16/10/2015

Experimentos com Espaço Social - Kurt Lewin

EXPERIMENTOS COM ESPAÇO SOCIAL
Estou convencido de que existe um espaço social dotado de todas as características essenciais de um espaço empírico real, merecedor de tanta atenção dos estudiosos de Geometria e Matemática quanto o espaço físico, embora não seja físico. A percepção do espaço social e a pesquisa experimental e conceptual da dinâmica e leis dos processos no espaço social são de importância fundamental, teórica e prática.
Como sou oficialmente um psicólogo, talvez devesse desculpar-me perante os sociólogos por ultrapassar as fronteiras do meu campo. A minha justificativa é a de que a necessidade impôs tal iniciativa e, em parte, os sociólogos são culpados disso. Pois eles têm acentuado ser totalmente errada a concepção de que um ser humano seja uma entidade biológica, fisiológica. Têm combatido a crença de que apenas os fatos físicos ou biológicos são reais, sendo os fatos sociais meras abstrações. Alguns sociólogos afirmaram que somente o grupo social tem realidade e que a pessoa individual não passa de uma abstração - de um ser que deveria ser adequadamente descrito como uma amostra representativa dos grupos a que pertence.
Qualquer que seja, dessas afirmações a que se considere correta, será preciso admitir que, particularmente na última década, a Psicologia aprendeu a dar-se conta da extraordinária importância dos fatores sociais em praticamente toda espécie e tipo de comportamento. É verdade que, desde o primeiro dia de sua vida, a criança faz parte de um grupo e morrerá se o grupo não cuidar dela. Os experimentos sobre êxito e fracasso, nível de aspiração, inteligência, frustração e todos os demais, demonstraram, de maneira cada vez mais convincente, que o objetivo que uma pessoa se propõe é profundamente influenciado pelos padrões sociais do grupo a que pertence ou deseja pertencer. O psicólogo atual reconhece que existem poucos problemas mais importantes para o desenvolvimento da criança e para o problema da adolescência que um estudo dos processos pelos quais uma criança incorpora ou se opõe à ideologia e ao estilo de vida predominante em seu clima social, às forças que a levam a pertencer a determinados grupos, ou que determinam seu status social e sua segurança dentro desses grupos.
Uma tentativa autêntica de abordar experimentalmente esses problemas – por exemplo, os de status social ou liderança – implica, tecnicamente, a necessidade de criar diferentes tipos de grupos, e de estabelecer experimentalmente uma série de fatores sociais que poderiam alterar tal status. O psicólogo social experimental terá de familiarizar-se com o trabalho de criar experimentalmente grupos, de criar um clima social ou estilo de vida. Espero portanto que o sociólogo o desculpe quando ele não possa evitar ocupar-se também dos problemas, ditos sociológicos, de grupos e de vida grupal. Talvez o psicólogo social possa até mostrar-se de considerável utilidade para o sociólogo. Frequentemente, a pesquisa na linha fronteiriça de duas ciências se mostrou particularmente vantajosa para o progresso de ambas.
Tome-se, por exemplo, o conceito de "grupo social". Tem havido muita discussão sobre como definir um grupo. O grupo tem sido amiúde considerado como algo mais que a soma dos indivíduos, algo melhor e mais elevado. Atribuiu-se a ele uma "mentalidade grupal". Os que se opõem a esta opinião consideram o conceito de "mentalidade grupal" mera metafísica e acham que, na realidade, o grupo não passa da soma dos indivíduos. A quem tenha acompanhado o desenvolvimento, em Psicologia, do conceito de organismo, todo ou Gestalt, esta argumentação soa estranhamente familiar. Nos primórdios da teoria da Gestalt, no tempo de Ehrenfels, atribuía-se a um todo psicológico, como a uma melodia, uma qualidade denominada de Gestalt – isto é, uma entidade adicional, uma como que mentalidade do grupo que se supunha que o todo tivesse, além da soma de suas partes. Hoje sabemos que não precisamos de supor uma qualidade gestáltica, mística, mas que qualquer todo dinâmico tem características próprias. O todo pode ser simétrico, embora as partes sejam assimétricas; um todo pode ser instável, embora suas partes sejam estáveis.
Tanto quanto alcanço compreender, apresenta tendência análoga, em Sociologia, a discussão relativa à oposição entre o grupo e o indivíduo. Os grupos são todos sociológicos; pode-se definir operacionalmente a unidade desses todos sociológicos, do mesmo modo que uma unidade de qualquer outro todo dinâmico, a saber, pela interdependência de suas partes. Tal definição despoja de misticismo a concepção de grupo e reduz o problema a uma base totalmente empírica e experimental. Ao mesmo tempo, significa completo reconhecimento do fato de que as características de um grupo social, tais como sua organização, estabilidade, objetivos, são diferentes da organização, estabilidade e objetivos dos indivíduos que o compõem.
Como, então, se deve descrever um grupo? Discutamos a influência das atmosferas ou clubes democráticos, autocráticos e de laissez faire criados experimentalmente por R. Lippitt e R.K.White, na "Iowa Child Welfare Research Station" (Posto de Pesquisas sobre o Bem-Estar da Criança, de Iowa). Suponhamos que o clube tivesse cinco membros e que se dispusesse de cinco observadores. Poderia parecer ser a maneira mais simples designar sempre um observador para cada membro do clube. Todavia, no melhor dos casos, o resultado seriam cinco microbiografias paralelas de cinco indivíduos. Este processo não produziria um registro satisfatório, sequer de fatos simples da vida do grupo, tais como sua organização, seus subgrupos e as relações entre seus líderes e membros, para não falar de fatos importantes como a atmosfera geral. Por isso, em vez de designar um observador para cada indivíduo, designou-se um observador para registrar de minuto a minuto a organização do grupo em subgrupos, outro para registrar as interações sociais, etc. Por outras palavras, ao invés de observar as características dos indivíduos, foram observadas as características do grupo como tal.
Ainda em outro ponto a Sociologia pode tirar bom proveito da Psicologia. É um lugar-comum dizer que o comportamento dos indivíduos, bem como o dos grupos, depende de sua situação e de sua posição peculiar neles. Acho que a última década da Psicologia mostrou que é possível fazer, em termos científicos, uma descrição clara e minuciosa da estrutura peculiar de uma situação concreta e de sua dinâmica. Pode-se até fazê-la em termos matemáticos exatos. A mais jovem disciplina da Geometria, denominada "topologia", é um instrumento excelente para determinar o padrão do espaço de vida de um indivíduo, e para determinar, dentro desse espaço de vida, as posições relativas que as diferentes regiões de atividade, ou pessoas, ou grupo de pessoas, mantêm entre si. Tornou-se possível transformar em termos matemáticos afirmações cotidianas como: "Agora, ele está mais próximo de seu objetivo de se tornar um médico de primeira", "Ele mudou a direção de suas ações", ou "Ele aderiu a um grupo". Em outras palavras, é possível determinar, de maneira geometricamente precisa, a posição, a direção e a distância dentro do espaço de vida, mesmo nos casos em que a posição da pessoa e a direção de suas ações não sejam de natureza física, e sim social. Com isto em mente, voltemos ao experimento social empreendido na Iowa Child Welfare Research Station.
Sabe-se muito bem que o êxito de uma professora na sala de aula depende não só de sua aptidão mas também, em grande parte, da atmosfera que cria. Esta atmosfera é algo de intangível; é uma propriedade da situação social como um todo, e poderia ser medida cientificamente, se examinada de tal ângulo. Como início, Lippitt escolheu portanto, para seu estudo, uma comparação entre uma atmosfera democrática e uma atmosfera autocrática. O objetivo não era reproduzir qualquer autocracia ou democracia dada, ou estudar uma autocracia ou democracia "ideal", mas criar estruturas que permitissem a compreensão da dinâmica subjacente do grupo. Dois grupos de meninos e meninas, de dez e onze nos de idade, foram escolhidos, num grupo de ansiosos voluntários de duas classes diferentes da escola, para formarem um clube de fabricação de máscaras. Com o auxílio do teste de Moreno, os dois grupos foram tanto quanto possível equiparados, no tocante a qualidades como liderança e relações interpessoais. Houve onze reuniões dos grupos, sendo que o grupo democrática se reunia sempre dois antes do autocrático. O grupo democrático escolhia livremente suas atividades. O que quer que escolhesse, o grupo autocrático recebia ordens de fazer. Dessa forma, igualaram-se as atividades do grupo. De modo geral, pois, tudo foi mantido constante, exceto a atmosfera do grupo.
Nos dois grupos, o líder era um estudante adulto. Tentava criar diferentes atmosferas utilizando a seguinte técnica:
Democrático

  1. Todos os planos de ação são resultados de decisão do grupo, encorajado e acicatado pelo líder.

2. Perspectiva de atividades apresentada por uma explicação das fases gerais do processo, durante discussão na primeira reunião (molde de argila, gesso, etc). Quando eram necessários conselhos técnicos, o líder procurava indicar dois ou três processos alternativos, entre os quais se podia escolher.

3. Os participantes tinham liberdade para trabalhar com quem quisessem, e a divisão de tarefas cabia ao grupo.

4. O líder procurava ser um membro do grupo em espírito e na discussão, mas não realizar grande parte do trabalho. Elogiava e criticava objetivamente.



Autocrático
  1. Toda decisão de planos feita pela pessoa mais forte (o líder).
  2. Técnicas e etapas para atingir o objetivo (a máscara completa) ditadas pela autoridade, um de cada vez, de maneira que a orientação futura era sempre incerta, em larga medida.
  3. A autoridade determinava geralmente, de maneira autocrática, o que cada participante devia fazer e com quem devia trabalhar.
  4. O dominador criticava e elogiava as atividades do indivíduo sem dar razões objetivas, e abstinha-se de participação ativa no grupo. Mantinha-se sempre impessoal, mas que exteriormente hostil ou cordial (uma concessão necessária em método).
Durante as reuniões dos dois grupos, os observadores anotaram o número de incidentes e ações por unidade de tempo. Observou-se que o líder autocrático exercia o dobro de ação sobre os membros, comparativamente ao democrático, vale dizer, 8,4 ações contra 4,5. Esta diferença é ainda maior se se levar em conta apenas a abordagem social iniciada, a saber, 5,2 contra 2,1. Ainda maior é tal diferença em relação ao comportamento dominante ou dominante iniciado: as ações dominantes do líder autocrático foram quase três vezes mais frequentes que as do democrático.
Quanto às ações de submissão, a proporção foi inversa, isto é, mais frequentes no líder democrático, embora nos dois grupos as ações de submissão do líder fossem relativamente raras. Uma relação análoga estabeleceu-se no caso das ações objetivas, práticas, em que também o líder democrático apresentou maior freqüência.
De modo geral, portanto, houve um impacto muito maior do líder sobre os membros do grupo no caso da autocracia que no da democracia, e a abordagem foi muito mais dominante e menos prática.
Quando tentamos responder à pergunta "qual a diferença entre o líder e o membro comum numa autocracia e numa democracia?", precisamos referir-nos a um membro médio ideal, que é uma representação estatística do que aconteceria se todas as atividades fossem distribuídas igualmente entre os membros do grupo, inclusive o líder. No experimento de Lippitt, os números demonstram claramente dois fatos: primeiro, em ambos grupos o líder realmente liderava. O líder autocrático apresentou 118 por cento mais atos dominantes iniciados que o membro médio ideal, e o líder democrático 41 por cento mais. Ambos os lideres eram menos submissos que o membro médio, isto é, o autocrata o era 78 por cento, o democrata, 53. Foi interessante observar que ambos também mostraram mais ação prática que o membro médio ideal.
Todavia, a diferença entre o membro comum e o líder era muito menos acentuada na democracia que na autocracia, tanto na ação dominante quanto na submissão. O líder democrático distinguia-se mais, também relativamente, por seu maior espirito prático.
O que demonstram esses números acerta da situação em que se encontram os participantes do grupo autocrático e democrático? Posso mencionar apenas alguns aspectos: no grupo autocrático, é o líder que estabelece o plano de ação. Por exemplo, uma criança dia: "Pensei que tivéssemos decidido fazer a outra máscara." O líder responde: "Não, esta é a que decidi, na última vez, ser a melhor". Em termos dinâmicos, um incidente desses significa que a criança teria sido capaz de atingir seu próprio objetivo, mas o líder ergue uma barreira contra esta locomoção. Em vez, dá à criança outro objetivo e faz força nessa direção. Estamos chamando tais objetivos, estabelecidos pelo poder de outra pessoa, de objetivo induzido.
Um exemplo paralelo no grupo democrático poder ser este: Uma criança pergunta, "de que tamanho é para fazer a máscara? São de argila ou de que?" O líder responde: "Gostaria que eu lhe desse uma pequena idéia de como as pessoas geralmente fazem máscaras?" Em outras palavras, o líder no grupo democrático, em vez de impedir as crianças de atingirem seu objetivo, franqueia as dificuldades que possam existir. Para o grupo democrático, muitos caminhos se abrem; para o autocrático, apenas um, a saber, o determinado pelo líder. Numa autocracia, o líder determina não apenas o tipo de atividade, mas também quem deve trabalhar com quem. Em nossa democracia experimental, toda cooperação de trabalho era resultado de subagrupamento espontâneo das crianças. Na autocracia, 32 por cento dos grupos de trabalho foram iniciados pelo líder, contra 0 por cento na democracia.
De modo geral, pois, a atmosfera autocrática propicia um domínio muito maior e mais agressivo do líder, e uma redução do livre movimento dos membros, a par de enfraquecimento de seus campos de força.
Qual é a influência dessa atmosfera sobre a vida grupal das crianças? Tal como foi medida pelos observadores, a relação entre as crianças era assaz diferente nas duas atmosferas. Havia aproximadamente trinta vezes mais dominação hostil na autocracia que na democracia, mais exigências de atenção e muito mais critica hostil, ao passo que na atmosfera democrática era muito mais frequente a cooperação e o elogio ao companheiro. Na democracia, eram feitas sugestões mais construtivas e era mais frequente comportamento prático ou submisso de membro para membro.
Na interpretação destes dados, poderíamos dizer que o "estilo de vida e pensamento" introduzido pelo líder dominou as relações entre as crianças. Na autocracia, em vez de uma atitude cooperativa, prevaleceu uma atitude hostil e extremamente pessoal. Isto se destacou notavelmente pela proporção de sentimento grupal de "nós", em oposição ao sentimento de "eu". As afirmações "centradas no nós" ocorriam duas vezes mais na democracia que na autocracia, enquanto, na autocracia, muito mais afirmações "centravam-se no eu" que na democracia.
No que respeita à relação das crianças para com o líder, a análise estatística revelou que no grupo autocrático as crianças menos submissas entre si eram duas vezes mais submissas ao seu líder que as crianças no grupo democrático. No grupo democrático, aproximações iniciadas pelo líder eram menos frequentes que no grupo autocrático. Na autocracia, a ação do membro em relação ao líder tinha mais o caráter de uma resposta à sua aproximação. Na autocracia, a abordagem do líder era mais submissa ou, pelo menos mantida numa base positiva.
De modo geral, pois, o estilo de vida nas duas atmosferas governava a relação entre as crianças, assim como a relação entre a criança e o líder. No grupo autocrático, as crianças eram menos positivas, menos cooperativas e submissas diante de seus pares, mas mais submissas ao seu superior que na democracia.
Existe uma série de fatores por detrás dessa diferença de comportamento. A tensão é maior na atmosfera autocrática, e a estrutura dinâmica dos dois grupos é assaz diferente. Num grupo autocrático, existem dois níveis claramente distintos de status social: o líder é o único a ter status superior, ficando os outros num nível igualmente baixo. Uma forte barreira erguida pelo líder impede que qualquer um suba de status conquistando a liderança. Numa atmosfera democrática, a diferença de status social é pequena e não existe barreira para atingir a liderança.
Isto tem efeito bastante nítido sobre o teor de originalidade. Em nosso experimento, todo indivíduo, na democracia, apresentava originalidade relativamente maior num certo campo seu, malgrado o maior sentimento de "nós", ou talvez por causa disso. No grupo autocrático, ao contrário, todas as crianças tinham status baixo, sem originalidade. O tipo de subgrupos apresentava ainda mais claramente tal diferença. Na autocracia, havia pouco sentimento de "nós" e um número relativamente pequeno de subgrupos entre as crianças. Quando o trabalho exigia a cooperação de quatro ou cinco crianças, era o líder que tinha de mandar os participantes se reunirem. Na democracia, os grupos se reuniam espontaneamente e duravam o dobro do tempo dos da autocracia. Nesta, tais unidades maiores se desintegravam muito mais rapidamente quando deixadas à sua sorte.
Nos experimentos de Lippitt, essas estruturas de grupo, combinadas com a alta tensão na autocracia, levaram à situação de bode expiatório. No grupo autocrático, as crianças se juntaram em bando, não contra seu líder, mas contra uma das crianças e a trataram tão mal que ela deixou de frequentar o clube. Isso ocorreu com duas crianças durante doze sessões. No sistema autocrático, toda elevação de status por via de liderança era bloqueada, e a tentativa de dominar era ditada pelo estilo de vida. Em outras palavras, cada criança se tornava inimiga potencial das outras, e os campos de poder das crianças se enfraqueciam uns aos outros, em vez de se fortalecerem pela cooperação. Combinando-se num ataque contra um indivíduo, os membros que de outra maneira não poderiam conseguir status mais alto, alcançaram-no pela supressão violenta de um dos companheiros. Pode-se perguntar se estes resultados não se devem apenas a diferenças individuais. Uma série de fatos exclui tal explicação, embora, naturalmente, as diferenças individuais sempre desempenhem um papel. De particular interesse foi a transferência de uma das crianças do grupo autocrático para o democrático, e de outra do democrático para o autocrático. Antes da transferência, a diferença entre as duas crianças era a mesma que entre os grupos a que pertenciam, isto é, a criança autocrática era mais dominadora e menos cordial e objetiva que a democrática. Todavia, depois da transferência, o comportamento mudou, de maneira que a criança anteriormente autocrática se tornou menos dominadora e mais cordial e objetiva. Em outras palavras, o comportamento das crianças espelhou bem rapidamente a atmosfera do grupo em que se moviam.
Mais tarde, Lippitt e White estudaram quatro novos clubes, com outros lideres. Incluíram uma terceira atmosfera, a saber, a do laissez faire, e expuseram as mesmas crianças, sucessivamente, a uma série de atmosferas. De modo geral, os resultados concordaram com os de Lippitt.
Apresentam uma notável diferença entre laissez faire e democracia, muito favorável à democracia. Apresentam também dois tipos de reação nos grupos autocráticos, uma caracterizada pela agressão, a segunda pela apatia.
De modo geral, creio que existem fartas provas de que a diferença de comportamento em situações autocráticas, democrática e de laissez faire, não provém de diferenças individuais. Tive poucas experiências tão impressionantes quanto a de ver mudar a expressão nos rostos das crianças durante o primeiro dia de autocracia. O grupo cordial, aberto, cooperativo e cheio de vida, tornou-se, ao cabo de apenas meia-hora, uma reunião apática, sem iniciativa. A mudança de autocracia para democracia parecia levar um pouco mais de tempo que de democracia para autocracia. A autocracia é imposta ao indivíduo. A democracia, ele a precisa aprender.
Estes experimentos, em conjunto, confirmam, pois, as observações da Antropologia Cultural e estão concordes com outros experimentos sobre o efeito da situação como um todo. O clima social em que uma criança vive é, para ela, tão importante quanto o ar que respira. O grupo a que ela pertence é o solo em que pisa. Sua relação com esse grupo e sua posição nele constituem os fatores mais importantes do seu sentimento de segurança ou insegurança. Não admira que o grupo de que a pessoa faz parte e a cultura em que vive, determinam em grande parte seu comportamento e caráter. Esses fatores sociais determinam o espaço de movimento livre de que dispõe, e até que ponto pode ela prever, com alguma clareza, seu próprio futuro. Em outras palavras, determinam, em grande parte, o estilo pessoal de vida da pessoa e a direção e produtividade de seu planejamento.
Hoje em dia, é lugar-comum culpar a deplorável situação mundial pela discrepância entre a grande capacidade do homem de dominar a matéria física e sua incapacidade de manejar as forças sociais. Por sua vez, considera-se causa dessa discrepância o fato de o desenvolvimento das ciências naturais ter suplantado de muito o desenvolvimento das ciências sociais.
Sem dúvida, tal diferença existe; tem sido e é de grande significação prática. Apesar disso, acho que esse lugar-comum contém apenas meia verdade, e talvez valha a pena indicar a outra metade da história. Suponhamos que, de repente, fosse possível elevar o nível das ciências sociais ao das ciências naturais. Infelizmente, isto dificilmente bastaria para tornar o mundo um lugar seguro e agradável para nele se viver. Porque os resultados das ciências físicas e das sociais podem ser igualmente utilizados pelo bandido como pelo médico, para a guerra como para a paz, por um sistema político como por outro.
Internacionalmente, ainda vivemos essencialmente num estado de anarquia, semelhante ao da lei da espada durante os tempos medievais. Enquanto não houver entidades internacionais capazes e desejosas de por em prática leis internacionais, os grupos nacionais terão sempre de escolher entre curvar-se diante do banditismo internacional ou defender-se.
Parece "natural", para as pessoas que vivem numa tradição inteiramente democrática como a dos Estados Unidos, acreditar que o que é cientificamente razoável deveria ser finalmente aceito por toda parte. Todavia, a História o mostra, e experimentos como o que descrevi o provarão novamente – creio eu – que de maneira alguma é universal a crença na razão como um valor social, mas constitui, ela própria, um resultado de uma atmosfera social definida. Acreditar na razão significa acreditar na democracia, porque ela propicia aos partícipes raciocinantes uma posição de igualdade. Portanto, não foi por acaso que somente com o desenvolvimento da democracia, ao tempo das revoluções norte-americana e francesa, que a deusa da "razão" se entronizou na sociedade moderna. E também não foi por acaso que o primeiro ato do Fascismo moderno, em todos os países, consistiu em, oficial e vigorosamente, destronar essa deusa e, em seu lugar, fazer das emoções e da obediência os soberanos princípios na educação e na vida, do jardim da infância até à morte.
Estou convencido de que a Sociologia científica e a Psicologia Social, baseadas numa íntima combinação de experimentos e teoria empírica, podem contribuir, tanto ou mais que as ciências naturais, para a melhoria humana. Contudo, o desenvolvimento de tal ciência social realista, não-mística, e a possibilidade de sua aplicação fecunda, pressupõe a existência de uma sociedade que acredite na razão.
Kurt Lewin
Problemas de Dinâmica de Grupo - Cultrix, SP.

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