03/11/2016

A Janela Johari: um esquema que representa o grau de lucidez nas relações interpessoais

Introdução à Dinâmica de Grupos
Joseph Luft
Morais Editores, Lisboa 1970

Neste capítulo, Luft nos presenteia com uma percepção da dinâmica de um grupo através da Janela de Johari, da qual foi um dos criadores.

Capítulo III

A “Janela Johari”: um esquema que representa o grau de lucidez nas relações interpessoais.

Como a descuidada centopeia, muitas pessoas tiram-se muito bem das suas dificuldades no trabalho com os outros, sem nunca se interrogarem com que pé hão de avançar. Mas quando as dificuldades surgem,  quando os métodos habituais são ineficazes, quando desejamos aprender mais,  não podemos deixar de examinar o nosso comportamento em relação aos outros.  O que – entre outras coisas – complica a tarefa é a dificuldade de encontrar o modo apropriado de refletir nestes problemas, sobretudo para aqueles que não tem formação em ciências sociais.

Quando Ingham e Luft apresentaram pela primeira vez a “Janela Johari”, que ilustra as relações interpessoais segundo o respectivo grau de lucidez,  ficaram surpreendidos ao verificar que muitos não-profissionais, tal como os universitários,  utilizavam e se inspiravam neste esquema.  Parece que ele se presta,  enquanto dispositivo heurístico (atitude interrogativa, útil no esforço da descoberta,  científica ou não), a uma melhor compreensão das relações humanas.  É fácil representar visualmente os quatro quadrantes que compõem a Janela Johari.

Quadrante I, a área de atividade livre,  aplica-se aos comportamentos e às modificações que são conhecidas pelo próprio e pelos outros.

Quadrante II, a área cega,  onde os outros podem ver em nós coisas que ignoramos.

Quadrante III, a área evitada ou secreta,  representa o que sabemos mas não revelamos aos outros (por exemplo, um projeto secreto ou assuntos acerca dos quais somos particularmente sensiveis).

Quadrante IV, área de atividade desconhecida. Nem o indivíduo nem os outros são consciente de determinados comportamentos ou motivações.  Podemos,  contudo,  supor a sua existência porque com o tempo,  alguns deles vem a superfície a apercebemo-nos,  então, que estes comportamentos e motivações escondidos influenciavam as relações desde o início.

Num grupo recentemente constituído, o Quadrante I é muito pequeno; há pouca interação livre e espontânea. À medida que o grupo se desenvolve e amadurece,  o Quadrante  cresce proporcionalmente, o que, habitualmente,  quer dizer que somos mais livres de ser nós mesmos e de ver os outros tais quais eles são verdadeiramente. O Quadrante III torna-se mais estreito à medida que o Quadrante I se alarga.

Achamos menos necessário esconder ou negar o que sabemos  ou sentimos. Numa atmosfera de crescente confiança recíproca, há menos necessidade de esconder os pensamentos e os sentimentos pertinentes. O Quadrante II leva muito mais tempo a reduzir-se porque ordinariamente, há boas razões,  de origem psicológica, para a nossa recusa em ver o que sentimos ou fazemos.

O Quadrante IV muda um pouco durante o período de formação em laboratório, mas pode presumir-se que a mudança se produz ainda mais lentamente aqui do que no Quadrante II. Em todo o caso,  o Quadrante IV tem, indubitavelmente,  mais amplitude e muito mais influência nas relações do indivíduo do que o mostra o esquema proposto.

Pode-se aplicar a Janela Johari às relações “intergrupo”.

O Quadrante I designa os comportamentos e as motivações conhecidas do grupo e, também,  de outros grupos. O Quadrante II representa uma área de comportamento à qual o grupo é cego,  mas de que outros estão conscientes, por exemplo,  o espírito de capela (“cultismo”) ou o preconceito.  O Quadrante IIII,  a área secreta, refere-se ao que o grupo sabe de si próprio mas não desvenda aos outros grupos. O Quadrante  IV, a área desconhecida,  indica que um grupo ignora certos aspectos do seu próprio comportamento,  ignorados também pelos outros grupos.  Ulteriormente, quando o grupo adquire novos conhecimentos acerca de si próprio,  há uma redução do Quadrante IV em proveito de um dos outros quadrantes.

Princípios da mudança que a Janela sofre por inteiro:

A) Uma mudança em qualquer Quadrante afetará todos os outros.
B) O fato de esconder, negar ou de não ver o comportamento que se manifesta no decurso da interação exige um dispêndio de energia.
C) A insegurança tende a diminuir a lucidez; a confiança recíproca,  a aumenta-la.
D) A tomada de consciência forçada (a revelação desejável e revela-se habitualmente ineficaz.
E) A aprendizagem da relação Interpessoal opera uma mudança que tem como consequência a extensão do Quadrante I é a diminuição de um ou vários dos outros quadrantes.
F) O trabalho coletivo é facilitado por uma área de atividade livre suficientemente extensa.  Isso significa que os recursos e as competências dos membros podem consagrar-se mais plenamente ao trabalho em curso.
G) Quanto mais o primeiro Quadrante é pequeno,  mais a comunicação é má.
H) Existe uma curiosidade universalmente espalhada acerca da área desconhecida, mas os costumes,  a aprendizagem social e receios diversos não deixam desenvolver está curiosidade.
I) A sensibilidade significa tomar em consideração os aspectos velados do comportamento, nos Quadrantes II, III, IV, e respeitar o desejo de o outro os manter assim.
J) A aprendizagem dos processos de grupo, tais quais estão a ser experimentados,  contribui para um aumento da lucidez (Quadrante I maior) do grupo na sua totalidade,  assim como da de cada um dos indivíduos que o constituem.
K) A escala de valores de um grupo e o sentimento de pertença dos seus membros podem ser avaliados pelo modo como são enfrentadas as incógnitas da vida do grupo.
L) Uma centopeia talvez seja perfeitamente feliz sem ter consciência do que faz; mas, no fim de contas,  limita-se a rastejar sobre pedras.

Familiarizado com este esquema, cada membro do grupo pode aprender a utilizá-lo para chegar a uma compreensão mais clara dos acontecimentos significativos produzidos no Grupo.

Por outro lado, este plano é suficientemente largo e vago para ter um valor heurístico,  fazendo nascer novas maneiras de identificar a elaborar os Problemas.

Daremos a seguir várias ilustrações das diferentes espécies de comportamento “intergrupo” e “intragrupo”.

Os objetivos de um Laboratório de Dinâmica de grupo

Podemos utilizar este esquema para ilustrar um dos objetivos de conjunto do laboratório, a saber,  a extensão da área de atividade livre no Quadrante I, para que uma maior quantidade de relações no seio do grupo sejam livres e francas.  Segue-se, pois,  que o trabalho do laboratório consiste em aumentar a extensão do Quadrante I reduzindo, ao mesmo tempo, o lugar ocupado pelos Quadrantes II, III e IV. A mais forte redução afetará em primeiro lugar o Quadrante III e, em sseguida,  o Quadrante II. A redução mais fraca intervirá no Quadrante IV.

Uma maior área de atividade livre nos membros do grupo causará, automaticamente,  menos apreensão ou temor e uma maior possibilidade de consagrar as competências e os recursos dos membros ao trabalho propriamente dito do grupo.

Isso implica uma maior receptividade à informação,  às opiniões e às ideias novas,  seja em si próprio,  seja em referência aos processos específicos de grupo.  A redução da área secreta ou evitada,  isto é, do Quadrante III, implica uma menor mobilização de energia para a defesa deste território.  Uma vez que uma maior número das necessidades do iindivíduo podem encontrar expressão, há mais probabilidades de que ele esteja satisfeito com o seu trabalho e que participe plenamente nas atividades do grupo.

A primeira etapa da interação de grupo

Se aplicarmos o nosso esquema a uma reunião representativa dos Grupos em geral, podemos ver que a interação é relativamente superficial,  que a ansiedade ou apreensão é bastante grande, que a Reciprocidade é  afetada e privada de Espontaneidade.  Podemos também observar que ordinariamente,  não se dá seguimento às ideias e sugestões e que os indivíduos parecem ver e entender relativamente pouco do que na realidade se passa.

O modelo pode representar fenômenos de intergrupo, tal como fenômenos de intragrupo.

Pode considerar-se o grupo como uma entidade ou unidade. Cattel, por exemplo,  utiliza a palavra “sintalidade” para designar no Grupo uma qualidade análoga à personalidade de um indivíduo.  Lewin concebe o grupo como um campo organizado de Forças,  um todo dotado de estrutura própria.  Dentro deste esquema,  um grupo pode ter com outros grupos relações semelhantes às existentes entre os indivíduos . Por exemplo, o Quadrante I representa os comportamentos e motivações de um grupo que são conhecidos pelos membros do grupo e também pelos de outros grupos. Os participantes de um seminário universitário,  por exemplo,  podem partilhar com outros setores da universidade certas informações e atitudes relativamente à esse seminario: Os conhecimentos previamente requeridos para seguir o curso,  o programa do seminário ou a quantidade de trabalho que decidem realizar.  Contudo,  muitas coisas acontecem durante um seminário que são conhecidas dos membros,  mas não de grupos estranhos (Quadrante III).

Poder-se-ia ilustrar a zona do comportamento secreto com o sentimento por parte dos estudantes de que o último seminário é muito especial ou nitidamente superior a outros cursos. Ou então, pode acontecer que sintam o curso como uma perda de tempo,  mas,  por uma razão particular,  não participam está atitude a estranhos. As vezes ainda,  pode pproduzir-se um acontecimento excepcional que não revelam a estranhos.

O Quadrante II, a área cega,  caracteriza os partidários de “cultos”, que não estão conscientes de certos aspectos do próprio comportamento,  enquanto as pessoas de fora parecem capazes de discernir estas atitudes fanáticas. O Ou ainda,  as vezes,  os preconceitos de um grupo são perfeitamente visíveis aos estranhos, mas não aos próprios membros do grupo.

O Quadrante IV, poderia aplicar-se às atitudes e aos comportamentos que existem no Grupo, mas que,  por uma ou outra razão,  são ignorados pelo grupo.  Como exemplo,  poder-se-ia tomar um problema não resolvido acerca dos objetivos globais do grupo. Se o grupo estiver secretamente dividido e certos membros quiserem tomar direções diferentes -   e se este fato nunca tiver sido reconhecido nem exposto à luz do dia -  poderemos então assistir ao aparecimento de dificuldades que continuavam ignoradas pelos membros do grupo, bem como pelos membros de outros grupos.

Por exemplo, numa grande empresa científica,  os físicos e os engenheiros tinham muitas dificuldades com os mecânicos. Só ao fim de um longo período de investigação se esclareceu que as diferenças de está tudo é privilégio produziam sentimentos hostis entre os diferentes grupos,  cujos membros não tinham consciência da amplitude deste problema.

31/10/2016

Elementos do Método do Laboratório - Joseph Luft


Capítulo II
Joseph Luft – Introdução à Dinâmica de Grupos 

Neste capítulo Luft traz a sua percepção a respeito do funcionamento de um Laboratório de Sensibilidade, com relação ao método, aos participantes e aos coordenadores.

Elementos do método “do laboratório” para o estudo dos processos de grupo.

1.O emprego dos métodos formais e convencionais de estudo dos Grupos é reduzido ao mínimo. 

As conferências e a leitura de manuais constituem as partes suplementares do programa de ensino. Os horários são organizados de tal modo que os membros saibam onde se reunir,  mas não se utiliza plano algum de curso.
Cada agrupamento de pessoas que estudam a dinâmica de grupo surpreende-se a ser estimulado a abrir o seu próprio caminho através da matéria em questão, fazendo apelo aos recursos dos próprios participantes.  A duração habitual das reuniões é de uma hora e meia a duas horas. 

2.A disposição da sala é como para um seminário ou um “atelier”.

Não há púlpito para o professor nem lugares marcados para os alunos. Esta disposição é aconselhada para facilitar a livre discussão no interior do grupo. Além disso, encoraja o exercício da iniciativa de cada membro,  de preferência à habitual dependência em relação ao “mestre”.

3.Certos laboratórios preconizam o isolamento do grupo de estudos em relação ao meio habitual e às pressões de todos os dias. 

A ideia de um “ilhéu cultural” traz muitas vantagens: libertando o indivíduo do seu quadro habitual de trabalho, é encorajado a olhar os problemas familiares com novos olhos; os participantes encontram neste “ilhéu cultural” mais tempo para refletir nesses problemas e para os discutir com outras pessoas que por eles se interessam tanto como eles. Mas se bem que um tal quadro seja preferível, nem sempre é realizável por motivos de ordem prática. 

4.No Laboratório,  o grupo acabado de constituir é levado a abandonar os símbolos e o aparato usuais do prestígio social. 

Está-se vestido de maneira simples e confortável; as pessoas não se dirigem umas às outras pelos seus titulos: “Senhor” é utilizado de preferência à “Doutor” ou  a “Senhor Professor”. Às vezes,  os membros decidem chamar-se pelos seus nomes, sendo isto, evidentemente,  uma questão de preferência pessoal.

5.O monitor tem certas funções e responsabilidades especiais, mas participa no Grupo como os outros membros e encoraja-os a tomar parte o mais livre e ativamente possível. 

Desempenha assim uma função mais passiva do que a que lhe cabe, habitualmente,  nos cursos universitários. Isto explica-se por várias razões importantes. Uma vez que o grupo é novo e os seus membros nunca trabalharam anteriormente em conjunto,  o monitor evita impor um modelo de trabalho que não derivaria das características singulares deste agrupamento particular de indivíduos.  Assim,  os membros encontram-se, desde o princípio, face ao problema de descobrir o seu próprio modo de proceder no Grupo. Deste modo,  questões importantes, como fixar os objetivos a curto e a longo prazo,  elaborar os métodos para resolver os problemas,  estabelecer a natureza do sistema de comunicação próprio do grupo e os seus processos de tomar decisões – todos estes problemas e muitos outros ainda, devem,  de uma maneira ou de outra, ser enfrentados e resolvidos. É na própria luta com estes problemas que se funda a aprendizagem do comportamento individual e de grupo. 

6.O conteúdo  das discussões de grupo e os processos subjacentes ao comportamento do grupo são diferenciados e elucidados. 

A palavra “processos” refere-se a uma dedução feita a propósito da significação do comportamento dentro do grupo. Este comportamento pode ser verbal, como na discussão, ou não-verbal, como no fato de guardar silêncio ou de se dirigir a uma pessoa em particular quando se fala do grupo em geral. A diversidade dos processos de grupo é ilimitada - alguns deles,  muito correntes e fáceis de compreender.  Por exemplo, pode acontecer que certos membros do grupo se deixem absorver por problemas que afastam o grupo do seu trabalho imediato; não obstante, a maior parte dos membros segui-los-ão nesta divagação, e só mais tarde se irão perceber da necessidade que todos tinham de escapar temporariamente ao trabalho começado. Tais divagações ou fugas ao trabalho indispensável do grupo são fenômenos importantes e constituem provavelmente uma propriedade universal de todos os grupos.

Dentro da mesma ordem de ideais, Lewin distingue entre o “fenótipo” e o “genótipo”.

Um “fenótipo” refere-se ao comportamento observável, ao que se faz ou se diz.

Um “genótipo” é uma ideia ou um construct elaborado a partir do comportamento, para lhe encontrar o significado subjacente. 

7.O método do laboratório não pode ser aplicado senão numa atmosfera de tolerância. 
Após um certo tempo, os participantes sentem conscientemente uma maior liberdade de pedir, de perguntar,  de contribuir, de escutar e de explorar as situações. Descobrem em si uma capacidade de serem mais totalmente eles mesmos,  de dizerem o que verdadeiramente pensam ou de exprimir em atitudes que normalmente dissimular iam ou fingiram ignorar. Após um início cauteloso e depois de “tomarem o pulso” à reunião,  os membros do grupo encontram cada vez mais proveito em poder comparar as suas impressões com as dos outros,  em reconhecer a falta de compreensão quanto ela existe e em participar no trabalho de grupo em moldes novos que antes rejeitariam. Uma atmosfera liberta das tensões e ameaças psicológicas habituais permite a cada um uma melhor compreensão da sua função no Grupo.

8.Se se deposita grande confiança nestes métodos de discussão informal para a aprendizagem do comportamento dos Grupos, uma das razões é que,  pela sua experiência no seio do grupo,  o aprendiz descobre as relações íntimas e complexas que existem entre os diversos fenômenos da vida de grupo. 

O conhecimento que adquire, ao participar com os seus semelhantes e ao discutir com eles para chegar a uma decisão, é muito diferente daquele que pode adquirir por um conhecimento livre com ou por uma discussão teórica de problemas relativos à maneira de decidir dos Grupos.  Enquanto participante num grupo, pode,  por exemplo, perceber-se de que as decisões do grupo são influenciadas por conflitos manifestos, bem como por conflitos latentes do grupo, pelos problemas de comunicação, pelo estatuto que os diferentes membros adquiriram ao longo da participação no Grupo,  pela presença de elementos conciliadores sensíveis,  assim como de fornecedores de informação -  e daqueles que aprovam passivamente o que os outros propõem. 

9.O método do laboratório torna possível a descoberta de certas fases no desenvolvimento do grupo. 

Muitas vezes, os grupos descobrem através da própria experiência que o seu progresso inicial foi efetuado à custa de alguns deles.  Quer este progresso seja considerável quer não,  só passado algum tempo se descobre que o membro não considerado,  ou cujos esforços foram reprimidos se irrita talvez com os progressos realizados e, consequentemente,  se retira da participação ativa, sem disso estar plenamente consciente. Ou então pode acontecer que ele se desforra quando menos se espera. De qualquer modo,  tais progressos realizados às pressas,  correm o risco de criar os seus próprios obstáculos e assim o grupo perde mais do que ganha quando chega a uma solução prematura. Quando os membros do grupo estiverem suficientemente isentos de angústia para entender o que se passou,  quando o modo como se efetua o progresso tiver suscitado tanto interesse como o próprio progresso,  então o grupo orientar-se-á para decisões mais eficazes. Tais decisões poderão então ser fruto dos conhecimentos e das competências dos membros, assim como dos seus sentimentos e motivações afetivas.  Dá-se conta de que as decisões prematuras raramente recebem o apoio necessário e abortam muitas vezes, enquanto as decisões mais tardias e mais maduramente refletidas, temperadas pelo aparecimento e resolução de conflitos,  chegam a bom termo. 

10.Por último, preconiza-se o método do laboratório porque muitas pessoas se interessam, quer por melhorar a própria capacidade de trabalhar em grupo,  quer por compreender o funcionamento dos Grupos em geral. 

Na convicção de que os dois fins são complementares, o laboratório oferece ao participante muitas ocasiões de adquirir mais lucidez sobre o próprio comportamento e o dos outros.  O participante do grupo pode verificar a ideia que tem do comportamento no trabalho de grupo, comparando-o com o comportamento tal qual ele é na realidade. Cada membro é encorajado a explicar novas vias e a encontrar modos novos e mais eficazes de trabalhar com outros. Na qualidade de participante-observador, pode descobrir por si mesmo se o seu código de valores, tal qual o afirma acerta dos outros, corresponde ao seu comportamento com eles.

“O distintivo do homem civilizado é o seu consentimento em reexaminar as suas crenças mais arraigadas” (Olivier W. Holmes).















28/10/2016

Introdução à Dinâmica de Grupos - Joseph Luft

Joseph Luft e Harrington Ingham,  em 1955, criaram a famosa Janela de Johari (junção de seus nomes). E Luft também nos presenteou com um livro chamado Introdução à Dinâmica de Grupos que é um belo exemplo da existência na profundidade na síntese.
Publicado em 1970 por Morais Editora, de Portugal.

Para facilitar a leitura, estou disponibilizando no blog por capítulos.
Neste primeiro capítulo Luft nos presenteia com um análise das vantagens da aplicação da Dinâmica dos Grupos e, também, das críticas que recebeu e ainda recebe sobre sua aplicação.

OS PROCESSOS DE GRUPO – INTRODUÇÃO À DINÂMICA DE GRUPOS.

Que é a dinâmica de grupo?

Porque se utiliza o chamado método “do laboratório” para ensinar a dinâmica de grupo?

Quais são os Problemas fundamentais da dinâmica de grupo?

Estas três perguntas servirão de guia ao nosso esboço da dinâmica de grupo. Toda a tentativa de resumir os trabalhos realizados num domínio de investigação que se desenvolve a semelhante velocidade deve necessariamente ser seletiva e refletir o ponto de vista e as ideias preconcebidas do autor. Além disso, prestarmos mais atenção à aprendizagem e ao ensino da dinâmica de grupo que aos seus aspectos industriais,  educativos ou experimentais.

É costume aplicar o termo “Dinâmica de grupo” ao estudo dos indivíduos em interação dentro  de pequenos grupos. O vocábulo “Dinâmica” implica forças complexas e interdependentes agindo no interior de um campo ou quadro comuns. A expressão “Dinâmica de grupo”, infelizmente,  nem sempre é empregada num sentido preciso. É necessário,  portanto,  para além da definição sumária que acabamos de dar,  determinar o sentido próprio de cada utilização especial.  Por causa do seu caráter vago,  será sem dúvida melhor empregar apenas esta expressão para designar o campo geral de estudo.  Com efeito,  a própria expressão caiu em descrédito devido a aplicação que as vezes dela se faz a entidade confusas ou místicas.  Apareceram eexpressões substituto tais como “processos de grupo”, “psicologia de grupo”, “relações humanas”, mas ninguém parece completamente satisfeito.

A dinâmica de grupo está intimamente ligada à teoria do campo na psicologia contemporânea e Kurt Lewin, que elaborou a teoria do campo,  é habitualmente considerado como o fundador da moderna Dinâmica de grupo. Pelo seu trabalho na Universidade de Iowa por volta dos anos 30, e mais tarde,  no Massachusetts Institute of Technology, Lewin estabeleceu solidamente a dinâmica de grupo no mundo universitário e fez aceder psicólogos, sociólogos,  educadores e outros especialistas das ciências sociais e novos e apaixonantes problemas, bem como a novos métodos.  Os artigos e os livros de Lewin, tais como Fronteiras da Dinâmica de Grupo, A Decisão de Grupo e a Mudança Social,  A Teoria Dinâmica da Personalidade, A Resolução dos Conflitos Sociais, prepararam o terreno para o verdadeiro pílulas de investigações e publicações do pós guerra.

Dez anos mais tarde, R. S. Crutchfield (1),  fazendo um balanço da investigação nos domínios da psicologia social e dos processos de grupo, julga que “foi provavelmente a dinâmica de grupo, essa ciência limítrofe,  que lá que progressos mais notáveis fez.  E isto pelo modo convincente como mostrou de que maneira se pode tratar, experimentalmente, no quadro de um grupo autêntico, das variáveis psicológicas cruciais”.

Uma descoberta importante feita por Lewin e seus associados refere-se diretamente à segunda pergunta que figura à  cabeça deste sumario: “porque se utiliza o método laboratório para ensinar a dinâmica de grupo?” Lewin fez o relatório de experiências cujo fim era ensinar às pessoas novos comportamentos. Por exemplo: mudar-se os hábitos alimentares ou aumentar a sua produção durante a guerra. Ele descobriu que,  para modificar as ideais e o comportamento social,  determinados métodos de discussão e de decisão em grupo apresentavam grandes vantagens em relação às conferências e ao ensino individual. Seguidamente,  estes métodos de grupo foram aplicados a aprendizagem da própria dinâmica de grupo, considerada como domínio de conhecimentos e como competência aplicada. Informando as pessoas sobre a alimentação, não se lhes muda em nada os gostos  porque a apresentação de fatos, por si só, não modifica as atitudes pessoais. De igual modo,  a simples explicação do comportamento individual. Pelo contrário, a maior parte das pessoas,  quando têm ocasião de trabalhar num “grupo de laboratorio”, sentem-se atingidas por aquilo que lá se passa de modo suficiente para ressentimento e observarem os processos que aprendem a conceitualizar. Deste modo, “aprendem alguma coisa” acerca do seu próprio comportamento nos grupos, ao mesmo tempo que evoluem na penetracao da dinâmica de grupo em geral. Aquele que ensina o funcionamento dos Grupos observa,  repetidas vezes,  que a leitura de textos obrigatórios fornece bem poucos conhecimentos profundos aos seus estudantes,  enquanto eles não podem estabelecer a relação entre as ideais expostas nos manuais e a própria experiência direta.  À medida que o curso avança,  os estudantes declaram espontaneamente que as leituras parecem adquirir,  de repente,  mais significado e suscitam neles um interesse muito mais vivo que ao princípio.  O trabalho dos diferentes laboratório de Dinâmica de Grupo tende a confirmar estas impressões.

As descobertas de Lewin foram corroboradas por outras de numerosos investigadores, trabalhando em domínios diversos.  Coch e French, por exemplo (2), procuram as razões subjacentes à resistência encontrada pela introdução de novos métodos de fabricação numa fábrica de confecções do Estado da Virgínia com seiscentos empregados. Descobriram que “se pode efetuar a mudança por meio de reuniões de grupos em que a direção consegue comunicar ao pessoal a necessidade de mudança e estimula a participação do grupo na preparação das mudanças. Outros investigadores estudaram as modificações de comportamento efetuadas, em parte pelo método de conferências e,  por outra parte,  pelo das decisões de grupo. Compararam os resultados obtidos pelos dois métodos em 395 operários e 29 chefes de oficina de uma importante fábrica e declaram, na exposição dos seus trabalhos, o seguinte: “as conclusões a que chegamos confirmam inteiramente as de Lewin, demonstrando a superioridade da decisão de grupo sobre a conferência como método de formação”.  Os chefes de oficina que aplicaram o método de discussão e de decisão de grupo compreenderam que tendiam a avaliar exageradamente o trabalho dos operários qualificados e a depreciar os resultados obtidos pelos operários não especializados. Começaram então a julgar o pessoal, mais em função do trabalho realizado, que  em função do prestígio ou da classificação profissional.  Estes chefes de oficina tomaram consciência dos próprios preconceitos e puderam remedia-los graças, não ao ensino por meio de conferências,  mas às discussões em grupo.

Numerosos relatórios testemunham o valor da discussão de grupo para o ensino da psicologia, em comparação com o clássico método das conferências. Os resultados obtidos mostram que, em geral,  os dois métodos dão aos estudantes mais ou menos a mesma soma de conhecimentos abstratos da matéria estudada. Contudo,  segundo a exposição de McKeachie, os cursos “centrados sobre o grupo” atingem uma compreensão mais real da dinâmica da Personalidade do que aqueles que apenas englobam conferencias; os participantes parecem também mais capazes de aplicar a novos problemas os conhecimentos assim adquiridos. Concordam,  não obstante,  em indicar que os resultados obtidos pelos diferentes métodos de ensino da psicologia não devem ser considerados como concludentes em todas as circunstâncias,  pois há variáveis importantes que entram em jogo, tais como as diferenças interpessoais relativas aos valores próprios e ao grau de experiência do instrutor.

O NTL – Laboratório Nacional de Treinamento, que se especializa em métodos informais e experimentais de ensino da dinâmica de grupo,  foi criado em 1947, em Bethel,  no Maine. Desde o princípio, o NTL reuniu especialistas da psicologia, da sociologia,  da pedagogia,  de relações industriais,  de antropologia,  de psiquiatria e de filosofia,  para examinar de um ângulo crítico os problemas da dinâmica de grupo e os métodos utilizados para ensinar esta matéria.  Um dos aspectos distintivos do estudo dos pequenos grupos é que  ele continua a depender de várias disciplinas ao mesmo tempo. O método do laboratório evoluiu por “tentativas e erros”, assim como por experimentação verificada,  e o NTL é hoje um organismo pedagógico oficialmente reconhecido.  Por toda a parte dos Estados Unidos se encontram dezenas de laboratórios semelhantes, nos colégios e universidades.  As diferentes equipes continuam as investigações e a autocrítica sem descanso, ainda que o método do laboratório tenha claramente provado a sua eficácia para o ensino da dinâmica de grupo.

Na verdade, estes métodos estenderam-se muito para além do mundo universitário,  penetrando em domínios variadissimos: direção da indústria e do ensino, saúde pública,  higiene mental,  medicina,   organização do trabalho,  administração pública do pessoal,  empresas.  Numerosas pessoas exteriores ao mundo universitário são, evidentemente,  obrigadas a enfrentar problemas de Dinâmica de Grupo, estejam ou não  conscientes da existência deste domínio. Um engenheiro, por exemplo,  deseja aumentar a eficácia do seu estado maior: por razões que ele não entende bem,  os homens por ele contratados,  que ele sabe serem competentes,  parecem não poder trabalhar em conjunto.  Ou então,  o administrador de uma escola não compreende as querelas constantes entre os professores,  cujos salários e condições de trabalho são idênticas às das escolas vizinhas,  que não sofrem tais problemas.  Ou ainda, a direção de uma empresa preocupa-se com a formação de quadros jovens e encontra-se desamparada frente à dificuldade de ensinar as qualidades da liderança.

Estes problemas não são de modo algum excepcionais. Pessoas de origem varias e em número cada vez maior recorrem aos laboratórios organizados em todo o país pelo NTL e pelas universidades. Certos colégios organizam sessões de Laboratório no quadro dos cursos para universitarios; outros,  de tempo em tempos. Na Europa, o centro mais importante para o ensino dos processos de grupo é,  sem dúvida,  o Tavistock Institute of Human Relations, na Inglaterra.

R.Lippitt (3) descreveu do seguinte modo o programa de Michigan: “os objetivos de conjunto do Centro de Investigação Sobre Dinâmica de Grupo da Universidade de Michigan são o estudo experimental de pequenos grupos, a sua integração relativamente ao trabalho efetuado nas ciências sociais aparentadas,  a aplicação das descobertas a atividades de utilidade social,  tais como a formação de quadros,  a terapêutica de grupo,  etc...” O trabalho realizado inclui estudos sobre coletividades sociais, grupos de trabalho em fábricas,  grupos de discussão,  grupos de formação de quadros e outros grupos “face a face”.

Pareceria quase desnecessário demonstrar até que ponto é importante estudar o modo de funcionamento dos Grupos. Contudo,  muitas pessoas se opõem à própria ideia da dinâmica de grupo. Há artigos escritos para criticar está orientação e por em dúvida as suas descobertas. Certos autores opuseram-se tão violentamente aos métodos de trabalho em Grupos, sejam eles quais forem,  que, a crer neles, o simples fato de reconhecer a existência dos grupos equivale a preconizar a sua utilização sistemática.

Certos críticos consideram que os especialistas da dinâmica de grupo exageram a significação dos resultados obtidos neste domínio, ou então criticam a insuficiência da investigação verificada. Para outros ainda,  todo este movimento é apenas uma simples mania ou um culto destinado a desaparecer sem deixar rastro,  como a frenologia ou o método Coue. Há também quem pense que a dinâmica de grupo representa um perigo para a sociedade, porque corre o risco de ensinar as pessoas a manipular ou a explorar os outros.

Não obstante, os grupos existem nos lares e nas escolas,  nos negócios e nas profissões,  no governo e na vida militar. Para o investigador científico,  todo o fenômeno natural ou social pode e deve ser estudado. Parece estranho ter de afirmar isto no século XX. Os grupos existem e, cientificamente, é legítimo supor que um inquérito rigoroso descobrirá os princípios que governam o desenrolar ordenado dos processos de grupo. A questão que importa por a este respeito é a seguinte: ir-se-a utilizar um método científico que permitirá a outros verificar a exatidão e certeza dos resultados? Os riscos conjugados do espírito de capela e da recusa duma verificação racional, provenham eles do interior ou do exterior do domínio, serão sobretudo evitados pela discussão aberta e pela comunicação de ideias e dados entre os investigadores, segundo a tradição científica.

Em relação a possíveis abusos na aplicação dos conhecimentos adquiridos, nada podemos, a menos que recorremos a uma forma de censura do pensamento, o que poucas pessoas estariam dispostas a preconizar.  Todo o progresso humano, desde a invenção da roda,  é suscetível de ser utilizado contra os homens, contra a sociedade.  A vida e o trabalho em grupo põem tantos problemas e apresentam tantas dificuldades que,  se menosprezarmos a informação sobre o modo como as pessoas vivem e funcionam em grupo, corremos riscos ainda mais graves do que os que se podem criar pelo eventual abuso dos conhecimentos adquiridos neste domínio.

Nas suas considerações sobre o estudo dos Grupos e da lideranca, Lewin acentua os benefícios e riscos a que esta investigação sujeita o Especialista do comportamento.

“Seria extremamente lamentável que a atual tendência para uma psicologia teórica fosse enfraquecida pela necessidade de considerar grupos naturais em ordem ao estudo de certos problemas de psicología social. Não devemos, no entanto,  esquecer que este desenvolvimento pode ser de grande utilidade para a psicología teórica, embora também lhe possa criar perigos.  A psicología aplicada foi gravemente prejudicada pelo fato de ter de proceder,  sem a ajuda que se impunha,  segundo método custoso, ineficaz e limitado das tentativas e erros. Muitos psicólogos que hoje trabalham num ramo prático estão vivamente conscientes da necessidade de cooperação estreita entre as psicologias teórica e aplicada. Os psicólogos podem chegar a uma tal cooperação, como fizeram os físicos,  se,  por um lado,  o teórico, do alto da sua superioridade intelectual,  não considerar desdenhosamente os problemas práticos e não recear contatar com os problemas sociais,  e se,  por outro,  o especialista de psicología aplicada reconhecer,  por seu lado,  que nada há de mais prático do que uma boa teoria. No domínio da dinâmica de grupo,  mais que em qualquer outro domínio psicológico,  a teoria e a prática estão metodologicamente ligadas.  Utilizada como convém,  esta combinação poderia responder simultaneamente aos problemas teóricos e reforçar este acesso racional aos problemas sociais práticos que constitui uma das condições fundamentais da respectiva solucao”.(4)


(1) Social Psychology an Group Processes, artigo publicado na Annual Review of Psychology, V, 1954, p. 171.
(2) Overcoming Resistance to Change, Human Relations, I, 1948, pp 512-532.
(3) Current Trends in Social Psychology.  Pittsburgh, University  of Pittsburgh Press, 1948.
(4) LEWIN, K, LIPPITT,  R e WHITE, R.  K. -  Patterns of Agressive Behavior in Experimentally Created Social Climates. Journal of Social Psychology,  X, 1939, pp. 271-299.


13/06/2016

Normas grupais

Normas grupais

“Qualquer ação frequentemente repetida torna-se moldada em um padrão que pode em seguida ser reproduzido com economia de esforço e que é apreendido pelo executante como tal padrão: o hábito.” ( in Berger e Luckmann ,1985, pg. 77).

O hábito garante que uma atividade possa vir a ser executada no futuro da mesma forma e com o mesmo esforço físico e/ou ainda mais econômico.

A partir dos hábitos, é possível ao indivíduo organizar  seu tempo, além de  reduzir as inúmeras alternativas que poderiam surgir para a realização de um projeto, a uma só possibilidade. Dessa forma se  protege do trabalho de ter que tomar decisões.

O hábito pois, é um companheiro do solitário.

Quando um indivíduo com seus hábitos entra em contato com outro e seus respectivos hábitos e ambos decidem conviver em um mesmo espaço social, precisarão  necessariamente  fazer combinações, que possibilitem a  convivência dos seus diferentes hábitos.  Assim nascem as normas e as instituições.

Quando estabelecemos contato com outras pessoas e decidimos fazer parte  daquele grupo, começamos  a receber  influências das pessoas e do grupo e a influenciá-los. São as normas construídas, conscientemente ou não, no e pelo grupo, que definem quais comportamentos são adequados, quais os inaceitáveis, o ritmo em que as tarefas devem ser feitas,  os códigos de comunicação, a forma de cumprimentos entre os membros do grupo, etc. Se quisermos continuar a pertencer, precisaremos aceitar a forma como o grupo funciona, ou seja, viver de acordo com suas normas. Ou revê-las. E elas podem e devem ser revistas por meio do diálogo, a fim de propiciar experiências renovadas e dessa forma, crescimento para as partes em relação no grupo e para o grupo.

Amado e Guitet (1982 pg. 121), afirmam que o grupo é o local privilegiado onde todos os processos de influência se encontram, tanto aquelas oriundas das instituições às quais o grupo pertence, quanto aquelas geradas a partir do próprio funcionamento grupal.

Você já identificou as normas  comuns aos seus grupos de convivência? Quais as que você concorda e quais as que você se submete para pertencer? Como você lida em seus grupos de referencia ante normas obsoletas ou que considere incomodas?

Mauro Nogueira de Oliveira
09/2009



REFERÊNCIAS
BERGER, P. & LUCKMANN, T., A Construção Social da Realidade. Vozes. Petrópolis, 1985
AMADO, G. & GUITTET, A., A Dinâmica da Comunicação nos Grupos. Zahar. RJ, 1982.






Gregariedade

Gregariedade

Gregários que somos, precisamos experimentar o sentimento de pertencer a um grupo e, para isso, negociamos com os outros, consciente e/ou inconscientemente, possibilidades e limites com esse fim. Esse movimento acontece desde o início de nossa história, ao  serem forjados e “escolhermos” os papéis que desempenharemos no ambiente familiar, o que serve de aprendizado para, futuramente, serem exportados para outros grupos.

Falando de papéis, não podemos deixar de examinar suas possibilidades de realização nas relações:
os papéis desejados por nós;
aqueles desejados pelo grupo e
os papéis que desempenhamos.

Quando experimentamos papéis que são, ao mesmo tempo, desejados por nós e esperados pelo grupo, o confortável sentimento de pertencer nos remete ao prazer.

Ao experimentarmos papéis que são desejados por nós, mas não esperados pelo grupo, o sentimento de pertencer é frágil e ameaçado pelo risco eminente da exclusão.

Possibilidades se apresentam como resolução desse impasse:
- acomodar-se ao que o grupo espera para continuar pertencendo, o que gera frustração e dor nas relações em suas mais variadas manifestações;
- entrar em choque com o grupo e conosco mesmos, por estarmos frustrando expectativas de quem gostaríamos de agradar e, sem dúvida, nessas circunstancias, nossa possibilidade de prazer diminui e quase escasseia ou,
- negociar no grupo desejos, expectativas e necessidades, buscando possibilidades de novas configurações nas relações, que resultem em mais satisfação para as partes e para o grupo.

Podemos experimentar ainda, papéis que são, ao mesmo tempo, não desejados por nós e não esperados pelo grupo. Nessa situação, a motivação para permanecer no grupo inexiste, a não ser quando da  necessidade neurótica de manutenção  do sofrimento.

Essas são situações complexas que nos demandam escolhas cotidianamente.

Assumir decisões e atitudes que nos remetam a um maior espaço de movimentação nos grupos aos quais pertencemos, resulta do aprofundamento da consciência de que ser gregário, não significa necessariamente submeter-se, negar-se.

trecho do artigo “Gregariedade”, de Mauro Nogueira de Oliveira



Fronteiras

Fronteiras

Com  Kurt Lewin, psicólogo social alemão (1890 -1947) aprendi  a importância da geografia de  nossas vidas. Para ele o comportamento e o desenvolvimento de uma pessoa dependem da relação desta com seu meio físico, geográfico e cultural. Portanto, para compreender ou prever um comportamento, a pessoa e seu meio precisariam ser olhados como uma constelação de fatores interdependentes, num espaço de vida relacional.

Esta compreensão me remete a pensar na infância e adolescência.

Lembro da minha infância. Minha noção de mundo quando criança era obtida através de revistas e ouvindo rádio. Morava em Jaguari, uma cidade do interior do Rio Grande do Sul, com cinco mil habitantes e era muito difícil imaginar que Porto Alegre, capital do Estado, já tinha quase um milhão de habitantes. E que São Paulo, na época, já tinha mais de três milhões. Como seria isso possível? Para mim, Jaguari já era tão grande. Como poderia haver espaço para tanta gente? E olha que eu não era mal informado, estava com doze anos de idade nessa época e já pensava demais. Mas, só podia pensar o mundo com as informações as quais tinha acesso. O resto era fantasia.

Vivia em uma época, em que não havia muitas dúvidas: os adultos  nos ensinavam todas as suas certezas com muita certeza!

Algumas dessas certezas nos diziam como agir, como ser, como fazer em relação ao mundo, em relação aos outros e em relação a nós mesmos. O ensinamento severo dessas fronteiras rígidas era, na maioria das vezes, significado por eles como expressão de amor e proteção.

A rigidez das fronteiras servia como estímulo para o jovem querer sair do ambiente controlador, quer fosse através da busca de estudar  na Capital, de conseguir um  emprego, casar... ações que acenavam como possibilidade de ter mais liberdade, ampliar o espaço de movimento de vida, criar novos espaços geográficos e, consequentemente, novos espaços psicológicos.

Sair do ambiente controlador, contudo, não significava de forma alguma que as fronteiras deixassem de existir. Não se extinguiam até porque  estavam internalizadas. E porque precisávamos delas. Essas fronteiras nos davam a sensação de pertencimento à família e a outros grupos importantes, nos situavam em um determinado espaço geográfico e permitiam que frequentássemos  espaços sociais correspondentes. Significavam também que estávamos sendo cuidados.

Insatisfeitos com elas procurávamos rompê-las através de um "salto" social  educacional e/ou profissional.

Um dos aprendizados que aquele ambiente controlador nos trouxe , foi o de que deveríamos ser mais amigos de nossos filhos do que nossos pais foram. Na busca de encontrar  essa condição terminamos por nos tornar mais parceiros, do que pais de nossos filhos. Parceiros não colocam limites, não frustram, apoiam, estimulam e, parceiros mais velhos ainda protegem.

Isso tem resultado em que, as fronteiras que nos serviram de catapultas, de obstáculos a serem superados e que nos ensinaram a fazer escolhas, começassem a deixar de cumprir estas funções.

Na busca de flexibilizar, afrouxamos.

Não quero generalizar. Há pais que, mesmo correndo o risco de serem vistos como “caretas” por seus filhos, não deixam de estabelecer  fronteiras saudáveis, protetoras das relações consigo, com os outros  e com o mundo e, que são ao mesmo tempo, estimulantes.

Refiro-me a outros que, movidos pela melhor das intenções, se perderam no estabelecimento de limites.

O momento mundial é de queda de fronteiras geográficas, noção de mundo transformando-se com uma enorme celeridade, economicamente os mercados se tornando Comuns, o dinheiro começando a ser Comum e um volume de informações impossível de ser processado por uma pessoa. Em contrapartida e paradoxalmente, temos a queda das certezas e uma inundação de dúvidas, na proporção em que a quantidade de informações aumenta.

Compreendo esse trânsito de fronteiras rígidas para fronteiras difusas,  como uma  busca humana da aprendizagem de delinear  fronteiras nítidas, claras e permeáveis, nas suas macro e micro relações, de acordo com as circunstâncias. A falta de clareza nesses limites,  que nos deixa confusos e inseguros afetiva e socialmente, se expressa em todas as formas de relações sociais, das político-econômicas às familiares e amorosas.

Dado ao desejo de todos de participação como protagonista dessa construção de fronteiras claras e justas, nada mais nos resta do que investir nessa aprendizagem, a fim de que sejamos mais felizes em nossas relações no mundo.

E isso só se conquista com o exercício do diálogo, com investimento na resolução de conflitos entre posições diferentes e na negociação.

Mauro Nogueira de Oliveira
08/2008

Espaço geografico e espaço psicossocial

Espaço Geográfico e Espaço Psicossocial

Consideremos espaço geográfico como o espaço físico de convivência de um grupo e espaço psicossocial, o espaço da vida relacional de um grupo. Um não existe sem o outro.

Vejamos: um homem e uma mulher encontram-se, apaixonam-se e decidem morar juntos. Escolhem conviver num mesmo espaço geográfico.

Essa decisão dará início à constituição de um grupo que  influenciará gerações futuras, se vierem a existir.

Os parceiros levam para a formação de um novo casal, suas histórias individuais na família, o funcionamento desse grupo de origem, sua cultura, suas regras de comportamento e hábitos, dos mais simples até os mais complexos.

A partir da decisão de viverem juntos, a escolha do espaço físico e do como este casal o ocupará, será resultado de uma negociação ou da não negociação.

Por exemplo. Tradicionalmente concebemos o ambiente doméstico como sendo espaço da mulher. Hoje, em função das mudanças, cada vez mais o homem começa a vê-lo como seu espaço também.

Como será a distribuição dos móveis na casa? Que tipo de móveis usaremos?

Cada vez mais, homens vem se envolvendo com prazer em funções culinárias. Isso influencia sobre a decisão da organização da cozinha? Ou a parceira entende que o território é somente dela? Ou ainda, os dois delegam o espaço para uma cozinheira?

E já na convivência a cena das refeições: Qual lugar na mesa será ocupado pelos parceiros? Homem na cabeceira? Mulher à direita ou à esquerda?  A mesa será redonda? Terão lugares fixos? As refeições poderão ser feitas em frente à televisão?

Há um horário acordado para as refeições ou cada um faz a sua quando chegar em casa? O momento da refeição é de conversas espontâneas ou é um momento sério, de recolhimento? É falta grave não estar presente em uma refeição?

Como é tomada a decisão sobre qual lado dormir na cama do casal? É pela facilidade de acesso ao banheiro? É por uma imagem registrada anteriormente sobre qual o lado em que o pai dormia e qual o lado da mãe? O lugar da cama é decidido para criar mais espaço para o berço do nenê que chegou ou está sendo esperado?

Como isso se dá na família de origem do homem e na da mulher? Há mais semelhanças ou mais diferenças nesses hábitos?

Se não houver uma negociação a respeito destes temas e de outros muitos, tanto o homem quanto a mulher entram na relação levando expectativas de que as coisas continuem como são e sempre foram em seus respectivos grupos primitivos.

Se as experiências de um e do outro não tiverem sido muito diferentes, é possível que a negociação se dê em um clima mais harmonioso, mas se há expectativas de que o modelo de um prevaleça sobre o modelo de outro, a competição começará.

A construção e organização do espaço físico e a negociação sobre sua ocupação, faz parte de uma contratação maior e mais profunda que é a contratação do delineamento do espaço psicossocial de cada um e do casal. Isso definirá a forma como cada um dos parceiros se movimentará na relação.

Uma boa negociação resultará sempre numa boa parceria, às vezes complementar.

Se a cultura da família do homem for “homem manda, mulher obedece” e, se a cultura da família da mulher for “mulher obedece e homem manda” este casal tem uma altíssima probabilidade de "ser feliz para sempre", apesar do ressentimento contido da mulher. É possível arriscar a hipótese de que ambos tenham se buscado, mesmo que inconscientemente, para dar continuidade a esta cultura. É aparentemente bem mais fácil assim, pois cada um transitará em terreno já conhecido, o que quase não exigirá negociação, pois já estavam “combinados” antes mesmo de se conhecerem.

No entanto, se estas diferenças culturais forem grandes, quanto mais o casal disponibilizar tempo para o diálogo a respeito dessas diferenças, investindo na construção da sua síntese, mais o delineamento do espaço psicossocial resultará em liberdade para ambos e satisfação para o casal.

Muitas diferenças podem influenciar na construção deste espaço geográfico / psicossocial: a diferença de idade entre os membros do casal, de formação educacional, de regiões geográficas de nascimento e formação, crenças religiosas e ideológicas, etc.

É este pequeno nascente grupo que criará o ambiente relacional que recepcionará os filhos no aprendizado da convivência em grupo.

Mauro Nogueira de Oliveira
08/2006

A família e o traçado de fronteiras relacionais

A família e o traçado de fronteiras relacionais

Durante a gravidez de um novo casal é possível acontecer grandes conversas entre a mãe e o filho em formação, entre o pai e esse novo ser e entre marido e mulher, a respeito da forma como educarão a criança, do que cada um espera que o filho seja, sobre o que farão para que ele cresça saudável, sobre os planos para que seja bem sucedido e por ai afora. Desta forma se engendram as possibilidades de papéis que serão oferecidas ao novo membro da família, para que ele ocupe o seu espaço no grupo.

Como esses diálogos, na maioria das vezes, ocorrem num clima amoroso, fica difícil aceitar que possa estar acontecendo naquele momento, algum tipo de delegação além de uma definição antecipada da fronteira que permitirá o espaço de movimentação de um outro ser na relação grupal.

Este pequeno grupo em processo de constituição, que faz parte de um outro grupo maior - o grupo composto pela família de origem do homem - e de outro – composto pela família de origem da mulher, está desenhando seus contornos, definindo a fronteira que o diferenciará dos grupos originais, para se tornar autônomo, ainda que afetivamente ligado.

Ai o nenê nasce. Seria absurdo levantar a possibilidade de que a nova mãe do novo integrante da família possa experimentar sentimentos contraditórios em relação a sua própria mãe?

Se a relação mãe e filha não foi construída de uma forma que permita autonomia, poderá haver por parte da filha / nova-mãe, uma sensação de estar sendo invadida em seu espaço, ainda mais se a mãe tende a assumir papéis que denotam “eu sei e você precisa aprender comigo”

Também seria absurdo levantarmos a possibilidade de que a mãe do novo-pai teça críticas à forma como estão educando seu neto?

Como o novo pequeno grupo lidará com estas “intromissões”? Demarcarão limites? Que fronteiras definirão? Claras? -“o que cabe e a quem cabe?”. Rígidas? - “na nossa casa não admitiremos opinião de ninguém” - ou Difusas? - “deixemos que eles façam o que quiserem senão ficarão chateados e não quero me sentir culpado (a) por isso, muito menos me sentir excluído(a) por punição ao decepcioná-los”.

Segunda gravidez. Mais uma posição terá que ser criada naquele pequeno grupo e o mesmo espaço relacional precisará ser redistribuído. Pai e primeiro filho podem formar uma aliança para se proteger daquele que é sentido como mais um invasor pelo pai e de um usurpador de seu lugar, pelo filho.

Como dois corpos não podem ocupar o mesmo lugar no espaço ao mesmo tempo, é provável que ao nascer, o segundo filho inconscientemente, busque o exercício de papéis diferentes daqueles que o primeiro já desempenhava, pois ter espaço neste grupo lhe é vital. As conversas que aconteceram quando da gravidez de seu irmão mais velho, também aconteceram com ele, provavelmente num outro tom e é possível que nelas lhe tenham dito, o quanto gostariam que fosse diferente do irmão.

Novamente, as culturas que atravessaram as gerações que  originaram aquele pequeno grupo e que o permeiam, vão determinar a forma da negociação de espaços, tanto na nova família, quanto desta com o grande grupo familiar.

É neste pequeno / grande grupo, portanto que cada um de nós inicia a aprendizagem de nos incluir e conviver em grupo.

Os primeiros ambientes relacionais que nos influenciaram no desenho de nossos papéis e posições, vão nos acompanhar e continuar influenciando por nossa vida afora. Muito do aprendizado que gera crescimento em nossas vidas é feito a partir da ressignificação de nossas primeiras relações.

Ao sair para a vida, o aprendizado da criança se dará a partir do quanto será possível desempenhar nos novos grupos, os papéis  aprendidos no grupo familiar e da descoberta de novos papéis que desvendem capacidades que estavam antes adormecidas, enquanto ela buscava de todas as formas garantir seu espaço na família.

Como estamos nos relacionando com as posições que ora ocupamos em nossos grupos?  Quais nossos papeis mais frequentes? Ainda ocupamos apenas os papéis que aprendemos em nossa família de origem?  Descobrimos papeis que acordaram em nós outras possibilidades de estar no mundo? Como está nossa habilidade em definir fronteiras e em administrá-las?

Mauro Nogueira de Oliveira
08/2005

A dimensão grupal da sala de aula

A dimensão grupal da sala de aula.

A sala de aula é um riquíssimo espaço de grupalidade. Nela identificamos diversas manifestações que retratam a vida de um grupo.

Considero que um grupo existe quando ocorre simultaneamente o seguinte: pessoas; a possibilidade do contato face a face entre elas (“eu vejo todos e sou visto por todos”); num espaço comum de convivência (a sala de aula); envolvidas em uma tarefa comum (o processo ensino/aprendizagem); por um período determinado de tempo (o período de uma disciplina, do turno, etc.)

Referindo-se à estrutura grupal, Cartwright e Zander(1975)  destacam que o grupo se organiza a partir de categorias tais como posições, papéis, normas e objetivos.

Na sala de aula identificam-se posições claras: professor e alunos. Em algumas existe uma outra posição que é a do líder da classe ou representante de turma.

Essas posições determinam o status de seus ocupantes. O professor tem mais status que os alunos e dentre os alunos, o líder da classe tem mais status que seus colegas e menos que o professor.

Num espaço relacional, quanto mais claras e definidas (e não rígidas) forem as fronteiras entre as posições, mais  contribuirão para uma boa operação grupal. Por fronteiras entenda-se tudo o que diz respeito a regras, atribuições e limites, que norteiam a movimentação da relação no espaço.

Os papéis qualificam as posições. Referem-se à forma como essas são desempenhadas. Definem o como acontece a ocupação de espaços pelos membros do grupo, no grupo. Por exemplo: “aluno obediente”, “professor exigente”, “aluno desinteressado”, “professor camarada”, etc.

Quanto mais papéis forem desempenhados pela pessoa que ocupa uma determinada posição, maior movimentação ela terá dentro do espaço grupal. Movimentação no sentido de conectar-se, relacionar-se com outros.

E, do contrário, quanto menos papéis desempenhados, mais imagens cristalizadas e menor será a mobilidade da pessoa que ocupa a posição.

Há membros do grupo da sala de aula que circulam por todas as “tribos”, como os considerados “populares” e há os que congelam em um determinado papel (como o “mau aluno”, o “aluno nerd retraído”, o “professor bonzinho”), a tal ponto de tornarem-se previsíveis aos demais.

Normas do grupo existem para contribuir com a definição de fronteiras entre as posições. Mais importante que elas próprias é principalmente, a forma como são criadas e estabelecidas.

Se impostas de maneira autoritária, é provável que estimulem uma reação de contra-controle.

Se construídas a partir da negociação entre os membros do grupo, tendem a ser percebidas como protetoras da relação, estimulam a responsabilidade e em função disso, a probabilidade maior é de que provoquem comportamentos cooperativos. Em especial quando existe a permissão para serem avaliadas e reavaliadas, sempre que do grupo emerja essa necessidade.

Uma dificuldade dos educadores nesse âmbito é que, em nossa cultura, fomos educados a somente seguir normas estabelecidas por outros.   Os frequentes comportamentos reativos de membros se originam comumente do desejo frustrado em participar como protagonista nas decisões.

Se não aprendemos a construir normas dialogicamente, consequentemente não nos comprometemos a respeitá-las. Aprendemos a obedecê-las. Ou até a fingir que o fazemos. Isso está mais próximo da submissão e até do cinismo, do que da cooperação e da responsabilidade.

Cada grupo tem seu objetivo, o que não necessariamente coincide com os objetivos individuais dos seus membros. É possível que o membro do grupo se inclua e assuma o objetivo grupal, apenas para poder alcançar seus objetivos individuais. Exemplo: o objetivo de um grupo que está em sala de aula é aprender os conteúdos das disciplinas; seus participantes, no entanto, podem ter outros como: aprender para satisfazer seu desejo, para ser reconhecido pelos pais e pelos outros, simplesmente estar junto com os colegas,  apenas cumprir com uma exigência familiar e comunitária, etc.

Quando os objetivos grupais e individuais se complementam, a operação do grupo estará mais próxima da harmonia. Quando do contrário, esses objetivos competem, o desprazer na relação é presente e os resultados são afetados negativamente.

Esse olhar para a dimensão grupal da sala de aula, pode ser estendido para outras manifestações grupais, consideradas as suas peculiaridades: a empresa , a família, o grupo de amigos que se encontra com regularidade,  o grupo que realiza  atividades comunitárias e outras mais.

Mauro Nogueira de Oliveira
03/2009

12/06/2016

Escola, família e a educação relaccional

Escola, Família e educação relacional

Nos últimos 20 anos, a educação infantil no Brasil e no mundo foi foco de profundas reflexões no campo da legislação, da investigação pedagógica e das políticas públicas governamentais. No caso brasileiro a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB, 1996), pela primeira vez priorizou a educação infantil e os resultados disso já estão aí para serem comprovados.

Há em escolas uma preocupação e um investimento de tempo na recepção e acolhimento das crianças que conviverão, no mínimo por um ano, com a mesma professora e os mesmos coleguinhas. Um investimento para que os espaços de movimentação relacional sejam construídos e negociados.

Uma boa professora trabalha em conjunto com os pais quando identifica comportamentos que não estão ajudando a criança no aprendizado de sua socialização e quando isso acontece, mais uma oportunidade de facilitação de crescimento é oferecida ao aluno por seu contexto.

Entretanto, há uma expressão ouvida no ambiente escolar e familiar quando a criança sai da educação infantil e vai para o ensino fundamental, que diz assim: “agora terminou a brincadeira”.

Infelizmente termina mesmo. E inicia-se um período que mais contribui para o acúmulo de informações e quase nada para a educação relacional.

Mesmo que a convivência se dê num mesmo espaço geográfico, a alternância de professores dando pouca ou nenhuma importância ao que está acontecendo no processo grupal (por não saber lê-lo e não por simples descaso), atuando predominantemente como tarefeiros (dando aulas), faz com que até a absorção de informações fique comprometida.

Há então uma ocupação do mesmo espaço geográfico e não um compartilhamento do espaço psicossocial.

Se houvesse esse compartilhar, haveria troca de informações a respeito dos grupos de alunos; a respeito do impacto que cada um causa no outro; que cada professor com seu estilo provoca no grupo e nos alunos e sobre o quanto este impacto está sendo educativo ou não. Haveria dessa forma um crescimento do sistema pela aprendizagem relacional propiciada.

A dissociação entre os subsistemas que constituem a escola - direção, corpo técnico, professores, corpo de apoio -, consequência da ausência de negociação de seus espaços relacionais no sistema, contribui mais ainda para que o ambiente, que deveria ser de acolhimento, funcione como estimulador da competição, do individualismo, da segregação e do surgimento das tribos dos iguais. Tais tribos de alunos são organizadas muito mais para defesa de seus espaços psicossociais, do que por identificação afetiva.

Neste sentido o ensino superior não é diferente. A reforma do ensino universitário na década de 70, ao que parece, foi muito bem recebida pelos professores, pois não precisariam mais lidar com grupos. A partir do sistema de créditos cada aluno viria a conviver com no máximo cinco colegas de forma mais próxima e dificilmente ao mesmo tempo. Em sala de aula passou a haver um aglomerado de alunos, um professor que ditava informações e muito pouca relação entre essas pessoas.

É raro encontrar um currículo escolar que reserve tempo para a integração entre os participantes deste sistema: alunos e educadores (aí compreendidos todos os atores: direção, pais, professores, técnicos, apoio, etc).

O espaço geográfico da escola é um excelente lugar para o encontro comunitário, ainda não aproveitado em seu potencial e, por vezes até dilapidado. Por que será?
Quantas vezes se ouviram educadores referindo-se a um grupo de alunos como muito difícil para trabalhar.

Existem grupos difíceis? Poderiam ser participantes que convivem num espaço comum, durante um determinado tempo e que estão em busca de uma forma de ocupar o seu lugar de valor?  Com fome de ser significativo no grupo maior?

Muitos conflitos entre escola e família acontecem em razão deste choque. Famílias que buscaram acolher bem seus novos membros e os ajudaram a construir espaços de movimentação com  participação, encontram dificuldades ao colocar os filhos numa escola onde as regras são muito diferentes, construídas de forma pouco participativa e às vezes até contrárias às suas expectativas. A família espera que a caminhada de seu filho em sua socialização seja feita da forma o mais progressiva possível e o que acontece é uma possibilidade de retrocesso. Possibilidade de retrocesso porque qualquer criança tem o desejo de ser incluída e, se necessário, no ambiente da escola, assumirá comportamentos incômodos que garantam a sua inclusão. Comportamentos que podem ser bem diferentes daqueles esperados pela escola e por sua família.

Por outro lado, famílias que tiveram dificuldades na construção de espaços relacionais que propiciem saúde, culpam a escola por esta não conseguir que seus filhos assumam comportamentos para os quais não foram iniciados no ambiente familiar.

Não é possível o isolamento entre essas instituições. Os dois sistemas precisam conversar entre si como aliados em seu saber e em seu não saber. E, o mais importante: estes sistemas contribuirão para a educação de crianças e jovens se experimentarem, além do conversar entre si, dialogar internamente, exercitando a tarefa complexa de negociar seus espaços relacionais. Para isso precisa ser privilegiado um tempo e principalmente, a decisão de mudar. E vejo como primeiro passo o eliminar culpados.

Mauro Nogueira de Oliveira