medida seu julgamento. À medida que o indivíduo se torna maduro e adquire "autodomínio", separa mais nitidamente os desejos das expectativas: seu espaço de vida diferencia-se em "nível de realidade" e diversos "níveis de irrealidade", tais como a fantasia e o sonho.
TENACIDADE E PERSPECTIVA TEMPORAL
"A tenacidade em face da desgraça é o índice mais inequívoco de alto moral". Esta idéia é largamente aceita como essência do moral militar. Embora possa ser discutível que a capacidade de perseverar diante de dificuldades seja, de fato, o aspecto fundamental do moral, é, sem dúvida, um aspecto do moral civil ou militar, e como tal, constitui um bom ponto de partida para a discussão.
Se moral quer dizer capacidade de "aguentar", de enfrentar situações desagradáveis ou perigosas, cumpre perguntar antes: "o que constitui situação desagradável ou perigosa para um indivíduo?" Habitualmente, estamos acostumados a pensar em dor física ou perigo físico; todavia, quem quer que escale montanhas ou explore selvas por prazer, qualquer rapaz que corra de automóvel ou jogue futebol mostra que tal resposta é demasiado simples.
(a) O desagradável e a perspectiva temporal. Em condições normais, um indivíduo resistirá energicamente a uma ordem de catar mercúrio do chão com um colher de pai ou de comer três dúzias de bolachas d’água, sem sal. Por outro lado, como "pacientes" de um experimento, indivíduos mostraram-se dispostos a "aguentá-lo" sem hesitação nem resistência. Em outras palavras, o ser uma atividade indigna ou desagradável dependem, em alto grau, de seu "sentido" psicológico, isto é, da unidade maior de eventos da qual essa ação faz parte. No papel de paciente, por exemplo, o indivíduo aceita como "tratamento" médico aquilo que, de outra forma, recusaria energicamente devido à dor física, ou por ser socialmente desagradável.
Um bom exemplo do grau em que o significado das unidades psicológicas maiores e a perspectiva temporal afetam a dor sentida e o moral do indivíduo é dado pelo estudo de M. L. Farber sobre o sofrimento em prisões. Verificou-se que o trabalho carcerário, que o indivíduo tem de fazer dia a dia, não apresenta uma correlação mensurável com o teor de seu sofrimento. Era muito provável que os indivíduos que sofriam muito ocupassem cargos vantajosos no que respeitava a poder e ócio (tais como secretário da revista da prisão ou mensageiro do diretor substituto da prisão) bem como desempenhassem os trabalhos mais desvantajosos, ou não-pagos, da prisão. (A correlação entre teor de sofrimento e vantagem "objetiva" do trabalho carcerário foi de 0,01). Havia pouca correlação negativa entre a satisfação subjetiva que o prisioneiro sentia em seu trabalho carcerário e o teor de seu sofrimento ( r = - 0,19). De outro lado, existia uma relação definida entre o teor de sofrimento e certos fatores ligados ao futuro ou ao passado – por exemplo, o sentimento de que a sentença era injusta (r = 0,57) ou a esperança de ter "uma chance" no tocante ao livramento (r = 0,39). Além disso, esta relação continuava válida mesmo quando o livramento pudesse ser esperado somente ao fim de certo número de anos. A extensão real da sentença e a extensão de tempo servido não apresentam alta correlação com o teor de sofrimento; todavia, existe uma relação acentuada entre o sofrimento e o sentimento de um indivíduo de ter cumprido pena mais tempo do que seria justo (r = 0,66).
Na determinação do teor de sofrimento, o mais importante não são as provações presentes, no sentido corrente do termo, mas antes alguns aspectos do futuro e do passado psicológicos, a par de sentimentos de o indivíduo ter sido tratado justa ou injustamente. Neste caso, um fator de considerável importância no que respeita ao teor de sofrimento era a incerteza quanto a concessão de livramento condicional (r = 0,51). Também este fator não se ligava à situação presente imediata do indivíduo, mas era um aspecto de sua perspectiva temporal.
Em prisão celular, também, uma das experiências mais dolorosas, frequentes vezes relatada, é a incerteza quanto ao tempo decorrido. Mais uma vez, não é a provação presente que torna angustiante a situação, mas certas características da perspectiva temporal.
(b) Persistência e Perspectiva Temporal. Ainda mais que o sofrimento, a persistência depende da perspectiva de tempo do indivíduo. Enquanto exista esperança de superar as dificuldades ao preço do esforço e dor que o indivíduo está pronto a pagar, ele continua a tentar. Na verdade, se o objetivo valer a pena, o esforço nem sequer será sentido como um "sacrifício". A persistência, portanto, depende de dois fatores: o valor do objetivo e a perspectiva do futuro. Isto vale tanto para a criança como para o adulto, para o militar como para o civil.
Poder-se-iam mencionar aqui alguns fatos pertinentes ao moral, tirados de experimentos com crianças. Segundo esses experimentos, o tempo que o indivíduo leva para desistir em face de um obstáculo depende de três fatores: 1. a intensidade da força psicológica rumo ao objetivo (a persistência será maior se o objetivo for mais altamente prezado e se for menor a distância psicológica até o objetivo); 2. A probabilidade sentida de alcançar o objetivo (que, por sua vez, depende de êxitos e fracassos anteriores e da capacidade intelectual do indivíduo); e 3. O grau de iniciativa do indivíduo.
O primeiro ponto é idêntico ao valor sentido da causa pela qual se faz o esforço. O segundo refere-se ao futuro psicológico. Os meios pelos quais se poderá influenciar o futuro psicológico para que a pessoa tenha uma perspectiva otimista, é um ponto muito discutido no que concerne ao moral militar. Em toda parte, dá-se ênfase à influência do passado sobre o futuro; ao passo que nada é mais difícil que manter o moral após uma derrota, a persistência é grandemente revigorada pelas vitórias passadas. E esse passado não precisa ser necessariamente o passado da própria pessoa. Quando o indivíduo se alista num "Aguerrido 69º Regimento", a tradição e a história desse regimento tornam-se parte de seu espaço de vida. E somente depois de ter demonstrado tal fato, será ele reconhecido como um verdadeiro membro do grupo.
Dados experimentais mostram que, embora os êxitos passados sejam sobremaneira eficazes quando obtidos no mesmo campo de atividade, "êxitos substitutos" e, em menor grau, o simples estímulo e encorajamento favorecem também a persistência. Quando existam experiências passadas encorajadoras, pode-se igualmente ensinar um indivíduo a ser mais persistente e a reagir de forma menos emotiva aos obstáculos. Na verdade, a persistência liga-se estreitamente à posição social do indivíduo, a seu sentimento de força e segurança.
Em média, os indivíduos passivos são menos persistentes que os ativos; todavia, há algumas exceções. Indivíduos de pouca iniciativa apresentam por vezes uma espécie de perseverança passiva; permanecem em face do obstáculo e mantêm uma atividade mímica rumo do objetivo. Por outro lado, alguns indivíduos ativos desistem muito depressa. Em vez de esperar até serem afastados lentamente por um número crescente de malogros, esses indivíduos têm suficiente iniciativa para tomar sua decisão assim que considerações realistas indicam que o objetivo não pode ser atingido. Reconhece-se como uma das condições fundamentais dos lideres militares, a capacidade para tomar exatamente tais decisões ativas. A perseverança mímica de um individuo fraco priva-o da flexibilidade necessária para chegar a soluções novas, mais eficientes. Por vezes, a presteza em tomar "decisões realistas" pode ser apenas a fachada de uma falta de disposição para ir até o fundo das coisas. Voltaremos mais tarde a esta questão.
MORAL DE GRUPO
O moral de grupo, tanto quanto o individual, depende da perspectiva temporal. Demonstram claramente este fato os experimentos controlados, realizados por French com grupos de indivíduos em idade universitária, colocados numa situação fisicamente desagradável. Os pacientes foram postos a trabalhar numa sala que se enchia lentamente de fumaça, a qual entrava por debaixo da porta; e sabiam que as portas estavam trancadas. Depois de algum tempo, a fumaça se tornava assaz desagradável. As reações do grupo variaram do pânico ao riso, dependendo principalmente da interpretação da origem da fumaça – se resultava de um incêndio de verdade ou ser era uma partida do psicólogo. A diferença entre estas interpretações reside principalmente na diferença de perspectiva temporal e no grau em que foi sentida a realidade do perigo. A história recente do moral na França, Inglaterra e Estados Unidos é um exemplo vivo de como o grau em que é reconhecida a realidade de um perigo determina os objetivos e a ação do grupo.
Um estudo comparativo de grupos previamente organizados e não-organizados, postos em situação de medo e frustração mostrou que os grupos organizados apresentavam motivação mais elevada e maior persistência. Tinham menor tendência a se desintegrar, embora, em consequência dessa motivação mais forte, se sentissem mais frustrados diante de objetivos grupais que não podiam ser atingidos. Contrariamente à expectativa usual, porém o medo se difundiu mais rapidamente através dos grupos organizados que dos desorganizados, dada a maior interdependência entre os membros dos primeiros. De maneira altamente específica, esses experimentos confirmam nossa experiência diária de que, diante do perigo, o moral de um indivíduo é extremamente dependente da atmosfera de seu grupo.
INICIATIVA, PRODUTIVIDADE, NÍVEL DE OBJETIVO E PERSPECTIVA TEMPORAL
Na Alemanha nazista, o moral é considerado "uma força propulsora que impele toda unidade da organização política e militar a exercer o máximo esforço e capacidade"; "implica um estado de espirito positivo do indivíduo e da massa rumo a um objetivo uniforme". Tal conceito de moral reflete o treinamento necessário para uma guerra ofensiva e para a uniformidade totalitária. A psicologia experimental mostra, entretanto, que existe neste conceito um elemento correto para todo tipo de moral. A tenacidade em face dos obstáculos, a capacidade de "aguentar a parada" é meramente um aspecto de um estado mais fundamental da pessoa, que pode ser caracterizado como uma combinação de iniciativa e determinação de atingir certos objetivos, de realizar determinados valores.
Em contextos comparáveis, o moral de um indivíduo ou de um grupo poderia ser medido pela qualidade e quantidade de suas realizações, isto é, por sua produtividade. A iniciativa e a produtividade, dependentes que são do equilíbrio adequado de uma série de fatores, são extremamente sensíveis a mudanças desse equilíbrio. Aqui, o bem-estar físico desempenha papel significativo. Hoje, todo país está consciente da importância de alimento suficiente e vitaminas para o moral civil. Por outro lado, não é absolutamente provável que um indivíduo hiper-saciado demonstre grande iniciativa e produtividade. Sutis fatores psicológicos desempenham um grande papel no moral, e os planos de guerra ofensiva de Hitler consideram, com razão, o moral civil da nação inimiga como um dos pontos mais importantes e vulneráveis para ataque.
A PRODUTIVIDADE E UMA PERSPECTIVA TEMPORAL DE INSEGURANCA E DE INCERTEZA
Os experimentos com crianças nos ajudam a isolar alguns dos fatores psicológicos determinantes da iniciativa e da produtividade. Pois as situações de infância são facilmente controladas pelo adulto todo-poderoso e as crianças provavelmente demonstram mais depressa que os adultos aquelas reações fundamentais de que depende a psicologia das grandes massas.
Se a livre atividade lúdica de uma criança sofrer interferência, seu nível médio de produtividade poderá regredir, por exemplo, do nível etário de cinco anos e meio para o nível muito inferior de produtividade de uma criança de três anos e meio. Esta regressão se liga de perto à perspectiva temporal da criança. Porque o adulto interrompeu a criança no meio de um brinquedo de grande interesse e produtividade, ela se sente agora em terreno inseguro; está cônscia da possibilidade de o poder esmagador do adulto interferir de novo a qualquer momento. Este "background de insegurança e frustração" não só tem um efeito paralisador sobre o planejamento a longo prazo como também reduz a iniciativa e o nível de produtividade.
O efeito da interferência é particularmente grave quando se deixa o indivíduo na ignorância quanto ao caráter da nova situação. A ordem negativa, não específica: "Não!" reduz muito mais a iniciativa e a produtividade que uma ordem de mudar para uma tarefa diferente, mais específica. Em realidade, uma das principais técnicas para abater o moral por via de uma "estratégia de terror" consiste exatamente nessa tática – manter a pessoa confusa quando à situação em que esteja e ao que possa esperar. Se, além disso, frequentes vacilações entre medidas disciplinares rigorosas e promessas de bom tratamento, de par com a difusão de notícias contraditórias, tornarem totalmente confusa a "estrutura cognitiva" da situação, o indivíduo poderá até deixar de saber se um plano específico o conduzirá ao objetivo ou o afastará dele. Nestas condições, mesmo indivíduos com objetivos definidos, prontos a assumir riscos, ficarão paralisados por severas conflitos íntimos no tocante a o que fazer.
É interessante observar que uma dupla de amigos íntimos sofre menor regressão num background de frustração que uma dupla de crianças que não sejam amigas. Sua maior tolerância à frustração parece ser devida a um sentimento de maior segurança entre amigos, tal como indicado, por exemplo, por uma maior presteza em atacar o experimentador como fonte de frustração. Eis um exemplo de como a "participação" grupal pode aumentar o sentimento de segurança, elevando dessarte o moral e a produtividade de um indivíduo.
Verificou-se ademais que a iniciativa e a produtividade de uma criança são maiores no brinquedo cooperativo de duplas de crianças que em brinquedo solitário – tanto em situações de frustração como de não-frustração. A produtividade aumentada de um indivíduo como membro de um grupo em comparação com sua produtividade como indivíduo solitário, é um fato de importância fundamental para o moral civil. Confirmando este ponto, um estudo sobre operários de fábrica indica que, à parte a segurança, a atenção pessoal dada ao indivíduo desempenha um papel na elevação do nível de produtividade, provavelmente devido ao consequente aumento de seu sentimento de "participação".
Esta comprovação é apenas uma de um numeroso grupo concernente a diferenças de idade, diferenças individuais, influência de diferentes situações, e diferença entre a atividade de indivíduos e grupos – todas elas indicando que a produtividade depende do número de capacidades diversificadas e de necessidades que se podem integrar num esforço organizado, unificado. É o princípio da "diversidade na unidade", que domina a produtividade, princípio sobremaneira fundamental para uma solução democrática do problema das minorias e para a vida democrática em todos os tipos de grupos, - desde os pequenos grupos primários às organizações mundiais.
Paradoxalmente, há casos em que certa dose de frustração ou dificuldade aumenta a produtividade. Ao que parece, isso se verifica quando o indivíduo não esteve antes inteiramente envolvido e a dificuldade serve como estopim para deflagrar um esforço total. Ligado de perto a este resultado está um dos problemas fundamentais do moral, isto é: onde o indivíduo ou o grupo estabelecerá seu objetivo? Qual será o seu nível de aspiração?
NÍVEL DE ASPIRAÇÃO E PERSPECTIVA TEMPORAL
A criança de três meses fica tão feliz quando alguém lhe entrega um brinquedo como quando o pega por seus próprios esforços. Mas a criança de dois ou três anos frequentemente rejeita a ajuda de outra pessoa e prefere pegar por si mesma um objeto difícil de alcançar. Prefere, em outras palavras, um caminho difícil e um objetivo difícil a um caminho fácil e a um objetivo fácil. Aparentemente paradoxal, este comportamento dos seres humanos é de fato contrário à crença muito aceita, e que influencia profundamente o pensamento até no tocante à política – a crença de que os seres humanos são guiados pelo "principio do prazer", ao longo do caminho mais fácil, até o objetivo mais fácil. Na verdade, desde a infância, os objetivos que um indivíduo estabelece na vida diária e nos planos a longo prazo são influenciados por sua ideologia, pelo grupo a que pertence e por uma tendência a elevar seu nível de aspiração ao limite superior de sua capacidade.
No tocante a este problema, os experimentos propiciaram considerável conhecimento – como o nível de aspiração se desenvolve durante a infância, como o êxito e o malogro num determinado campo afetam o nível de aspiração em outros campos, como o indivíduo reage a tarefas "difíceis demais" ou "fáceis demais", e como os padrões de grupos influenciam seu próprio nível de objetivo.
O estabelecimento de objetivos está intimamente ligado à perspectiva de tempo. O objetivo do indivíduo inclui suas expectativas para o futuro, seus desejos e devaneios. Onde o indivíduo irá localizar seus objetivos será coisa determinada fundamentalmente por dois fatores, a saber, as relações do indivíduo com determinados valores e seu sentido de realismo no que concerne à probabilidade de atingir o objetivo. Os quadros de referência que determinam os valores de êxito e fracasso variam consideravelmente de indivíduo para indivíduo e de grupo para grupo. De modo geral, há em nossa sociedade uma tendência de elevar o nível de aspiração até o limite de capacidade do indivíduo. De outro lado, o principio de realismo tende a proteger o indivíduo contra o malogro e a trazer a ambição de volta à terra. Um dos fatores mais importantes para a produtividade e o moral do indivíduo é a altura em que possa estabelecer seu objetivo sem perder o contato com o nível de realidade.
O indivíduo bem sucedido estabelece tipicamente o objetivo seguinte um pouco, mas não muito, acima de sua última consecução. Dessa maneira, eleva com segurança seu nível de aspiração. Embora, ao fim e ao cabo, ele se guie por seu objetivo ideal, que pode ser muito elevado, o objetivo real para o passo seguinte é mantido realisticamente próximo de sua posição presente. Por sua vez, o indivíduo mal sucedido tende a apresentar uma de duas reações: coloca muito baixo seu objetivo, amiúde abaixo de sua consecução anterior - isto é, intimida-se e desiste de atingir objetivos mais elevados - ou coloca seu objetivo muito acima de sua capacidade. Esta última conduta é assaz comum. As vezes, o resultado é uma conservação mímica de objetivos elevados, sem esforço sério; outras vezes, pode significar que o indivíduo persegue cegamente seu objetivo ideal, perdendo de vista as possibilidades da situação presente. Um dos objetivos fundamentais e um critério de moral elevado parece se desenvolver e manter objetivos elevados e, ao mesmo tempo, conservar o plano para a ação seguinte realisticamente dentro dos limites do possível.
A altura em que uma pessoa coloque seu objetivo é profundamente afetada pelos padrões do grupo a que pertence, bem como pelos padrões dos grupos abaixo e acima dela. Os experimentos com universitários provam que, se são baixos os padrões de um grupo, um indivíduo reduzirá seus esforços e colocará seus objetivos muito abaixo dos que poderia atingir. Por outro lado, elevará seus objetivos se os padrões do grupo forem elevados. Em outras palavras, tanto os ideais quanto a ação de um indivíduo dependem do grupo a que pertença e dos objetivos e expectativas desse grupo. Portanto, fica bem claro que o problema do moral individual é, em grande parte, um problema social e psicológico de objetivos e padrões grupais, mesmo naqueles campos em que a pessoa parece antes perseguir objetivos individuais que grupais. Tal conexão entre moral individual e moral de grupo é evidentemente ainda mais íntima no que toca à busca de objetivos grupais.
Um experimento esclarece mais uma vez a questão. Experiências com operárias de máquinas de costura numa fábrica recém-montada numa área rural do Sul dos Estados Unidos demonstram a maneira pela qual o nível de aspiração influencia aprendizagem e realização no trabalho industrial. Depois de uma semana de aprendizagem, a produção das novatas alcançou de 20 a 25 por cento da quantidade aceita como padrão para operadoras categorizadas. No entanto, quando se informava às novatas que tal padrão poderia ser alcançado entre dez e doze semanas, tornava-se grande demais a disparidade entre o nível de seu desempenho ao fim da primeira semana e o objetivo estabelecido – tão grande, de fato, que as moças exprimiam invariavelmente seu ceticismo quanto à possibilidade de jamais atingi-lo. Como a fábrica era uma organização nova, não havia operárias qualificadas executando efetivamente o trabalho na velocidade-padrão; daí o objetivo parecer "difícil demais", inatingível. Na medida em que o salário dessas novatas já era superior aos salários a que estavam acostumadas, não havia nada fora ou dentro da fábrica que investisse de realidade social, para o grupo, os padrões mais elevados. Por conseguinte, os indivíduos estavam satisfeitos com seu progresso, malgrado a insatisfação das contramestres; as melhorias eram lentas, os platôs de aprendizagem, comuns, e ao fim de catorze semanas apenas 66 por cento do padrão fora atingido.
Para um segundo grupo de novatas, que começaram no mesmo nível, estabeleceu-se toda semana um objetivo definido, a ser alcançado no fim da semana, além da informação acerca dos padrões gerais. A essa altura, também, grande número de operárias mais antigas na fábrica tinha atingido o padrão. Tal combinação de um objetivo imediato para o futuro próximo e a aceitação do objetivo final como um padrão real para o grupo, levou a um progresso muito mais rápido da parte desse grupo de novatas. Ao fim da décima quarta semana, com poucos platôs de aprendizagem, a média do grupo havia mais que ultrapassado o objetivo-padrão.
O MORAL NA BUSCA DE OBJETIVOS GRUPAIS E A PERSPECTIVA TEMPORAL
Infelizmente, dispomos de poucos estudos que permitam conclusões cientificas sobre a relação entre o moral de grupo e a perspectiva de tempo. Todavia, uma comparação entre grupos de estrutura democrática e autocrática sugere algumas conclusões. Esses grupos, por exemplo, apresentaram diferenças impressionantes durante os períodos em que o líder se afastou. Enquanto o moral de trabalho do grupo democrático se manteve em alto nível, o do grupo autocrático decaiu rapidamente. Em pouco tempo, este último grupo deixou inteiramente de produzir. Tal diferença pode ser rastreada até a relação entre objetivos do indivíduo e do grupo e a certos aspectos da perspectiva temporal.
A organização do trabalho, como qualquer outro aspecto da organização do grupo autocrático, baseia-se no líder. É ele que determina a orientação do grupo; é ele que estabelece os objetivos específicos de ação para os membros do grupo: isto significa que tanto os objetivos do indivíduo como sua ação como membro do grupo são "provocados" pelo líder. É o campo de força do líder que mantém o indivíduo em ação, que lhe determina o moral de trabalho, e que faz do grupo uma unidade organizada. No grupo democrático, ao contrário, todos os membros participaram no estabelecimento da orientação do grupo; todos os membros ajudaram a traçar os planos. Por conseguinte, cada membro tem mais "mentalidade grupal" e menos "mentalidade individualista" que o membro do grupo autocrático. Como o grupo prossegue por sua própria força, seu moral de trabalho não esmorece assim que é eliminado o campo de força do líder.
A "aceitação" dos objetivos grupais, pelo membro do grupo autocrático, significa submissão a uma força superior e subordinação da vontade do indivíduo. No grupo democrático, a "aceitação" do objetivo grupal pelo membro significa que este o compreende e o faz seu. No último caso, a disposição para isso se fundamenta, em parte, na perspectiva temporal do indivíduo; no passado ele próprio participara do estabelecimento do objetivo e agora sente sua responsabilidade individual no realizá-lo. Não menos fundamental é a diferença de perspectiva de tempo dos membros dos dois grupos quanto ao planejamento do futuro. Para o futuro distante, o líder autocrático frequentemente revela a seus súditos, sem dúvida, algum objetivo elevado, ideal. Mas quando se trata de ação imediata, um dos meios aceitos do líder autocrático é revelar aos seus seguidores apenas o passo seguinte, imediato, de seus planos efetivos. Dessa forma, não só logra manter em suas mãos o futuro dos membros como também torna os membros do grupo dependentes dele e, de momento a momento, pode levá-los para a direção que desejar.
O membro de um grupo democrático, que ajudou a traçar um plano de longo alcance, tem uma perspectiva de tempo assaz diferente. Numa situação muito mais clara, não só é capaz de dar o passo imediato da maneira mais independente, como também o que se lhe segue. Como conhece sua posição e ação dentro do plano maior do grupo, pode modificar sua ação de conformidade com a mudança de situação.
Em contraste com o grupo democrático e autocrático, o grupo de laissez faire, em que o líder se abstém de agir, mostra apenas lampejos esporádicos de planejamento grupal ou de projetos individuais de longo alcance. O moral de um grupo que tal é muito baixo comparativamente ao grupo democrático e autocrático - o que constitui indicação da importância de objetivos definidos para o moral do grupo. Não são aqueles objetivos que possam ser facilmente atingidos os que conduzem a um moral elevado, e sim um futuro psicológico com obstáculos e objetivos elevados.
Certos grupos, nos campos de trabalho para os que se recusam a fazer serviço militar por motivos religiosos e que via de regra pagavam por sua manutenção, têm frequentemente licença de planejar por si mesmos como alcançar os objetivos de trabalho estabelecidos. Se os relatórios são corretos, esses grupos, com sua organização autoplanejada, produziram muito mais que os dirigidos por métodos normais de supervisão. Um fator responsável por tal resultado parece ser uma ampla perspectiva temporal, combinada ao caráter definido de seu objetivo: os conscientious objectors buscavam preparar-se para a difícil tarefa de reconstrução da Europa, depois da guerra.
LIDERANÇA, MORAL E PERSPECTIVA TEMPORAL
Num experimento levado a cabo por Bavelas, para investigar os problemas de treinamento de lideres, fica evidente a importância da perspectiva de tempo, tanto para o moral dos próprios lideres como para a sua influência sobre o moral do grupo. A notável modificação do moral dos lideres, de "baixo moral" antes do treinamento para "moral elevado" ao fim de três semanas de treinamento, liga-se ao fato de que os objetivos desses indivíduos passarem de um esforço, dia por dia, de manter seus precários empregos na Works Progress Administration, a um objetivo mais amplo, menos pessoal – e em verdade mais difícil – de proporcionar às crianças o privilégio de experimentar uma autêntica vida democrática de grupo. Semelhante mudança no nível de objetivo e na perspectiva de tempo foi trazida em parte pela experiência de participação num grupo de treinamento democrático, que havia ele próprio estabelecido objetivos definidos e traçado seus planos, e em parte pela experiência de trocar um passado depressivo, estreito e sem sentido, por um futuro que, com toda a sua incerteza, continha um objetivo pelo qual valia a pena lutar.
Uma perspectiva positiva de tempo, uma perspectiva temporal orientada para objetivos valiosos, constitui um dos elementos fundamentais do moral elevado. Ao mesmo tempo, o processo é recíproco; o moral elevado cria uma ampla perspectiva temporal e estabelece objetivos valiosos. Ao fim do processo de treinamento, os líderes acima mencionados tinham estabelecido para si mesmos objetivos muito acima daqueles que anteriormente se teriam atrevido a sonhar. Lidarmos, no caso, com um desses tipos circulares de dependências, que são frequentemente encontrados em Psicologia Social. A pessoa extremamente inteligente, por exemplo, é mais capaz que a débil mental de criar situações fáceis de manejar. Em consequência, o débil mental, com sua baixa capacidade, vê-se amiúde em situações mais difíceis que o normal. De maneira análoga, a pessoa socialmente desajustada cria situações sociais mais difíceis para si mesma que a pessoa bem ajustada e, como se sai mal na situação difícil, facilmente passa de mal a pior. O baixo moral contribui, outrossim, para uma perspectiva temporal deficiente que, por sua vez, resulta num moral ainda mais deficiente; ao passo que o moral elevado estabelece não só objetivos elevados como tem a probabilidade de criar situações de progresso, que levam o moral ainda mais elevado.
Este processo circular também pode ser observado no tocante ao moral do grupo como um todo. A interdependência entre os membros de um grupo, de fato, torna ainda mais inequívoca a circularidade dos processos. Num experimento, por exemplo, um grupo de crianças, reunidas durante uma hora num grupo democrático, pediu espontaneamente a continuação daquele grupo. Ao serem informadas da falta de um líder adulto, as crianças se organizaram a si próprias. Em outras palavras, seu moral era suficientemente elevado para expandir-lhes a perspectiva de tempo: estabeleceram um objetivo grupal de várias semanas - e incluíram, mais tarde, um projeto semestral.
REALISMO, MORAL E PERSPECTIVA DE TEMPO
O realismo é um aspecto da perspectiva de tempo essencial ao moral. Também aqui deparamos o mesmo paradoxo subjacente à produtividade: um critério de moral é a altura do nível de objetivo que o indivíduo se dispõe a aceitar seriamente. Para um moral elevado, o objetivo a ser atingido representará um grande passo avante em relação ao estado atual do problema. O político "realista", sempre com os pés na terra e a mão nas mamatas, é um símbolo de baixo moral. Por outro lado, o indivíduo "idealista" que, tendo altos ideais, não se empenha em atingi-los, de igual maneira pouco direito tem de ser considerado pessoa de moral elevado. O moral exige um objetivo suficientemente acima do estado atual de coisas e um esforço para atingir o objetivo distante através de ações planejadas com realismo capaz de prenunciar um verdadeiro passo à frente. Poder-se-ia dizer que este paradoxo – ser realista e ao mesmo tempo guiar-se por objetivos elevados – se situa no núcleo do problema do moral, pelo menos no que respeita à perspectiva de tempo.
OBJETIVOS IMEDIATOS DEMAIS E OBJETIVOS DISTANTES DEMAIS
O que um objetivo imediato ou um objetivo muito distante significam para o realismo e para o moral e como se relacionam com a perspectiva temporal do indivíduo ou do grupo é coisa que poderia ser melhor ilustrada por certos aspectos de desenvolvimento. A criança sadia normal, na escola primária, vive em grupos de crianças cujos padrões e valores, cujas ideologias e objetivos serão da maior importância para os seus próprios objetivos e conduta. Se tiver a sorte de nascer nos Estados Unidos, haverá boas possibilidades de que seu grupo de escola tenha atmosfera suficientemente democrática para proporcionar-lhe uma experiência clara, direta, do que significa ser um líder ou um liderado num grupo democrático, do que significa "jogar limpo", reconhecer diferenças de opinião e diferenças de capacidade sem intolerância ou mandonismo e, igualmente, sem frouxidão ou falta de fibra. Só umas poucas crianças experimentarão algo próximo da democracia perfeita; mesmo assim, experimentarão frequentemente uma atmosfera de grupo que se aproxima da democracia o bastante para lhes dar, dos processos democráticos, uma amostra melhor do que aquela que a grande maioria dos cidadãos dos países europeus jamais terá a probabilidade de experimentar.
Experimentos indicam que, aos oito anos, as crianças são mais altruístas que os adultos e que aos dez anos são ardorosamente guiadas por uma ideologia de justiça. Em suma, a conduta da criança comum, nessa idade, segue relativamente de perto os padrões e valores dos grupos a que pertence; mas esses grupos são os grupos face-a-face (ou primários) de sua escola, de sua família, de sua turma. O período de tempo a que se relacionam de maneira realista estes padrões e objetivos é uma questão de semanas, meses ou no máximo, de uns poucos anos. O âmbito de tempo e espaço em que a política nacional tem lugar no mundo social do adulto é, para a criança pequena, algo grande demais, algo esmagador, que ela só pode considerar de forma extremamente abstrata ou ingênua.
O desenvolvimento da pessoa, a passagem da adolescência para a juventude significa ampliação do âmbito e da perspectiva temporal do mundo psicológico do indivíduo. Em parte, significa também abandonar os pequenos grupos primários, como a família, ou então atribuir a esses pequenos grupos lugar secundário num mundo social maior, que o jovem agora enfrenta seriamente. É direito eterno de cada nova geração considerar criticamente os padrões e valores desse mundo mais amplo da geração mais velha. Quanto melhor e mais democrática tenha sido a educação durante a infância, tanto mais sérias e honestas serão tais considerações críticas.
Duas reações são típicas da pessoa jovem que desperta para problemas de tal magnitude – na verdade, são típicas de qualquer pessoa que enfrente pela primeira vez problemas de uma nova ordem de magnitude. o indivíduo pode, em primeiro lugar, esquivar-se a tomar decisões de tamanha importância, tentando antes restringir-se à perspectiva mais limitada de tempo que ele estava justamente deixando para trás. Seu baixo moral o levará então a dar ênfase principalmente aos pequenos objetivos do dia a dia. Um exemplo é o da universitária que, por estar revoltada com a guerra "lá na Europa", não lê sequer os jornais, nem ouve rádio.
No outro extremo está o indivíduo que se recusa a pensar numa perspectiva temporal de menos de mil anos. Pensa em termos do "deveria ser"; seus objetivos, como tais, são amiúde excelentes, e ele se recusa a qualquer ação que possa ir contra seus princípios. Na medida em que os seus objetivos se caracterizam por uma alta discrepância entre "o que é" e o "que deveria ser", entre o nível do desejo para o futuro e o nível da realidade presente, sua perspectiva de tempo se opõe à de um indivíduo que se satisfaz com o status quo. Todavia, a própria importância que o objetivo distante tem para o indivíduo que o leva a sério, o próprio fato de ele estar insatisfeito com a situação presente, dificultam-lhe uma consideração suficiente da estrutura real do presente ou uma concepção realista dos passos que é possível dar no mundo presente para atingir tal fim. Para quem se inicia em problemas que tratam de um novo âmbito de perspectiva temporal, é difícil, de início, distinguir entre o cínico, pronto a utilizar qualquer meio para alcançar os seus fins, e a pessoa de moral elevado, que toma seu objetivo suficientemente a sério para fazer o que for necessário para mudar o atual estado de coisas.
DOIS FUNDAMENTOS DA AÇÃO
A convicção de que determinada ação levará o indivíduo para onde deseja ir e não exatamente na direção oposta baseia-se, em parte, no que se chama conhecimento técnico. Todavia, para o indivíduo, esse conhecimento é limitado; suas ações sempre se baseiam, em parte, nalgum tipo de "crença". Existem muitos tipos de crenças que tais, em que o princípio do realismo dentro do moral pode basear-se. Mencionaremos apenas dois.
As exigências da guerra moderna obrigaram os exércitos a dar uma larga margem de independência ao indivíduo. Sob alguns aspectos, pode-se dizer que o exercito da Alemanha nazista tem maior democracia de status entre oficiais e soldados do que a que anteriormente existira no exército do Kaiser. No conjunto, porém, e especificamente no respeita à vida civil e à educação civil, Hitler estabeleceu a relação entre líder e liderados numa base de cega obediência em grau desconhecido na vida moderna, a não ser em certos conventos. Pois desde que Hitler subiu ao poder, a professora da escola maternal, por exemplo, foi instruída para nunca explicar uma ordem a uma criança, mesmo que lhe pudesse compreender a razão, porque a criança deve aprender a obedecer cegamente. "Podem-se desculpar muitas coisas, por piores que sejam. Mas deslealdade para com o Fuehrer nunca pode ser perdoada".
Numa atmosfera que tal, a crença de que a ação da pessoa se orienta na direção correta baseia-se fundamentalmente, se não exclusivamente, na confiança no líder. É pequena a área em que se permite o pensamento independente, mais ou menos limitada à execução ao passo imediatamente seguinte como objetivo. Obediência cega significa abandono, em todas as áreas essenciais, daquela medida de raciocínio e julgamento independente que vigorou na Alemanha antes da ascensão de Hitler ao poder e que, em grau muito maior, tem sido um dos direitos tradicionais do cidadão nos Estados Unidos.
Não é por acaso que, ao longo dos séculos, a luta contra a razão e a substituição da razão pelo sentimento tem sido um dos sintomas infalíveis de movimentos políticos reacionários. Reconhecer socialmente a razão significa que um argumento bem fundado "vale", qualquer que seja a pessoa que o formule; significa reconhecer a igualdade fundamental entre os homens. Numa autocracia, apenas o líder precisa estar corretamente informado; numa democracia, a determinação popular da política só poderá funcionar se as pessoas que participem do estabelecimentos dos objetivos estiverem realisticamente conscientes da situação real. Por outros palavras, a ênfase na verdade, a disposição de permitir que as pessoas saibam das situações difíceis e dos fracassos, não advém apenas de um abstrato "amor à verdade", mas é antes uma necessidade política. Eis um dos pontos em que o moral democrático pode, ao fim e ao cabo, mostrar-se superior ao moral autoritário. A verdade é um fundamento muito mais estável para o moral do que a crença na capacidade de qualquer líder individual.
PÓS-ESCRITO
Este capítulo foi escrito antes de 7 de dezembro de 1941; agora, estamos em guerra. A influência sobre o moral do país foi imediata e impressionante – uma circunstância que confirma alguns dos pontos que discutimos.
O ataque às ilhas de Havaí mostrou que o Japão representa um perigo muito mais sério do que muitos pensavam. Mas esse sentimento de perigo crescente e próximo, ao invés de deprimir, elevou o moral, estando, como está, de acordo com a constatação geral de que o moral muda, não paralela, mas antes inversamente ao montante da dificuldade, na medida em que certos objetivos sejam mantidos.
A experiência do ataque ao nosso próprio país (Estados Unidos), da noite para o dia trouxe a guerra, do nebuloso domínio das possibilidades, para o nível da realidade. Embora a universitária que mencionamos acima esteja longe de dar-se plenamente conta do que significa estar em guerra, esta deixou de ser algo "lá na Europa". Está aqui. Assim, como resultado de estarmos em guerra, a vontade de ganhar tornou-se um objetivo claro e indiscutível.
Antes de 7 de dezembro, o que era uma visão realista para um indivíduo era posta em dúvida por um segundo, e ridicularizada como impossível por um terceiro. Agora, a situação se esclareceu. Cessaram inúmeros conflitos, seja entre facções da população ou no íntimo de cada indivíduo, agora que estão definitivamente estabelecidos os principais aspectos das perspectivas de tempo.
Estar numa situação nova e definida destas significa que certos objetivos fundamentais e ações necessárias são "dados". Numa situação que tal, não se exige nenhum esforço especial para manter elevado o moral. A própria combinação de objetivo definido, crença no êxito final e a atitude realista diante de grandes dificuldades é moral elevado. O indivíduo que faz esforços extremos e aceita grandes riscos em prol de objetivos valiosos não sente que esteja fazendo um sacrifício; ao contrário, sente apenas que agiu naturalmente.
Tomada uma decisão importante, acontece frequentemente que o indivíduo ou o grupo demonstre elevado moral na nova situação, devido a uma súbita e clara consciência dos objetivos da empresa como um todo. Todavia, à medida que o esforço continua, uma porção de dificuldades e problemas de pormenor tende a surgir e a ocupar uma posição de maior destaque. Existe o perigo de que grupos que principiaram a agir com entusiasmo possam perder seu ímpeto quando a clareza da situação, no momento da decisão for turvada por uma porção de detalhes, problemas e dificuldades imediatas. O moral do grupo, durante um esforço prolongado, depende muito do grau em que os membros mantenham claramente em vista a tarefa total e o objetivo final.
Nos próximos meses e anos, pois, é de esperar que o moral civil dependa muito da clareza e do valor de nossos objetivos de guerra e da medida em que tais valores se venham a enraizar profundamente no íntimo de cada indivíduo.


Kurt Lewin
Problemas de Dinâmica de Grupo - Cultrix, SP.

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