03/11/2016

A Janela Johari: um esquema que representa o grau de lucidez nas relações interpessoais

Introdução à Dinâmica de Grupos
Joseph Luft
Morais Editores, Lisboa 1970

Neste capítulo, Luft nos presenteia com uma percepção da dinâmica de um grupo através da Janela de Johari, da qual foi um dos criadores.

Capítulo III

A “Janela Johari”: um esquema que representa o grau de lucidez nas relações interpessoais.

Como a descuidada centopeia, muitas pessoas tiram-se muito bem das suas dificuldades no trabalho com os outros, sem nunca se interrogarem com que pé hão de avançar. Mas quando as dificuldades surgem,  quando os métodos habituais são ineficazes, quando desejamos aprender mais,  não podemos deixar de examinar o nosso comportamento em relação aos outros.  O que – entre outras coisas – complica a tarefa é a dificuldade de encontrar o modo apropriado de refletir nestes problemas, sobretudo para aqueles que não tem formação em ciências sociais.

Quando Ingham e Luft apresentaram pela primeira vez a “Janela Johari”, que ilustra as relações interpessoais segundo o respectivo grau de lucidez,  ficaram surpreendidos ao verificar que muitos não-profissionais, tal como os universitários,  utilizavam e se inspiravam neste esquema.  Parece que ele se presta,  enquanto dispositivo heurístico (atitude interrogativa, útil no esforço da descoberta,  científica ou não), a uma melhor compreensão das relações humanas.  É fácil representar visualmente os quatro quadrantes que compõem a Janela Johari.

Quadrante I, a área de atividade livre,  aplica-se aos comportamentos e às modificações que são conhecidas pelo próprio e pelos outros.

Quadrante II, a área cega,  onde os outros podem ver em nós coisas que ignoramos.

Quadrante III, a área evitada ou secreta,  representa o que sabemos mas não revelamos aos outros (por exemplo, um projeto secreto ou assuntos acerca dos quais somos particularmente sensiveis).

Quadrante IV, área de atividade desconhecida. Nem o indivíduo nem os outros são consciente de determinados comportamentos ou motivações.  Podemos,  contudo,  supor a sua existência porque com o tempo,  alguns deles vem a superfície a apercebemo-nos,  então, que estes comportamentos e motivações escondidos influenciavam as relações desde o início.

Num grupo recentemente constituído, o Quadrante I é muito pequeno; há pouca interação livre e espontânea. À medida que o grupo se desenvolve e amadurece,  o Quadrante  cresce proporcionalmente, o que, habitualmente,  quer dizer que somos mais livres de ser nós mesmos e de ver os outros tais quais eles são verdadeiramente. O Quadrante III torna-se mais estreito à medida que o Quadrante I se alarga.

Achamos menos necessário esconder ou negar o que sabemos  ou sentimos. Numa atmosfera de crescente confiança recíproca, há menos necessidade de esconder os pensamentos e os sentimentos pertinentes. O Quadrante II leva muito mais tempo a reduzir-se porque ordinariamente, há boas razões,  de origem psicológica, para a nossa recusa em ver o que sentimos ou fazemos.

O Quadrante IV muda um pouco durante o período de formação em laboratório, mas pode presumir-se que a mudança se produz ainda mais lentamente aqui do que no Quadrante II. Em todo o caso,  o Quadrante IV tem, indubitavelmente,  mais amplitude e muito mais influência nas relações do indivíduo do que o mostra o esquema proposto.

Pode-se aplicar a Janela Johari às relações “intergrupo”.

O Quadrante I designa os comportamentos e as motivações conhecidas do grupo e, também,  de outros grupos. O Quadrante II representa uma área de comportamento à qual o grupo é cego,  mas de que outros estão conscientes, por exemplo,  o espírito de capela (“cultismo”) ou o preconceito.  O Quadrante IIII,  a área secreta, refere-se ao que o grupo sabe de si próprio mas não desvenda aos outros grupos. O Quadrante  IV, a área desconhecida,  indica que um grupo ignora certos aspectos do seu próprio comportamento,  ignorados também pelos outros grupos.  Ulteriormente, quando o grupo adquire novos conhecimentos acerca de si próprio,  há uma redução do Quadrante IV em proveito de um dos outros quadrantes.

Princípios da mudança que a Janela sofre por inteiro:

A) Uma mudança em qualquer Quadrante afetará todos os outros.
B) O fato de esconder, negar ou de não ver o comportamento que se manifesta no decurso da interação exige um dispêndio de energia.
C) A insegurança tende a diminuir a lucidez; a confiança recíproca,  a aumenta-la.
D) A tomada de consciência forçada (a revelação desejável e revela-se habitualmente ineficaz.
E) A aprendizagem da relação Interpessoal opera uma mudança que tem como consequência a extensão do Quadrante I é a diminuição de um ou vários dos outros quadrantes.
F) O trabalho coletivo é facilitado por uma área de atividade livre suficientemente extensa.  Isso significa que os recursos e as competências dos membros podem consagrar-se mais plenamente ao trabalho em curso.
G) Quanto mais o primeiro Quadrante é pequeno,  mais a comunicação é má.
H) Existe uma curiosidade universalmente espalhada acerca da área desconhecida, mas os costumes,  a aprendizagem social e receios diversos não deixam desenvolver está curiosidade.
I) A sensibilidade significa tomar em consideração os aspectos velados do comportamento, nos Quadrantes II, III, IV, e respeitar o desejo de o outro os manter assim.
J) A aprendizagem dos processos de grupo, tais quais estão a ser experimentados,  contribui para um aumento da lucidez (Quadrante I maior) do grupo na sua totalidade,  assim como da de cada um dos indivíduos que o constituem.
K) A escala de valores de um grupo e o sentimento de pertença dos seus membros podem ser avaliados pelo modo como são enfrentadas as incógnitas da vida do grupo.
L) Uma centopeia talvez seja perfeitamente feliz sem ter consciência do que faz; mas, no fim de contas,  limita-se a rastejar sobre pedras.

Familiarizado com este esquema, cada membro do grupo pode aprender a utilizá-lo para chegar a uma compreensão mais clara dos acontecimentos significativos produzidos no Grupo.

Por outro lado, este plano é suficientemente largo e vago para ter um valor heurístico,  fazendo nascer novas maneiras de identificar a elaborar os Problemas.

Daremos a seguir várias ilustrações das diferentes espécies de comportamento “intergrupo” e “intragrupo”.

Os objetivos de um Laboratório de Dinâmica de grupo

Podemos utilizar este esquema para ilustrar um dos objetivos de conjunto do laboratório, a saber,  a extensão da área de atividade livre no Quadrante I, para que uma maior quantidade de relações no seio do grupo sejam livres e francas.  Segue-se, pois,  que o trabalho do laboratório consiste em aumentar a extensão do Quadrante I reduzindo, ao mesmo tempo, o lugar ocupado pelos Quadrantes II, III e IV. A mais forte redução afetará em primeiro lugar o Quadrante III e, em sseguida,  o Quadrante II. A redução mais fraca intervirá no Quadrante IV.

Uma maior área de atividade livre nos membros do grupo causará, automaticamente,  menos apreensão ou temor e uma maior possibilidade de consagrar as competências e os recursos dos membros ao trabalho propriamente dito do grupo.

Isso implica uma maior receptividade à informação,  às opiniões e às ideias novas,  seja em si próprio,  seja em referência aos processos específicos de grupo.  A redução da área secreta ou evitada,  isto é, do Quadrante III, implica uma menor mobilização de energia para a defesa deste território.  Uma vez que uma maior número das necessidades do iindivíduo podem encontrar expressão, há mais probabilidades de que ele esteja satisfeito com o seu trabalho e que participe plenamente nas atividades do grupo.

A primeira etapa da interação de grupo

Se aplicarmos o nosso esquema a uma reunião representativa dos Grupos em geral, podemos ver que a interação é relativamente superficial,  que a ansiedade ou apreensão é bastante grande, que a Reciprocidade é  afetada e privada de Espontaneidade.  Podemos também observar que ordinariamente,  não se dá seguimento às ideias e sugestões e que os indivíduos parecem ver e entender relativamente pouco do que na realidade se passa.

O modelo pode representar fenômenos de intergrupo, tal como fenômenos de intragrupo.

Pode considerar-se o grupo como uma entidade ou unidade. Cattel, por exemplo,  utiliza a palavra “sintalidade” para designar no Grupo uma qualidade análoga à personalidade de um indivíduo.  Lewin concebe o grupo como um campo organizado de Forças,  um todo dotado de estrutura própria.  Dentro deste esquema,  um grupo pode ter com outros grupos relações semelhantes às existentes entre os indivíduos . Por exemplo, o Quadrante I representa os comportamentos e motivações de um grupo que são conhecidos pelos membros do grupo e também pelos de outros grupos. Os participantes de um seminário universitário,  por exemplo,  podem partilhar com outros setores da universidade certas informações e atitudes relativamente à esse seminario: Os conhecimentos previamente requeridos para seguir o curso,  o programa do seminário ou a quantidade de trabalho que decidem realizar.  Contudo,  muitas coisas acontecem durante um seminário que são conhecidas dos membros,  mas não de grupos estranhos (Quadrante III).

Poder-se-ia ilustrar a zona do comportamento secreto com o sentimento por parte dos estudantes de que o último seminário é muito especial ou nitidamente superior a outros cursos. Ou então, pode acontecer que sintam o curso como uma perda de tempo,  mas,  por uma razão particular,  não participam está atitude a estranhos. As vezes ainda,  pode pproduzir-se um acontecimento excepcional que não revelam a estranhos.

O Quadrante II, a área cega,  caracteriza os partidários de “cultos”, que não estão conscientes de certos aspectos do próprio comportamento,  enquanto as pessoas de fora parecem capazes de discernir estas atitudes fanáticas. O Ou ainda,  as vezes,  os preconceitos de um grupo são perfeitamente visíveis aos estranhos, mas não aos próprios membros do grupo.

O Quadrante IV, poderia aplicar-se às atitudes e aos comportamentos que existem no Grupo, mas que,  por uma ou outra razão,  são ignorados pelo grupo.  Como exemplo,  poder-se-ia tomar um problema não resolvido acerca dos objetivos globais do grupo. Se o grupo estiver secretamente dividido e certos membros quiserem tomar direções diferentes -   e se este fato nunca tiver sido reconhecido nem exposto à luz do dia -  poderemos então assistir ao aparecimento de dificuldades que continuavam ignoradas pelos membros do grupo, bem como pelos membros de outros grupos.

Por exemplo, numa grande empresa científica,  os físicos e os engenheiros tinham muitas dificuldades com os mecânicos. Só ao fim de um longo período de investigação se esclareceu que as diferenças de está tudo é privilégio produziam sentimentos hostis entre os diferentes grupos,  cujos membros não tinham consciência da amplitude deste problema.