23/04/2015

Osvaldo Saidon, ao mesmo tempo que traz uma visão bem detalhada (ao estilo rogeriano) da filosofia de Carl Roger, traz uma crítica consistente.



PRÁTICAS GRUPAIS - OS GRUPOS DE ENCONTRO
Osvaldo Saidon et al.
Práticas Grupais, Editora Campus, Rio de Janeiro, 1983
 
Na proposta teórica de Rogers, encontram-se influências com origem em sua vida pessoal, que o próprio autor considera significativas. Assim, o Protestantismo, religião familiar, que o autor diz abandonar para interessar-se por enfoques religiosos mais modernos, e menos austeros e conservadores, é uma das influências. O estudo das Ciências Físicas e Biológicas e da História, também. Tendo conhecido Dewey e Kilpatrick, foi com Hollingworth que Rogers conhecer a Psicologia, sob um enfoque humanista. Rogers observa que se incompatibilizou com o que chama "espírito especulativo" freudiano e "concepções estatísticas" de Thorndike. Rogers assinala a grande influência de Otto Rank, em oposição ao que considera formulações dogmáticas, que encontrou em outros discípulos de Freud. Cita ainda Cartwright e Maslow como autores que o influenciaram.

Os postulados que definem sua proposta são:

1) Tendência atualizante: todo organismo tem a tendência inata a desenvolver suas potencialidades;

2) Tendência à atualização do eu: segundo o desenvolvimento da estrutura do eu, essa tendência se expressa na atualização de parte da experiência do organismo que está simbolizada no eu. Quando há acordo entre o organismo e o eu (e respectivas experiências), a tendência opera de modo unificado);

3) Experiência: é tudo que engloba o que sucede no organismo e que está potencialmente disponível para a consciência;

4) Experimentar: recepção pelo organismo da repercussão dos fatos sensoriais ou fisiológicos; 

5) Representação, simbolização, consciência (termos sinônimos): a consciência é a simbolização de parte de nossa experiência;

6) Disponibilidade para a consciência: quando a experiência pode simbolizar livremente, sem negação defensiva nem distorção;

7) Simbolização correta: reconhecimento de que toda percepção é de natureza transacional, ou seja, uma construção que surge de nossa experiência passada e também como uma hipótese para o futuro;

8) Perceber, percepção: hipótese que emerge à consciência como reação a estímulos que incidem sobre o organismo;

9) Subcepção: quando um sujeito é incapaz de realização discriminações conscientes, mas as faz em níveis inferiores ao nível requerido para a representação consciente;

10) Experiência do eu: todo fato de campo fenomênico discriminado pelo indivíduo e que se discrimina como eu (self);

11) Eu, conceito do eu, estrutura do eu: estes termos se referem à Gestalt conceitual composta de percepções das características do eu e das percepções das relações do eu;

12) Eu ideal: conceito do eu que o indivíduo desejaria possuir;

13) Incongruência entre o eu e a experiência: quando o sujeito se encontra nesse estado, está exposto à tensão e confusão interior. O conceito refere-se à não-simbolização adequada;

14) Vulnerabilidade: perigo de desorganização psíquica, quando há incongruência entre o eu e a experiência;

15) Angústia: estado de incômodo ou tensão com causa ignorada. Incongruência entre o eu e a experiência;

16) Ameaça: quando o indivíduo se dá contra ou prevê que uma experiência é incongruente com sua estrutura do eu;

17) Inadaptação psicológica: quando o organismo se nega a conscientizar certas experiências (ou as distorce);

18) Defesa e estado de defesa: reação comportamental do organismo à ameaça. Tem como objetivo manter a estrutura habitual do eu;

19) Distorção, negação do acesso à consciência: material incongruente com o conceito do eu. O organismo reage produzindo uma distorção para preserva a ameaça à estrutura do eu;

20) Rigidez perceptiva: se a pessoa se impressiona de forma rígida, tem a tendência a considerar a experiência em termos absolutos, a generalizar excessivamente;

21) Estado de congruência entre o eu e a experiência: simbolização adequada;

22) Abertura à experiência: polo oposto à atitude de defesa. Qualquer estímulo é transmitido livremente sem que nenhuma defesa o distorça ou interrompa;

23) Adaptação psicológica: a estrutura do ego permite a integração simbólica da totalidade da experiência;

24) Percepção discriminativa: tendência a considerar a experiência em termos delimitados e diferenciados;

25) Maturação: percepção realista e discriminativa, valorativa de si mesmo e dos outros;

26) Contato: quando o sujeito está em relação com o outro e cada um afeta o campo experiencial do outro de forma perceptível ou subliminar;

27) Consideração positiva: quando a experiência do outro modifica positivamente o campo experiencial do sujeito (afeto, carinho, aceitação);

28) Necessidade de consideração positiva: necessidade secundária ou adquirida;

29) Consideração positiva incondicional: se as experiências do outro são recebidas pelo sujeito com consideração positiva, este experimenta uma consideração positiva incondicional para com o outro;

30) Complexo de consideração: configuração de experiências relativas ao eu, que para o sujeito implica uma atitude de consideração positiva de alguém para si próprio;

31) Consideração positiva de si mesmo: sentimento do sujeito, experimentado a partir de uma experiência e independente da consideração positiva de outros;

32) Necessidade de consideração positiva de si mesmo: necessidade secundária ou adquirida que se relaciona com a necessidade de consideração positiva dos outros;

33) Consideração incondicional de si mesmo: quando o sujeito se percebe de modo que todas as experiências parecem dignas de consideração positiva;

34) Valorização condicional: quando o sujeito busca ou evita certas experiências do eu por considerá-las mais ou menos dignas de consideração positiva;

35) Centro de valorização: fonte dos critérios aplicados pelo sujeito na valorização de sua experiência. A fonte interna refere-se ao sujeito como centro de valorização. A fonte externa, quando os outros se convertem em critérios de valores para o sujeito;

36) Processo de valorização organísmica: este conceito se refere a um processo em contínua evolução, no qual os valores nuca são fixos ou rígidos;

37) Marco de referencia interno: abarca todo o campo de experiências (percepções, sensações, significações, recordações) acessíveis à consciência do sujeito;

38) Empatia: perceber corretamente o marco de referencia interno do outro, sem perder a condição de "como se" ao colocar-se no lugar do outro;

39) Marco de referencia externo: perceber a partir de um marco de referencia interno objetivo, sem "empatizar" com a pessoa ou objeto observado.

Para Rogers, sua Teoria da Terapia e da Mudança da Personalidade é do tipo condicional. Se se dão certas condições (variáveis independentes), será produzido um processo (variável dependente) que inclui certos elementos característicos.

As condições do processo terapêutico são:

a) que duas pessoas estejam em contato;
b) que o cliente esteja em estado de incongruência, vulnerabilidade ou angústia;
c) que o terapeuta seja congruente;
d) que o terapeuta experiencie uma consideração positiva incondicional e empática frente ao marco de referencia interno do cliente
e) que o cliente perceba as condições citadas em (d).

O processo da terapia inclui ainda que o cliente possa, cada vez mais, expressar seus sentimentos, distinguir sentidos e percepções (ser mais discriminativo) e organizar suas experiências, antes distorcidas. O cliente, então, passará a viver experiências ameaçadoras com menos intensidade e os mecanismos defensivos serão menos significativos. Além disso, perceberá a si mesmo como centro de valor. A cura, portanto, inclui uma maior congruência, menos defesas, mais percepções e um desenvolvimento da "adaptação 
psicológica". Rogers considera que, deste modo, ocorre uma mudança na estrutura do eu, que se tornaria menos vulnerável, passando o "eu ideal" a ser mais realista. O aumento da congruência entre o eu e o "eu ideal" e entre o eu e a experiência produziriam uma diminuição geral da tensão, promovendo uma maior consideração positiva de si mesmo, e maior aceitação do outro. O cliente, então, se revelaria como um ser mais criativo, capaz de adaptar-se a cada situação e problema, expressar seus valores.

Para o autor, a incongruência entre o eu e a experiência ocorre devido à necessidade de consideração positiva de si mesmo e à valorização condicional a que chega a submeter-se o sujeito para atender à necessidade. As experiências contrárias à valorização condicional, então, são percebidas seletivamente, distorcidas ou negadas.

Os mecanismos de defesa, para o autor, consistem em uma percepção seletiva ou distorcida da experiência e a negação da experiência à consciência.

Para que a experiência não seja vivida ameaçadoramente, isto é, para que seja assimilada à estrutura do eu, é preciso que o sujeito se valorize, possa ter empatia. É importante, então que perceba a consideração positiva incondicional do terapeuta.

Numa relação (ou grupo), é necessário que o sujeito consinta em entrar em contato com outro, que por sua vez deverá ter um alto grau de congruência entre sua experiência como objeto de comunicação do sujeito, simbolizar essa experiência em termos de conceito de si mesmo e expressar essa experiência. Esse processo refere-se à consideração positiva reciproca, que Rogers considera como uma relação enriquecedora e que poderia ser vivida pelos sujeitos quando portadores de uma estrutura do eu adequada.

O objetivo do trabalho com grupo, portanto, resume-se assim: quando existe entre as partes um desejo mútuo de entrar em contato, quanto mais elevado seja o grau de congruência realizado pela experiência, pela percepção e pela conduta, a relação se caracterizará em maior grau por: a) uma tendência à comunicação recíproca; b) uma compreensão mútua e adequada; c) um aumento de satisfação proporcionada na relação;
d) um funcionamento melhor dos sujeitos (leis das relações interpessoais).

Sobre os enunciados propostos, Rogers dirá que é necessário desenvolver instrumentos de medição para comprovar as hipóteses dedutivas. No campo específico dos grupos, afirma que as hipóteses sobre a liderança, facilitação de aprendizagem e redução dos conflitos sociais parecem ser campos particularmente fecundos em termos de um aprofundamento teórico e de estudo.

Resumindo algumas das propostas do movimento dos Grupos de Encontro, tal como Rogers as formula em relação ao trabalho psicoterapêutico com grupos, podemos apontar os seguintes itens:

a)As experiências grupais devem ser predominantemente prolongadas e intensas, para facilitar o clima afetuoso e permissivo tão caro à ideologia de trabalho de Rogers.

b) O líder do grupo deve evitar toda manipulação. Deve ser absolutamente não-diretivo e facilitador das expressões grupais, especialmente aquelas de caráter emotivo-afetivo.

c) Deve ter sempre uma atuação "real" e espontânea. Não deve nunca mostrar uma conduta afetada em função de seu papel profissional, e sim recorrer à sua própria personalidade para enfrentar as situações.

d) A técnica de trabalho predominante do líder (que seria melhor denominado facilitador) se baseia na compreensão empática e emprega fundamentalmente o chamado "reflexo", devolução especular do próprio discurso do cliente.

Outra consideração técnica sobre a liderança, assinalada por Rogers, é a seguinte: procurar que no grupo se esclareça sempre a significação pessoal do manifesto, evitando que seja usado um dos membros ou o grupo para ocultar a própria individualidade. O líder ou facilitador do grupo deve expressar sua própria insatisfação quando considerar conveniente. O facilitador deverá se expressar fisicamente, se possível. Por exemplo,
caminhará quando estiver ansioso, inclusive terá contato físico com os clientes, se o desejar "genuinamente".
O líder deve aceitar todo tipo de comunicação, proporcionando com isso um clima de aceitação de si mesmo em cada um dos membros do grupo. Evitará de todas as formas emitir qualquer juízo de valor.

Em relação à dinâmica do Grupo de Encontro, insistirá em facilitar toda e qualquer expressão de espontaneidade, e em não programar previamente atividades e jogos que poderiam cortar o livre desenvolvimento do grupo. não há planos nem táticas terapêuticas prefixadas.

Marcelo Lerner, estudioso argentino ligado ao pensamento de Rogers, assim sintetiza o sentido dos Grupos de Encontro: "O núcleo atual dos movimentos dos Grupos de Encontro fundamenta-se em duas vertentes, or um lado a idéia original de Kurt Lewin de melhorar as relações humanas, e, por outro lado, a Terapia Centrada no Cliente, que propõe m encontro básico consigo mesmo e com o próximo."

A teoria que fundamente esta terapia - que Rogers inicialmente chamou de não-diretiva e que mais tarde denominou Terapia Centrada no Cliente - se baseia em três conceitos básicos, citados anteriormente:

a) Congruência
b) Empatia
c) Consideração positiva incondicional.

O próprio Rogers define sinteticamente estes conceitos: "Empatia é sentir o mundo interno do cliente com a significação que tem para ele, senti-lo como se fosse o próprio mundo, mas sem perder nunca a qualidade de "como se". Quanto à consideração positiva incondicional, "o terapeuta adota uma atitude cálida positiva, de aceitação a respeito do que existe em seu cliente. É um sentimento positivo em relação ao outro sem nenhuma reserva nem avaliação. Isto quer dizer que não se forma juízo algum". O conceito de congruência, talvez o mais central no pensamento de Rogers, se refere ao fato de "o terapeuta ser verdadeiramente ele mesmo na relação com seu cliente, ser autêntico, sem fachadas". É experiencialmente ele mesmo, não se nega. Quanto mais capaz demonstra ser a complexidade de seus sentimentos, sem nenhum temor, tanto mais congruente é. Isto implica a difícil tarefa de conhecer o fluxo experiencial que se propaga em si mesmo, fluxo este caracterizado muito particularmente por sua complexidade e mudança contínua.

Comentários Críticos
Como é fácil verificar, na postura de Rogers existe uma negação absoluta do conflito e da agressividade. Na medida em que Rogers não admite a existência do inconsciente e, portanto, da transferencia e da contratransferência, o terapeuta está entregue a seus próprios sentimentos mas como reconhecer estes sentimentos? Qual é o seu significado? Sabemos que tal fluxo complexo de sentimentos tem algo a ver com o inconsciente e que possui uma significação que não é imediatamente dada. Em troca "o terapeuta rogeriano
deve transmitir seus sentimentos ao cliente, se for conveniente".

A pergunta a se fazer seria: a que e a quem convém? Assim, o terapeuta não é diretivo, é benevolente, acaba possuindo a máxima autoridade de erigir-se, sem maiores fundamentos, e capaz de fazer as coisas que convêm.

O rogeriano se sente profundamente incomodado quando se vê preso de sentimentos negativos, e precisa comunicá-los rapidamente, seja para livrar-se dos mesmos, seja para realizar um dos truques mais conhecidos de sedução, que consiste em demonstrar uma sinceridade complacente. Finalmente, a negação da agressividade e os postulados otimistas do movimento de Rogers proíbem a projeção de imagens más ou hostis no terapeuta.

Esta observação foi particularmente desenvolvida pela Escola Sócio-Psicanalítica de Gerar Mendel. Uma das autoras desta corrente, Patrícia Ranjar, assinala que o surgimento e desenvolvimento da teoria rogeriana é mais um sinal da degradação da imagem paterna, assim como dos valores que ela carrega, em prol de uma espécie de subjetivismo gnoseológico. Apoiando-se na Psicanálise, critica o terapeuta rogeriano como aquele que se apresenta permanentemente como a mãe boa, fonte de inspiração e domínio do irracional, deixando de lado a imagem paterna, representante da racionalidade e da verdade.

Em Carl Rogers, segundo a mesma autora, haveria, portanto, uma descaracterização do pai e da racionalidade, e uma consequente regressão à mãe. Isto levaria ao subjetivismo absoluto, que nega a possibilidade de se conhecer a realidade, e à caracterização exclusiva do aqui-e-agora, que, ressaltando a casualidade, leva à irresponsabilidade ou a uma fantasia de liberdade ilimitada. Tudo isto estaria a serviço de ocultar as relações de poder e as lutas reivindicatórias entre os diferentes grupos.

O fenômeno do não-diretivismo ter uma enorme influência no campo da Educação, e, em nome de Rogers foi defendida uma postura antiautoritária por parte dos professores. A oposição à diretividade nos métodos pedagógicos encontrou na teoria rogeriana uma importante justificativa. A conduta qualificada de diretiva numa situação educacional é precisamente aquela que consiste em tomar uma decisão sobre o que devem fazer os educandos, contando com que esta decisão os comprometa, mas sem recorrer à força nem à ameaça, apoiando-se, portanto, no superego, em seus reflexos condicionados de submissão. A diretividade que vai ser questionada por Rogers apóia-se no sentimento de culpa, no temor de não mais ser amado pelo pai-professor, na eterna necessidade de ser amado.

Ora, a não-diretividade proposta não foi instituída numa posição claramente definida. A única definição dada é uma definição negativa, "não ser diretivo", ou não ser de certa maneira suscetível de ser diretivo. Não é uma categorização positiva de uma atitude nova, e sim uma descaracterização de atitudes do passado.

Como crítica a este procedimento, P. Ranjard, afirma que, na realidade, o professor, com a atitude chamada não-diretiva, recupera grande parte de sua segurança ameaçada. Primeiramente porque conserva a iniciativa, erigindo os alunos em iguais. Assim, escapa da frustração que implicaria não ser amado por eles e incorrendo, às vezes sem o saber, numa série de condutas sedutoras. "Pretendem frustrar-me opondo-se a meus desejos? Não conseguirão, não tenho desejos! Além de tudo, sua formação é problema deles, não
meu." Este sólido argumento permite que o professor não-diretivo não transmita o saber de que é depositário: "Não vou dizer-lhe como faço; vire-se, reflita."

A conduta assim não-diretiva, na medida em que está motivada no inconsciente do professor pela necessidade de recuperar uma segurança ameaçada, só pode ser sentida no inconsciente dos alunos como uma castração do pai. O professor-coordenador com seu silencio (em geral não responde perguntas) deixa os alunos sozinhos frente às imagens maternas projetadas no grupo, na instituição ou na sociedade global, e sua conduta se torna imprevisível, portanto onipotente e arbitrária.

Transcreveremos aqui as palavras de um professor de Sociologia que, em oposição à moda não-diretiva na Pedagogia francesa, publicou o seguinte: "Meu curso não é uma festa; não é senão um curso, e eu não sou senão um professor. É a oportunidade de analisar a ideologia dominante e a organização do sistema, inclusive mediante a denúncia da relação que mantenho com meus alunos. Não é possível destruir e construir ao mesmo tempo: minha tarefa revolucionária é dar armas, não inventar o Socialismo aqui-e-agora". A
colocação dessa polêmica sobre o papel ideológico que acaba cumprindo um determinado tipo de atitude no campo pedagógico nos parece muito ilustrativa para o tema que nos interessa.

O aprofundamento desta discussão em relação ao trabalho da coordenação de grupos, terapêuticos ou não, nos dará bases para recolocar várias das posturas que Rogers recomenda ao facilitador ou líder grupal. Se compartilhamos das críticas que transcrevemos acima, acreditamos também, que na prática da psicoterapia com grupos estas devem ser relativizadas, assinalando-se as contribuições do enfoque da Escola Rogeriana. 

Esta colocação é vista por nós fundamentalmente quanto ao fato de trazer uma visão mais humanista e igualitária das relações entre terapeuta e cliente, entre coordenador e grupo, o que possibilita o questionamento de uma série de atitudes francamente repressivas e manipuladores na prática da saúde mental.

Assim, a enorme amplitude da prática dos Grupos de Encontro, sua organização multitudinária, as experiências comunitárias e "liberalizantes" que propõem, têm, de uma forma ou de outra, uma influência entre os trabalhadores de saúde mental, o que contribui para uma atitude crítica em relação aos aspectos mais estereotipados da prática psiquiátrica e psicanalítica.

Por outro lado, uma crítica produtiva da teoria de Rogers é justificada na medida em que, dentre todas as técnicas das novas psicologias que surgiram na segunda metade deste século, é a única que tem uma fundamentação ético-filosófica. Não existe nela uma preocupação científico-epistemológica (embora nos últimos tempos Rogers faça incursões neste terreno), e sim uma tentativa de fundamentação de sua prática em torno de um corpo filosófico que, em síntese, podemos identificar com uma espécie de Existencialismo
kierkegaardiano. Este Existencialismo adaptado aos diferentes movimentos irracionalistas, que surgem como ideologia da depressão do pós-guerra, permite que Rogers seja um ideólogo capaz de captar as aspirações de setores aparentemente tão distantes como os que vão dos anarquistas radicais até setores empresariais.
A este respeito, J. Roux, em seu livro Irracionalidade em Psicologia, comenta: "o não-diretivismo, que começou com uma exaltação demagógica e simplista da liberdade do homem, acaba propondo, para o trabalho de problemas de relacionamento, o uso de receitas para "bons ouvintes" ou administradores modernos."

A influência lewiniana notada na teoria de Rogers influi diretamente em sua concepção sobre os grupos. A prática grupal se transforma numa Pedagogia, numa educação ou numa reeducação para permitir que as pessoas desenvolvam sua capacidade de "livre arbítrio", conceito ideologicamente vinculado ao Protestantismo e ao Calvinismo, tão próprios do pensamento americano. É como se os valores estivessem disponíveis para sua livre escolha, e uma certa imutabilidade social e uma permanência dos valores
permitisse uma classificação entre valores aceitáveis e não-aceitáveis.

Na realidade, a História nos mostra uma situação muito distinta, onde a adequação ou não dos valores à vida de uma coletividade é medida pelo número de transgressões às normas que estes valores impõem. A maior ou menor facilidade para a introjeção de valores sociais nos indivíduos não é, então, um mero problema pedagógico, é a expressão da relação de tais preceitos com os indivíduos do grupo num determinado momento da história deste.

Como já vimos anteriormente, esta perspectiva histórica, que guia nosso trabalho, é o caminho que nos deve levar à proposta de uma prática grupalista, assinalando constantemente a conjuntura institucional e os valores que se geram e se modificam na prática social.

O trabalho de campo, realizado através das entrevistas com alguns representantes da corrente rogeriana no Rio de Janeiro, nos permite algumas observações sobre as características deste tipo de trabalho em nosso meio.

O trabalho realizado por Rogers no Brasil se deu através da organização de encontros multitudinários, onde centenas de pessoas trabalharam com ele e colaboradores, em grandes grupos em forma de maratona, num local distante da grande cidade e rodeado de belezas naturais, a fim de favorecer o clima afetuoso e hedonista que esta escola propicia. Como produto destes encontros, que se vêm repetindo anualmente, surgiu no Rio uma organização, que poderia ser considerada a instituição rogeriana do Rio de janeiro. Esta
instituição, segundo seus diretores, não proporciona uma formação: o que realiza são os chamados grupos de treinamento. Esta posição em relação a seu trabalho formativo viria da própria Pedagogia que surge da Filosofia Rogeriana.

Já vimos que o não-diretivismo pedagógico fomentado pela escola não permitiria propor uma formação. Isto é reforçado pela própria teoria de Rogers, cuja transmissão não autorizaria uma formação realizada dentro de qualquer variante do ensino acadêmico. Segundo seu próprio autor, e os entrevistados frisaram repetidamente este ponto, esta é uma teoria inacabada, em formação, e, por suas próprias características, não-sistematizável. O treinamento consiste, portanto, predominantemente na vivência experiencial, onde o papel de aprendizagem e o terapêutico estão absolutamente ligados, e são quase uma e a mesma coisa.

Uma característica marcadamente assumida pelos representantes desta escola, e que não se repete nas demais, é um papel bastante claro em defesa de sua classe profissional de psicólogos. Chegaram, inclusive, a colocar sua instituição como uma alternativa ao poder médico na formação, e colocam um trabalho tanto psicológico como sindical em primeiro plano, com tentativa de definir e afirmar a identidade do psicólogo.

Não podemos tirar conclusões sobre a relação desta posição com a linha rogeriana de instituição. A título de hipóteses, digamos que vemos esta atitude como uma derivação ideológica do movimento que suscita a ação da prática dos Grupos de Encontro, como de outras tendências das chamadas Técnicas de Potencial Humano. A própria característica contestatória destas práticas, em relação às formas mais tradicionais e, portanto, mais medicalizantes do trabalho terapêutico, faz com que acabem por levantar questões relativas, inclusive ao campo da luta política e da luta pelo poder no campo de prática psicoterapêutica. Questionam de fato a afirmação do poder médico sobre o trabalho de outros profissionais, como psicólogos, enfermeiros, assistentes sociais etc. e a perduração da hierarquização existente na organização da saúde.

Vemos nisso um exemplo de como a realização de certas práticas, que colocam uma atitude antiintelectualista, irracionalista com predomínio do corporal em detrimento do verbal, somente pelo que isto implica de questionamento das formas mais instituídas de funcionamento, pode às vezes transformar-se num caminho para uma nova racionalidade. Esta racionalidade é gerada a partir de ações que, a partir de uma concepção psicanalítica, poderiam ser consideradas actings, mas que permitem a produção de um processo de reflexão (por exemplo, como neste caso, sociopolítico) e a organização de uma ação de luta fora do grupo restrito, e estendida a todo o campo social. O exemplo da luta de alguns psicólogos contra a lei que restringiria suas atividades é um bom exemplo disto. Então, na medida em que a própria teoria está construída em cima de uma crítica ao tipo de valoração médica em relação ao processo terapêutico, facilitará a seus aderentes uma atitude menos dúbia e contraditória na confrontação com as instituições do poder
medicalizante, coisa que não acontece, por exemplo, com aqueles psicólogos que aderem às correntes mais psicanalíticas. De qualquer forma, esta afirmação profissional do psicólogo que desenvolve a corrente rogeriana em nosso meio não transcende ativa nem militantemente ao campo das instituições. Ante a pergunta de por que é tão precário o trabalho terapêutico dos Grupos de Encontro nas instituições públicas, as entrevistas se limitam a assinalar a presença de interesses políticos, administrativos e entraves
burocráticos. Esta relação de exterioridade com o problema nos parece mostrar claramente como o nível contestatório do trabalho dos Grupos de Encontro se detém no momento em que começa seu desinteresse por Política e, inclusive, sua apatia ante o conflito e as lutas sociais. A Política, na medida em que pode ser fonte de desprazer, de postergação das organizações hedonistas dos grupos que esta orientação propicia, é
vista como um dos males de nossa sociedade. Começando a fugir delas, saem das instituições e até da própria realidade conflitiva e angustiante em que vivem.
Este texto de Paulo Freire, traz uma reflexão inversamente proporcional ao seu tamanho. A síntese se apresenta de uma forma estimulante. É impossível não refletir.




ESTUDAR, APRENDER, ENSINAR: ALGUMAS REFLEXÕES
Paulo Freire

O homem deve ser o sujeito de sua própria educação. Não pode ser o objeto dela!

O que significa ser sujeito no processo educativo? E, ao contrário, o que significa ser objeto?

Como sujeito, o ser humano ‚ um agente empenhado na busca de si mesmo, na busca de ser mais (não confundir com ter mais!), que estuda movido pela curiosidade, pela necessidade de achar respostas para as inúmeras perguntas que ocupam sua mente, que aprende na medida em que reflete sobre essas perguntas e o mundo com a visão crítica de que tem consciência das limitações do saber humano. É um ser criativo, também porque não, às vezes, o que ele próprio disse e/ou escreveu no passado.

Como objeto, o indivíduo é algo assim como uma esponja que deve ser embebida com os ensinamentos "certos", um "certo" passivo, no máximo, receptivo. Alguém cujo protótipo seria uma espécie de máquina perfeita. Não questiona, não critica, não cria: repete e reproduz o que lhe foi "ensinado". É conformado, é ajustado e, muitas vezes, definido como "equilibrado". No entanto, embora talvez muitos poucos o percebam, é um ser de altíssima periculosidade, já que, na medida em que abdica da condição de sujeito de sua educação, abdica igualmente daquilo que fundamentalmente o caracteriza como humano, ou seja, da possibilidade de fugir aos estereótipos e da rigidez de padrões comportamentais pré-estabelecidos.

Quando os seres humanos são vistos como sujeitos em educação, estudar, aprender e ensinar constituem três aspectos de um mesmo processo em que se engajam professores e alunos, educadores e educandos.

Certamente isto nada tem a ver com a prática autoritária (infelizmente tão familiar a todos nós) em que o educador é visto como o dono do saber que deve doar aos alunos e estes como, por assim dizer, "donos da ignorância", que poderão reduzí-la na medida em que absorvem o que lhes dita o mestre... Quando o educando é sujeito de sua educação, o educador se apresenta como apenas um dos recursos de aprendizagem com que pode contar aquele, à disposição de quem colocará o seu saber relativo. Dentro dessa perspectiva, o aluno aprenderá tanto mais as respostas aos seus questionamentos, quanto mais for além do saber relativo que lhe é transmitido.

Quando, porém, as pessoas são tomadas como objetos, a educação tornando-se uma prática domesticadora e coercitiva, a ênfase deixa de ser sobre o que o indivíduo é para repousar sobre aquilo que ele deve tornar-se. É suposto um modelo ao qual ele deve ser ajustado para melhor desempenhar sua função social,sendo esta, evidentemente, definida por outrem. Há uma preocupação muito grande com o que ele faz, e o que ele sente e pensa só é importante na medida em que se traduz em ações. O educador é suposto um "domesticador" e investido de muito poder em relação aos educandos, que devem receber passivamente aquilo que lhes é dado. Nesse contexto, todo aquele que tenta assumir uma postura de sujeito, que se diferencia da média em função de sua capacidade de crítica, de sua criatividade, enfim, todo aquele que ousa ser diferente, é visto como um "desajustado" ou como um "desadaptado" e a ele se dirigem as atenções dos que circundam na tentativa - muitas vezes bem intencionada - de "reconduzí-lo à normalidade.

Infelizmente entre nós vigoram com muita intensidade a educação autoritária, a visão do educando como objeto e as práticas condicionadoras, contrapondo-se violentamente às iniciativas daqueles educadores e educandos que buscam ser mais, realizar-se, ser agentes no processo social. É surpreendente e muito animador, no entanto, que ainda haja pessoas que, apesar de submetidas a anos e anos desse processo de "domesticacão", continuem curiosas e criativas, que analisem, critiquem, proponham e ainda possam prestar sua contribuição às tentativas de solução dos problemas da existência humana.

22/04/2015

Entrevista concedida por Bion à Revista Internacional de Facilitadores de Grupo.
Nela Bion, já morando nos Estados Unidos, mesmo dizendo que seu foco de estudo está sendo o indivíduo, na época, não deixa de abordar temas como grupos, instituições, nações e, principalmente, fala bastante de mentalidade grupal quando usa a exprenssão ¨concha¨.
Interessante também, a deficinição que Bion atribui às instituições.
Boa leitura para quem se interessa em conhecer um pouco mais este autor.



Entrevista com Wilfred R. Bion, maior teórico da Abordagem Tavistock
Anthony G. Banet, Jr.
Traduzido por Mauro Nogueira de Oliveira

Esta entrevista foi publicada em Setembro de 1976, no Group Organization Studies - The International Journal for Group Facilitators, editado por John E. Jones e J. William Pfeiffer.

     Em Experiências com Grupos, você se refere à sua experiência em tempo de Guerra. Eu gostaria de ouvir falar mais disso.

BION: Durante a Primeira Guerra Mundial,  saí  da escola e entrei direto no exército e nos tanques, porque queria ver o que era um tanque. Naquele tempo eles ainda eram secretos. Eu gastei o resto de meu tempo lamentando isto. É muito difícil falar sobre o pesar.O exército é um negócio muito peculiar, porque você  está brevemente com uma pessoa, mas você acha que consegue conhecê-la depressa, muito bem e a fundo. Não há nada como este negócio de constantemente ser confrontado com a probabilidade de morte. Tivemos algo como 700 oficiais em nosso batalhão no  pequeno espaço  de tempo em que estávamos em ação - quase dezoito meses. O resultado é que  conheci os indivíduos muito, muito bem, mas  esqueci seus nomes porque  os vi muito brevemente.   Lembro de encontrar um companheiro que não estava em minha companhia, mas ele me reconheceu. Ele era uma destas pessoas que andam em motocicletas. Reconheci sua face quando se apresentou a mim, mas não de estar com ele. Mas esse é o tipo de coisa que me ajudou a ver que eu realmente sentia profundamente sobre as pessoas que conheci.

     Parece que foi mesmo um tempo de stress. Estas experiências contribuíram para suas formulações teóricas sobre grupos?

BION: Não, mas suponho que tiveram um pouco de influência. É uma coisa dura para descrever. Em minha primeira ação de combate,  tive o intenso sentimento que  não devia ter medo -  não devia fugir. (Claro que você não pode fugir - é impossível - você descobre isso). Outra coisa que você descobre é que você não se fixa em nada durante o combate. Você cada vez sente mais medo, porque você consegue saber que os perigos são cada vez maiores. Isto foi uma descoberta muito dolorosa. Lembre-se,  penso que um bom soldado, um soldado regular, pode aprender muito. Ele não se torna menos assustado, mas ele sabe se cuidar.

     O sentimento de medo nunca o deixou?

BION: Nunca

     Você estava praticando medicina ou psiquiatria naquele momento?

BION: Não, isso veio depois. Eu simplesmente era um soldado. A coisa curiosa era o grande alívio que senti quando terminou e então a descoberta que, de fato, tinha deixado marcas realmente muito fundas. Fui diretamente para Oxford após guerra, e era maravilhoso. Tudo na universidade era tão excitante e tão interessante, que tornou impossível simplesmente trabalhar qualquer coisa que estivesse chiando dentro de mim. Quando  estava em Oxford, houve muitas tragédias com ex-combatentes. Outra coisa - as autoridades da faculdade foram surpreendidas ao constatar que virtualmente todos os oficiais eram extremamente disciplinados. Não houve nenhuma dificuldade. Muitas pessoas tinham esperado o retorno do "soldado licencioso". Nós fomos seduzidos por uma convicção que tudo era bonito - como realmente era. Mas era muito duro perceber que, enquanto tudo era tão magnífico, nós não sentíamos o privilégio de aproveitar isto. Sempre, havia algum tipo de sombra - uma coisa horrorosa que nunca realmente saía de nossas mentes. Nós prendíamos isto simplesmente nos consumindo em novas tarefas mas  estou certo que a sombra da guerra era um pano de fundo para todos nós.

     Mas sobre a sombra nada era falado.

BION: Nada. Evelyn Waugh descreveu isto, para minha surpresa  tenho que dizer, quando ele disse que foi um alívio entrar nessa multidão inteira, porque nós simplesmente pusemos um abafador na universidade. A universidade estava acima da sombra, do ponto de vista dele, dos ex-membros das forças armadas e das pessoas de guerra que eram um peso morto. Você não podia progredir; você não podia consumir esta "crosta". Claro que ele estava no topo da universidade. Do nosso próprio ponto de vista, nós nos ressentimos como as "crianças", por assim dizer, pois que não participaram de nenhum serviço de guerra e pensavam que eles eram os "narizes empinados" da universidade. Mas isso não importou, porque nós tivemos tantas outras experiências. Eu penso que a universidade sofreu por ter esta grande massa de ex-combatentes por lá.Havia a tentativa de ser muito agradável aos ex-membros das forças armadas, mas os outros não sabiam quais era nossos problemas. Tudo que eles poderiam fazer era nos dar alojamentos confortáveis, comida boa e todos os confortos. Do ponto de vista das autoridades universitárias, havia muito pouco que eles pudessem fazer para nós. Nós éramos tão agradados que mergulhamos nas diversas atividades que existiam.  Fui afortunado porque era um atleta satisfatório. Era o capitão do Clube de Natação da Universidade Oxford, assim, tive bastante com que me ocupar. Também joguei rúgbi para a universidade. Não estou muito certo se isso foi sorte ou não, porque isto serviu para encobrirmos o terror, e nós nos sentíamos como se tudo fosse tão maravilhoso - como era.

     Foi fácil esquecer do terror...

BION: Sim... nós esquecemos. Um amigo foi para Manchester e quando retornou ele disse, "Você sabe, a universidade é como um pesadelo ao contrário. Você não tem nenhuma concepção do estado dos negócios em Manchester - a miséria, o desemprego, as condições totais. Eu entro aqui - o remo, a excitação, as raças - e é igual a entrar em um mundo totalmente irreal de felicidade, prazer, conforto - considerando que quando nós vamos para Manchester nós entramos diretamente neste estado horroroso, que é de fato o real".

     Margaret Rioch, em um de seus comentários sobre o modelo Tavistock, expressa seu ponto de vista na ênfase dos aspectos trágicos, a seriedade da vida. Sua história parece a mesma coisa - que atrás de toda essa cena universitária idílica estavam lhe recordando, por seu amigo, que havia condições sérias em Manchester - eventos mundiais que estavam causando dor nas pessoas.

BION:  Penso não ser muito incomum cobrir a dor com algo que não é trágico. Se está um dia agradável, você é alegremente grato a um dia agradável; se eu penso agora na Inglaterra, eu sempre penso no tempo como ensolarado. Você logo esquece dos vastos espaços de tempo nos quais os campos estão debaixo de água e que a estação da primavera está fria, miserável e bestial. Tudo que você lembra são os dias de verão - os tempos de verão e as condições de verão. Você tende a se concentrar em como tudo é magnífico - como a vida é boa - e se ressentir com qualquer pessoa que o recorde que, para a maioria das pessoas, não é. Claro que, quase todo o mundo aprende o mesmo truque - pretendendo ser mais feliz ou afortunado que na verdade é. Então você é tomado de surpresa se acontece de ficar doente. A própria enfermidade é tratada como se fosse um peso. Eu penso que a declaração mais correta seria que a saúde do indivíduo é um peso. Por alguma razão, nós temos este tipo de aparato em nossas cabeças que nos permite acreditar que a saúde é boa - o tipo de saúde que se tem com a idade de trinta anos - é normal.

     Este ponto de vista parece oposto ao movimento do potencial humano - a celebração da individualidade, a conversa sobre alegria, sobre comunidade. Eu estaria interessado em saber como você vê os movimentos de grupo contemporâneos que enfatizam a realização e a felicidade.

BION:  Realmente não sei o bastante sobre quaisquer destes outros movimentos para poder dizer qualquer coisa sobre eles, mas eu sei sobre psicanálise. Psicanálise está baseada na premissa que é anormal estar infeliz - estar ansioso - mas parece-me, que para a pessoa que entra no negócio de entender o procedimento dos outros, realmente é uma premissa muito questionável. A parte habitual da vida é inquestionável. A parte habitual de vida está envolvida com tragédia, tristeza e saúde se deteriorando. Afinal de contas, a saúde da pessoa se deteriora no momento do nascimento, e há as pessoas que nunca estiveram bem; de algum modo eu penso que se as pessoas pudessem ter tido mais saúde, tivessem sido bons atletas, gostariam mais de si. Uma pessoa saudável não aprecia por que, em vida, ela deveria ter qualquer outra coisa que não saúde. Eu não sei taxar, mas talvez devêssemos considerar que o sofrimento e rivalidades com outros seres humanos realmente é o padrão normal. O pobre, esses que têm menos, ou o infeliz, desejariam a riqueza e o conforto dos que têm isso naturalmente. Isto se aplicaria a nações da mesma maneira que sobre os indivíduos. Poderia ser bastante razoável supor que seria muito natural, as nações ricas e prósperas ou indivíduos, achar que eles são objeto de hostilidade.

     Foi Melanie Klein que estimulou seu interesse em psicanálise.

BION: Sim, Melanie Klein me influenciou certamente. Antes disso, John Rickman, de quem eu gostava muito, foi também muito influente, embora mais tarde ele tivesse várias dificuldades pessoais. Nós temos que usar pessoas que têm estas dificuldades. Elas são as pessoas que se tornam nossos professores; elas são as pessoas que fazem os avanços. Eu me lembro dele com muito afeto.

     Ele era do Instituto Tavistock?

BION: Não. Ele era do Instituto de Psicanálise, mas ele era um destes "hereges" que tiveram procedimentos com o Instituto Tavistock que realmente era considerado grotescamente impróprio pelos psicanalistas.

     Você era um herege, também, no Tavistock?

BION: Sim,  era. Mas  também era um herege em outra direção porque, embora um membro do Instituto Tavistock, eu fiz contato com a psicanálise, e me tornei, psicanalista. Naqueles dias o Instituto Britânico de Psicanálise teve medo de tolerar atividades que não fossem psicanalíticas cooperando com o Instituto Tavistock. Não é distinta a situação nos Estados Unidos, quando os psicanalistas americanos pensavam que a psicanálise seria minada se sancionassem psicanalistas que apoiavam as teorias de Melanie Klein.Penso que o Instituto Tavistock, então, teve medo que a suposta liberdade de pensamento se tornasse a marca registrada do Instituto, ou que seria arriscado pelo fanatismo e rigidez dos psicanalistas. Então, qualquer intercâmbio entre Rickman e membros do Tavistock era visto com suspeita por ambas as partes.

     A.K.Rice é considerado freqüentemente como seu primeiro aluno. Você lhe vê estendendo a teoria?

BION: Eu realmente não sei o bastante do que ele fez. Eu só estive uma vez presente com ele em Amherst, quando ele coordenou um pequeno grupo (ele não coordenou o grupo inteiro), assim eu realmente não tive uma chance para me atualizar com o que ele estava fazendo. Também aconteceu dele estar muito doente, embora eu não o tenha conhecido nesta ocasião.

     Sua teoria de grupo enfatiza que uma suposição básica de vida existe debaixo da superfície da vida de trabalho dos grupos. Eu gostaria de ouvir seus comentários sobre como isto opera nos grupos.

BION: Ambas as palavras - básico e suposição - são importantes. A mim parece que não é a suposição que é básica, mas também que a coisa sobre o que se está tentando falar é básica. A dificuldade é saber como definir ou descobrir esta teoria básica. Você tenta falar de uma maneira cortês e civilizada tanto quanto possível, mas no segredo de sua própria mente, se você pensa nisto, você é despertado pela realidade como se fosse sacudido por um alarme. Que idioma você usa quando soa o alarme? Qual idioma conecta os aspectos básicos da fantasia, segredos de sua mente com as realidades do mundo externo? Em grupos, você tem a oportunidade para ouvir o idioma que tenta expressar estas suposições básicas. Realmente, um dos pontos sobre grupos é que eles provêem uma oportunidade para ver as coisas coletivamente. Em vez de uma linha de trinta pessoas, uma depois da outra, você vê a coleção inteira de trinta pessoas junto. Eu penso que o grupo é um distorção, mas assim mesmo é um mapa de pesquisa - onde você retrata montanhas e vales em uma superfície plana usando linhas de contorno. A abordagem de grupo deve ter seus próprios métodos de retratar sua suposição básica de vida. Qual é este método ainda precisa ser descoberto, mas precisa ser algo que comprima um lote inteiro de dados para retratar os resultados em uma superfície plana.

     Muitas pessoas consideram a noção de "suposições básicas" como a chave para compreender o processo de grupo. Mas você está dizendo que o método tem necessidade de ser elaborado.

BION: Sim, penso que a noção de "suposição básica" precisa de tremenda investigação. Por exemplo, todos nós conhecemos as pessoas com dores reumáticas. Um Clínico Geral ordinário, na Inglaterra, conhece pessoas que ficaram vinte ou trinta anos acamadas. O câncer adquire toda a publicidade porque ninguém pode ser aborrecido com um assunto tão pesado, ao contrário das reclamações reumáticas que são enfadonhas e não provocarão a partida. Penso que esta é a direção na qual a investigação de grupos poderia ir. Se você pudesse persuadir trinta pessoas com dores reumáticas a se encontrar, você aprenderia algo. Você teria que ter um perito de grupo, porque eu não acredito que se possa manter um grupo de pessoas gostando disso juntas - eles odiariam um ao outro. Eles ousariam vir uma vez, entretanto achariam que alguém estava ocupando a fase do outro, e eles não teriam uma chance para dizer como eram terríveis as suas dores. Penso que só um perito de grupo poderia suportar isto, e se ele pudesse, então eu acredito que algo emergiria daquele padrão que não poderia emergir se o especialista visse essas trinta pessoas individualmente. Penso que você pode olhar para um grupo como um mapa cartográfico. O teórico de grupo pode aprender a "ler" o grupo.

     Em seu livro você usa a analogia de um relógio. É possível entender as partes individuais de um relógio, mas você necessariamente não saberia que a sua função era contar o tempo até que elas estivessem juntas.

BION: É verdade. É igual ao processo de um grupo. É mais do que provável que o processo do grupo lhe falará mais do todo do que suas partes poderiam contar - como a fome - algo que você não sabe cognitivamente. Penso que a pessoa que "leva" um grupo, o especialista de grupo, deveria poder descobrir um padrão que pode não ser óbvio ao resto do grupo.

     Eu associo esta expressão - "levando o grupo" - com você. Outras pessoas falam de "fazendo grupos" ou "liderando grupos", e está muito claro em seus escritos que você "leva" um grupo. Você está observando algo que você não criou.

BION: Deveríamos sempre lembrar que, de fato, todo membro de um grupo "leva" um grupo se pudéssemos ver deste modo. O companheiro que se senta lá e não diz uma palavra do começo ao fim "leva" o grupo e mostra uma influência nisto. Cedo ou tarde, alguém notará: "Você não disse nada". Então ele poderia perguntar, "Se você vem aqui semana após semana e não diz uma palavra, o que supomos fazer"? Mas é óbvio que esta pessoa está de sua própria maneira levando um grupo - e ainda pode dizer, "eu não fiz nada".

     Eu trabalhei com grupos de muitos modos diferentes. Quando eu sou mais pessoal e convidativo, tenho uma bonita calma. Mas sempre que eu trabalho com um grupo da maneira de Tavistock, eu fico assustado, especialmente no princípio. Parece ominoso - que talvez algo terrível acontecerá. Parece que em tal grupo sempre há potencial para coisas terríveis acontecerem.

BION: Em psicanálise, quando abordamos o inconsciente - quer dizer, o que nós não sabemos - nós, paciente e analista de forma semelhante, ficamos certamente perturbados. Em todo consultório, estão duas pessoas bastante assustadas: o paciente e o psicanalista. Se eles não ficam ambos assustados, desejaríamos saber por que eles estão se aborrecendo para descobrir o que todo o mundo sabe. Eu, às vezes penso, que os sentimentos de um analista enquanto levando um grupo - sentimentos enquanto absorvendo as suposições básicas do grupo - são alguns pedaços do que ele está sentindo. Eu dou grande importância, por isso, aos sentimentos. Você, como um analista, pode ver por você mesmo o que está chocando - eu estou assustado, eu sinto tesão, eu sinto hostilidade - etc. Mas isso não é igual à vida real. Na vida real você tem uma orquestra: movimento contínuo e a constante passagem de um sentimento para outro. Você tem que ter um método para capturar toda esta riqueza. Em um grupo, você está na posição desgraçada de ter muito pouca evidência. O médico, a pessoa física, pode adquirir evidência física, ou assim ele pensa, de qualquer maneira. Quando lidando com coisas físicas, você pode tocar, você pode sentir e você pode cheirar, mas nós que usamos nossas mentes estamos contra isto, porque nós não sabemos o que a mente realmente é capaz de perceber. Até mesmo sensações que estavam disponíveis a nós em alguma fase da vida e que perdemos. Algumas criaturas do mar têm percepção sensorial incrível. Peguemos a cavala. Sua sensação de cheiro é de longo alcance, assim pode colecionar comida porque pode cheirar algo se deteriorando, tudo que seja, onde quer que esteja. Nossa própria sensação de cheiro parece ter deteriorado muito consideravelmente, e de fato para adquirir qualquer tipo de cheiro agudo, você tem que viver em um ambiente aquoso.Quando os seres humanos nascem, eles mudam de um fluido aguado a um fluido gasoso - o ar. A pessoa leva algum tipo de fluido com ele na mucosa nasal; o nariz ainda pode operar mas em um nível grandemente diminuído. Claro que, se há muito disto, então nós temos o que nós chamamos um catarro e o elemento aguado submerge nossa sensação de cheiro.

       Assim a pessoa que leva um grupo está cheirando ou confiando em alguma sensação especial.

BION: Bem,  penso que seria muito sábio supor assim, e poderia ser possível se pôr mais consciente do que é esta sensação especial. Suponha você esteja observando um grupo de - digamos - russos. Você poderia dizer, "estes russos - eles nunca sorriem, eles nunca riem". Bem, se você é treinado a usar estes músculos pequenos ao redor da sua boca, você nota quando outra pessoa os usa. Pode levar algum tempo até que você perceba que eles não usam seus pequenos músculos para sorrir mas eles usam qualquer outra coisa - os pés ou algo (eles podem ser dançarinos) - e expressam um sorriso daquele modo.

     Uma fantasia que eu tive viajando até aqui para o conhecer era que você pareceria com Basil Rathbone vestido como Sherlock Holmes - um detetive constantemente alerta a toda sugestão secundária. Parece que o consultor de grupo é um detetive, qualificado a estar atento às nuances.

BION: Bem,  penso que é importante poder desenvolver estabilidade - poder ordenar a informação. Pegue um quarto como exemplo. Você pode estar atento a isto, e se você é muito observador você pode ter uma satisfatória lembrança das coisas que estão no quarto. Quando você tem essa massa de dados, você pode até mesmo dizer ¨eu fui no quarto deles e penso que eles não são pessoas particularmente estéticas". Esta é uma interpretação dos objetos materiais. Você tem que ser um coletor de suas impressões e sensações, mas é fatal que se você se permitir submergir em impressões - tanto muco, tanto falar, que você pode nem mesmo sentir o cheiro - de forma que em vez de tornar sua percepção uma vantagem, se torna uma obrigação. Eu penso que esta é a reclamação que tantos franceses fazem de Victor Hugo. Quando André Gide foi perguntado qual era o maior poeta do seu país, ele disse, " Victor Hugo". Bem, é incrível - as observações de Hugo; elas são realmente extraordinárias. As imagens visuais que ele cria são impressionantes, mas você não adquire a impressão de Hugo como um grande pensador, porque ele não parece sintetizar isto. Ele deixa para o leitor sintetizar suas observações.

     Isso seria uma função da teoria - prover a síntese das impressões. Eu gostaria de lhe ouvir falar sobre grupos grandes - instituições e organizações.

BION: Instituições e organizações são o mesmo - elas estão mortas. Me deixe pôr isto deste modo. Uma instituição se comporta conforme certas leis - têm que o fazer - e todas as leis organizacionais são tão rígidas e definitivas quanto as leis da física. Uma organização fica dura e inanimada como esta mesa.Eu não conheço ninguém que possa dizer em que ponto animados mudam para inanimados. Por exemplo, um montão de esterco. Parece inanimado, e então vermes aparecem, e fica animado. A dificuldade sobre todas as instituições - o Instituto Tavistock e todas as que temos - é que elas estão mortas, mas as pessoas dentro delas não estão, e as pessoas crescem, e algo vai acontecer. O que normalmente acontece é que as instituições (sociedades, nações, estados, e assim sucessivamente) fazem leis. As leis originais constituem uma concha, e então novas leis ampliam aquela concha. Se isto fosse uma prisão material, você poderia esperar que as paredes da prisão se tornassem elásticas de algum tipo ou modo. Se as organizações não fazem isto, elas desenvolvem uma concha dura e a expansão não pode ocorrer porque a organização se fechou em si mesma.

     Atualmente, há muito interesse em fazer as organizações mais responsivas às necessidades humanas. Isso tem alguma chance de sucesso?

BION: Se a organização não responde às necessidades humanas ou ela ou o indivíduo serão destruídos. É igual um animal que se protege cultivando uma casca dura. O que vai acontecer quando o animal cresce? O que vai acontecer com a casca ou com o animal? O pássaro ordinário tem bastante senso para rachar a casca e caminhar para fora. A coisa curiosa é que a própria mente parece poder produzir sua própria concha. As pessoas dizem coisas como "eu não quero ouvir nenhuma destas novas idéias. Eu estou muito contente. Eu não quero ter minhas idéias transtornadas. Se você começa a me fazer pensar nisto e naquilo, eu poderia ter que me aborrecer sobre as dificuldades de Los Angeles. Por que não posso viver aqui em paz e quieto"? Eu penso que sempre há uma resistência ao desenvolvimento e à mudança e uma tendência para pensar que uma coisa horrível este verme pode fazer ao tentar animar o montão de esterco.

     Instituições, como os Estados Unidos ou a Igreja católica, professam um interesse em renovação e mudança, entretanto parece que coisas perversas acontecem. Ou os líderes são removidos ou as pessoas ficam muito pessimistas sobre a possibilidade de mudança.

BION: Eu penso freqüentemente que os Estados Unidos têm uma convicção intelectual de si mesmo como a "nação do topo". Há um sentimento, então, que as instituições que não estão muito bem, uma nação ou sem importância ou emergente, não são nenhum bem para quem está no topo. Eu penso que haverá uma tendência para se rebelar contra esta força restritiva, esta concha invisível que é tão difícil imaginar - até mesmo conceber. A pessoa sabe quais são as restrições em uma nação. Nas fases iniciais, era bastante claro. Era bastante fácil para os americanos ver o britânico como a força contendora e se rebelar contra isso. Entretanto, esta instituição recentemente formada começou a cultivar uma concha novamente. Foram entesouradas suas novas leis e Constituição. Agora um sentimento se desenvolveu de que a Constituição - que é a concha mental dos Estados Unidos - não é realmente adequada para o mundo como é, porque a nação está crescendo e está atenta, então, da pressão e da hostilidade que vêm de fora. As pessoas dos Estados Unidos podem querer viver em paz; elas podem não querer atacar qualquer pessoa; entretanto elas acham que elas têm que ter uma marinha; elas têm que ter umaforça aérea; elas têm que ter um exército - tudo do qual eles podem odiar. Uma vez mais, uma concha dentro da concha começa a crescer. Eles têm que ter um serviço secreto. Então suponha que eles sentem que o serviço secreto e o policial querem saber até o que eles são, mas eles vêem como um qualquer outro negócio. Assim eles podem estar atentos na mesma concha que eles estão cultivando enquanto está crescendo. Isso é obviamente um procedimento desconfortável, porque você pode odiar a concha e ainda acreditar que é necessária. Por exemplo, eu não quero ser invadido por algum país estrangeiro. Certo, então eu aguento o exército, marinha e força aérea, entretanto o exército, marinha e força aérea dizem que eles me querem como um recruta e eu tenho que aprender a utilizar armas. Eu odeio a concha mas a vejo como necessária.

     Na época dos assassinatos políticos havia muitos editoriais comentando o efeito "nós somos todos culpados", que um assassino tem alguma valência com o resto da sociedade - ele age por todos nós.

BION: Penso que é precisa se precaver com um julgamento que posa ser feito muito prematura e precocemente. Se a pessoa julga prematuramente, então ela se segura nisto - soma outra concha. Eu posso ver isto em mim. Quanto mais cansado eu estou, mais depressa eu dou interpretações. É um negócio horroroso reter sua frescura de mente; a mente vai trabalhar embora você não tenha a mais nebulosa idéia para onde ela está indo. Isso é por que a pessoa tenta aprender e escolher algum tipo de abordagem científica, religiosa ou artística ao problema da história - é difícil de visualizar o cerne do problema neste país. Pode-se adquirir pouco dos modelos triviais que  estão no passado.

     Eu sei que você está se concentrando em psicanálise individual, em lugar de em grupos, e que você escreveu recentemente sobre o problema do conhecimento e percepção. O que é excitante para você nestes dias?

BION: Eu estou trabalhando principalmente com indivíduos. As investigações do indivíduo ainda têm muito que se desenvolver. A vantagem do grupo é que você pode ver certos elementos muito mais facilmente. Com o indivíduo, você pode achar muito difícil de ver perturbação; o paciente é tão racional, tão calmo, tão certo, que você é enganado pelo aparecimento da superfície. Como Virgilio descreveu na Eneida , Palinurus, embora tentado pelo Deus do Sono, não é levado pela calma e exterior bonito. Quando o analista se permite ser enganado, ele dirá: "Bem, este paciente nunca teve qualquer dificuldade, nunca foi qualquer dificuldade, sempre seguiu bem, é amado e é gostado por todos nós, e é uma pessoa muito afetuosa e encantadora. Eu não posso entender como ou por que ele quis cometer o suicídio". É uma coisa muito dramática - quando uma pessoa tira a sua vida sem que qualquer pessoa tenha observado que ele o faria. Ver por dentro - essa é a dificuldade. Eu estou interessado no indivíduo - na luta dele contra a pressão das conchas construídas ao redor dele. Anteriormente nós falamos sobre as conchas de organizações. Bem, os indivíduos têm conchas também. Quando você está lidando com uma mente ou uma personalidade, então você adquire estes mesmos processos de construção de conchas, mas eles são muito mais difíceis de negociar porque você não pode recorrer à observação física. Talvez se você fosse mais sensível, ou empregasse instrumentos mais sensíveis, você poderia fazer isto, mas não como as coisas são no momento. Se você tem uma mente ativa e está apertando contra os obstáculos e restrições a sua operação, e toda atividade, ou sua própria fadiga pessoal, é uma restrição em você, assim você pode nem mesmo localizar a concha. A inibição por si só produz dificuldades. Seria tão simples se pudesse ser dito, "Oh bem, você está sofrendo destas inibições". Mas não há nada a dizer sobre inibições. Nós temos este vasto universo e temos vários objetos difundidos a este respeito, mas o mundo externo está fora de nosso controle. Está simplesmente lá fora. Porém, nós temos alguma escolha sobre o que prestar atenção. Isto significa que eu tenho que escolher - mesa, luminária e assim por diante. Se você pensa nisto em câmara lenta, você tem que escolher a ordem de precedência. Assim quando você escolhe tentar sair de suas inibições e restrições você se defronta com um problema de intensidade - chamar este objeto de livro e dizer que é uma mesa. Eu não sei o que seria acordado pela pessoa que se concentrou na constituição atômica da coisa, porque onde seria o fim da mesa? Onde você pode dizer que num lado é uma mesa e no outro lado é ar?

     Bem, parece que eu poderia propor uma solução prática. Eu poderia acreditar que a mesa realmente é uma coleção de moléculas, mas eu espero que algo esteja sobre ela, se eu pus isto lá.

BION: Isso é o ponto. A pessoa tem que tomar uma decisão prática; em algum ponto nós temos que traduzir nossos pensamentos e idéias em ação, e, tão logo, nós possamos fazer isso.

     Eu estou interessado em seu pensamento sobre o interesse crescente em filosofias Orientais neste país. Parece que nós estamos partindo da tradição da Europa Ocidental e adotando perspectivas Orientais.

BION: Eu não penso que nós possamos abandonar a tradição européia Ocidental, mas o que está acontecendo é que estamos nos dando conta de que há métodos diferentes de pensamento. Eu não conheço Sânscrito (eu não sou bom em nenhum idioma), mas até onde eu posso contar com traduções, há uma semelhança notável entre o Bhagavad-Gita e Meister Eckhart - uma semelhança entre religiões completamente diferentes. Ambos são cercados por este tipo de pensamento - fugir da concha pessoal - e levar isto a muitos pessoas.

     O Bhagavad-Gita ainda é lido depois de centenas de anos. Pensamento místico Oriental e Ocidental sugerem uma redução ou destruição do ego - que você pode, de algum modo, fugir da concha do ego.

BION: Freud fez uma observação iluminada sobre o ego, o id e o superego. Somente quando se tenta contemplar isto, tentar olhar o ser humano, começar a ver que estas formulações psicodinâmicas são muito frutíferas, mas que realmente não são suficientes. Mas é difícil, porque não se sabe realmente se é uma deturpação de Freud ou se está no rumo certo. Parece-me que poderia ser dito que a mente tem um tipo de pele que está em contato com alguém. Por exemplo, nós estamos conversando. Por que? Como? Eu posso pensar totalmente errado o que você está me perguntando e o que você está me contando, mas por que? O que são estes juízos? Se é uma pergunta sobre minha sensação de toque, eu posso dizer que é a pele. Mas o que é esta pele mental que permite duas pessoas estar (embora este seja um uso metafórico do termo) em "contato"? Nós obtemos emprestado o termo do mundo físico, mas não é toque. Alguém pode sentir isto; pode trazer a sua mente (como Dr. Johnson diz) contra a da outra pessoa, e ele pode estar atento de um contato com o outro. Você tem que usar algumas palavras se quiser falar sobre isto. Este contato requer classificação.

     Eu estou certamente atento quando eu não estou em contato com alguém.

BION: Mas é muito difícil saber por que nós sabemos isso.

     Os aspectos filosóficos de seu trabalho estão realmente em onde sua atenção está. Eu posso lhe ver jogar com conceitos - reunindo coisas. Eu estou interessado em ouvir falar mais disso.

BION: Eu não estou seguro de que eu posso achar a passagem. Em Phaedrus, Sócrates mostra que a linguagem é extremamente ambígua, e então são produzidas dificuldades quando você tem que transformar seus pensamentos em ação que não seja ambígua. Os dois, ou nós (duas entidades, caráteres ou personalidades), nos encontramos - o que faremos? Normalmente não é um problema bastante agudo para ser notável, porque uma tentativa pode ser feita para falar a mesma linguagem. Mas supondo alguém que se encontre em uma ilha deserta com alguém que nunca tenha encontrado antes e cujo idioma ele não conhece - de que modo atravessaria o buraco? A linguagem dos sinais é o fato comum, mas ninguém realmente estudou como, de fato, contato foi estabelecido.

     Eu poria meu dinheiro em algum tipo de ação colaboradora ou trabalho.

BION: Isso é a coisa importante da abordagem grupal - pode ser possível descobrir como que este trabalho de contato é produzido. O grupo tem que achar algum modo no qual posa se encontrar novamente - algum método de comunicação entre os vários membros que são física e pessoalmente diferentes. Parece que você termina onde seu corpo termina, mas é uma situação muito enigmática. As pessoas podem se encontrar e podem falar e podem se estender um no outro. Até mesmo parece ser um tipo de comunicação que se estendeu durante séculos entre Platão e o Gita e Meister Eckhart e nós.

     Religião tem alguma explicação para isso - o espírito.

BION: Porque as pessoas religiosas estiveram muito tempo nisto, elas têm um vocabulário considerável, embora nós pudéssemos dizer que não é adequado. Você teve que inventar algum tipo de extensão; você teve que estourar em algum lugar. A mim parece que você teria que ter esta pequena "espinha" que você chama psicanálise e que aparece à superfície. A dificuldade é que nós somos muito limitados - nós os analistas pensamos que se nós vemos uma parte da "espinha", o resto do corpo não existe - que o mundo religioso (tudo que é) deixou de existir. Psicanalistas têm sido particularmente fechados ao tópico religião. Se nós tentamos estender - se acontece de estarmos naextremidade do ponto crescente - é absurdo imaginar que não há nada por trás disso ou que não há nada contra o que nós estamos empurrando. Isto nos traz para outro ponto. Se psicanálise é um tipo de extensão do mundo religioso, então o mundo religioso objetaria esta extensão. O judeu poderia desejar saber sobre esta distorção da tradição hebréia chamado Cristianismo. Você adquire a mesma coisa inúmeras vezes. O que são estas idéias modernas - psicanálise, psicologia, grupos, terapia? São falácias. "Tudo isso é conhecido pela igreja por centenas de anos" seria uma resposta comum. Alternativamente, "Isto é perigoso e herético. Você destruirá a religião se começar a introduzir sexo".

     Parece que mais recentemente a igreja abraça a psicanálise e incorpora isto em seu treinamento.

BION: Sim, mas parece ser o mesmo processo de conseguir proteger suficientemente uma concha e ter que se rebelar contra esta concha porque não só o protege, mas também pode calá-lo. A concha que protege também mata. Deixe-me por isto de outro modo: os indivíduos podem ser tão rígidos que eles não parecem ter qualquer idéia ou eles podem ser tão livres e tão profusos nas suas idéias que isto realmente importa em uma condição patológica. Mas as mesmas coisas, parece-me, podem se aplicar ao estado ou qualquer organização. Por outro lado, às pessoas de fora, não deveria ser permitido dizer que são membros de sua organização mas o usam para ganhar um tipo de capa de respeitabilidade para as suas idéias. Assim há o problema. O quão permeável você é para fazer este envelope de ego, esta concha? Ou voltando à frase de Freud, quão permeável pode ser o ego? Há pressões de dentro e, por outro lado, pressões de fora. Até que ponto a pessoa permite qualquer idéia de entrar? A pessoa sente que há uma necessidade de um tipo de tela diferente. Se fosse físico, a pessoa poderia tentar inventar algum tipo de peneira que peneirasse o que a pessoa não quer e permitisse o que pessoa quer. Quando é a mente, eu não sei como poderia ser feito.

     Isto soa como você considerando seu trabalho, especialmente seu livro Experiências em Grupos. Muitas outras pessoas consideram este como um pedaço definitivo de trabalho.

BION: Isso seria uma grande piedade. O livro não é a visão final, e eu urjo para que as pessoas que trabalham com grupos o tornem obsoleto o mais cedo possível.

     Eu tenho sentido que haverá um longo tempo antes que seja obsoleto.

BION: Eu tenho certeza que coisas básicas em Experiências em Grupos são conservadas. Eu espero que isso seja verdade; caso contrário, nós poderíamos estar conduzindo as pessoas para o caminho do jardim. Eu espero que há certas coisas que ainda são operativas, mas permitir que "a teoria de Bion" opere de um modo rígido seria ridículo, porque isso põe uma restrição no crescimento do indivíduo e os indivíduos que pertencem a um grupo.

     Nos últimos anos, o Instituto A.K.Rice e seus centros ficaram mais populares; há mais pessoas participando de conferências de relações e aprendendo sobre grupos e sua teoria. Isto é gratificante para você?

BION: Não faz muita diferença para mim, em um sentido, porque eu estou fora do trabalho de grupo e ainda estou trabalhando muito em indivíduos; mas certamente o trabalho do Instituto é muito importante. Mas, novamente, o Instituto Rice tem que perceber que não vai ser isentado dos problemas com que se confrontam as grandes organizações como os Estados Unidos ou os estados individuais.

     Está sujeito aos mesmos problemas.

BION: Os mesmos problemas...Você tem que ter estas regras - estas leis municipais. Claro que, pode-se fazer novas leis novas e assim conseguir uma certa flexibilidade, mas, infelizmente para organizações e institutos, é difícil ser flexível.

     Você vai escrever um pouco mais sobre grupos?

BION: Eu espero, mas, você sabe, um das dificuldades hoje está em achar tempo. No momento, eu estou muito ocupado com meu trabalho com indivíduos.

20/04/2015

David Armstrong, fez psicologia em Cambridge e uma carreira no instituto Tavistock, tendo participado como membro do corpo de consultores e como diretor de diversas conferências no modelo Tavistock, em diversos países.
Neste texto, que na realidade foi um conferência proferida na Romênia, mostra de uma forma clara, quem foi Bion e o seu trabalho com grupos.
É uma leitura indispensável para compreender melhor  este que foi um dos grandes pensadores da psicanálise.

FAZENDO AS AUSÊNCIAS PRESENTES: A CONTRIBUIÇÃO DE W. R. BION PARA ENTENDER O FENÔMENO SOCIAL INCONSCIENTE
David Armstrong
Traduzido por Mauro Nogueira de Oliveira

Minha tarefa hoje é apresentar a vocês um modo de pensamento sobre grupos e vida de grupo associado com o nome de Wilfred Bion. Eu direi algo mais sobre ele em outro momento. Antes de fazer isso eu quero dizer que estou amedrontado com esta tarefa e por várias razões. Primeiro, porque eu conheço pouco seu idioma e então tenho que falar a vocês e tentar comunicar pela distância de uma língua estrangeira. Segundo, porque o modo de pensamento de Bion pode parecer pouco conhecido em qualquer idioma, quase como uma língua estrangeira.

Quando ele estava trabalhando como psiquiatra na Clínica Tavistock, antes da Segunda Guerra Mundial, um jovem, altamente talentoso escritor irlandês bastante improdutivo, veio ver Bion como paciente. O escritor era Samuel Beckett. Na ocasião Beckett tinha publicado um estudo de Proust e algumas pequenas histórias e poemas. Mais tarde, depois que deixou o tratamento, ele começou a produzir numa sucessão sem igual romances e peças que o fizeram famoso.

Até onde eu sei, nem Beckett nem Bion se referiram em público um ao outro e ao que tinha acontecido entre eles. Mas há quem diga que há algo de Bion em Beckett e algo de Beckett em Bion. Por exemplo, ambos utilizam a ironia. Ambos exploram o reino do paradoxo da vida humana. Ambos são peculiarmente sensíveis e alertas ao que está calado, não declarado e não desafiado em nossas relações e negócios. Bion é talvez mais otimista. Mas o seu é um otimismo que foi duro de ganhar, que enfrentou desespero e não será sustentado pelo conforto das falsas ilusões sobre as fontes do comportamento humano.
E ambos são confusos, no sentido de que têm que confundir o que querem dizer, sem prover qualquer direção para o entendimento. Que me conduz a uma terceira razão para me sentir amedrontado.

Porque o pensamento de Bion foi muito influente em alguns círculos e incluo esses nos quais Bob Young, Gordon Lawrence e eu trabalhamos; e porque ao mesmo tempo poucos de nós temos o seu gênio peculiar para a não diretividade: a tolerância da dúvida, a confusão, o não saber, sempre cria uma tentação a interpretar o que ele diz; fazer isto é plausível, não é chocante nem aparentemente estranho.

Eu estou bem seguro que farei o mesmo, aqui e agora, hoje. Eu não me desculpo particularmente por isso, desde que isso seria se desculpar para o que eu sou. Mas eu penso que é um terreno propício para notar o perigo.

Bion, em minha visão, é um pensador de transformação. Ele pode mudar o modo de ver as coisas humanas, em particular as coisas que acontecem em nossas vidas sociais e compromissos. Mas como todos os pensadores de transformação, o poder dos seus escritos mente em suas alusões, suas sugestões, seu não ser – uso uma frase inglesa que eu espero não tentem traduzir completamente "se deitou na linha".

No que segue, eu direi algo sobre a base de Bion e as experiências que ele realizou, de 1940 em diante, desenhando a sua contribuição à dinâmica de grupos e, depois, aos indivíduos.

Tentarei oferecer um pequeno esboço desta contribuição assim como a relação com nossa experiência social em grupos e organizações. Então finalmente eu direi algo sobre a relevância desta contribuição, como eu vejo isto, para as várias preocupações que nos reúnem hoje.

O curso de uma vida 

Wilfred Bion nasceu no final do século, de pais britânicos, na Índia. O pai dele era funcionário público, parte de um poder ocupador, o Raj britânico. Na infância, Bion e sua irmã mais jovem seguiam os costumes das famílias de Anglo-lndianos, em grande parte foram educados não pela mãe deles mas sim pela sua "ayah" indiana que combinava os papéis e deveres de criada e babá.

Com a idade de oito anos, conforme a prática imemorial da classe média britânica no estrangeiro, lhe enviaram, incompreensivelmente, para uma escola na Inglaterra e nunca mais voltou. Durante os próximos dez anos ele viveu a vida de um colegial inglês: intenso, competitivo, elitista e exclusivamente macho. Mas também, solitário. Feriados da escola eram passados nas famílias de amigos da escola, com visitas ocasionais dos pais, em suas "licenças".

Pelos padrões do tempo não havia nada particularmente excepcional neste padrão de infância. Mas, todavia, era um padrão que refletiu e marcou fundo na psique, e teve influência significante na trajetória do trabalho e pensamento de Bion.

Toda sua vida,  Bion compartilhou algo da mentalidade composta no exílio que nunca está completamente em casa. O escritor Inglês/Polonês Joseph Conrad seria uma figura exemplificadora, ou mesmo o próprio Samuel Beckett, um irlandês que escolheu viver, trabalhar e escrever em Paris e em francês.

No princípio para Bion exílio não foi uma escolha: foi imposto. Mas depois, em vida, também houve uma ocasião que se tornou uma escolha. Como quando, próximo dos 70 anos, no ápice de sua profissão, Presidente da Sociedade Psicanalítica britânica, ele deixou sua prática em Londres e, totalmente improvável, fixa residência, como psicanalista, em Los Angeles.

Estar no exílio é achar a si mesmo ou colocar a si mesmo fora do familiar, à margem de nenhuma ou completamente fora de qualquer uma das duas próprias culturas, ou a da pessoa ou a do anfitrião. Em ambas é uma quebra com expectativa e aceno de ausência: um "não bastante aqui ou lá".

Isto coloca a si mesmo fora de um "sistema de representação", com suas falas e suposições não ditas, hábitos e molduras mentais podem conduzir ou podem provocar, por desencanto, uma sensação de isolamento que também está arraigada em um certo narcisismo. Mas também pode estimular uma criativa e ansiosa curiosidade: uma recusa para aceitar um aparentemente conhecido mundo outorgado.

Eu acredito que é este o movimento da mente, importando a um tipo de disposição mental que está no coração de todo o trabalho e prática de Bion, ambos no estudo do grupo e do indivíduo. Algo a que ele iria se referir, depois, como a capacidade para alterar o "vértice da pessoa".

Esta sensação de "exílio", porém, causou mais que as experiências imediatas da infância a que referi. No término da infância, Bion foi precipitado para experiências menos familiares mais distantes do que o destino habitual de um inglês, classe média, filho mais velho: as experiências de um soldado no front na Guerra de 1914 - 1918. À erupção de Guerra, Bion ofereceu-se imediatamente para serviço e sem perguntas. Muito da Guerra ele passou como um Chefe de Tanques nos campos de batalha no norte da França.  Terminou a Guerra coberto em honras, condecorado por coragem e promovido ao posto de major.

No fim da vida, Bion descreveu esta experiência em um pedaço notável de auto-biografia: O Longo Fim de Semana.

Neste documento sem igual, ele deixa claro o quanto a Guerra o cicatrizou para sempre. Quebrou nele, como em outros, as ilusões de uma geração perdida e o fixou em um caminho de auto descoberta social que o levaria a trabalhar nos próximos 30 anos. No centro desta experiência estava o começo de um reconhecimento do desperdício da razão humana: a estreiteza da linha divisória entre sentimento inteligente ou inteligência sentida e estupidez cega.

Mais que isto, um reconhecimento de como é penetrante a capacidade para mentir em negócios humanos, encobrir e evadir, do Alto Comando para baixo.

A sensação de exílio, penso que possa ser dito, revirou os intestinos, na estrutura da relação de Bion para com nossa natureza comum.

Isto o levou às experiências de outra Guerra, no meio de sua vida, a descobrir uma posição e um método nos quais esta sensação de exílio interno poderia ser posta em uso criativo.

Em dezembro 1940 Bion foi designado como psiquiatra para se juntar a um grupo de colegas que trabalhavam sob a égide do Comando do Exército, incluindo em seus psiquiatras e psicanalistas aqueles que tinham sido ou tinham se tornado membros recentes da Clínica Tavistock. Com esta capacidade ele foi pioneiro de aproximações radicalmente novas, em primeiro lugar na seleção de oficiais; segundo para o tratamento e reabilitação de soldados que sofriam de neuroses de guerra, usando métodos de grupo.

Não há tempo hoje para desenhar os passos pelos quais estas aproximações adquiriram forma em detalhes. O que eu quero mencionar, porém, são várias suposições ou intuições que, provavelmente no início, parecem ter guiado a evolução do modo de pensar e trabalhar de Bion.

A primeira era a suposição de que o grupo e a relação dos indivíduos com o grupo eram um objeto distintivo e formal de estudo em seu próprio direito.

A segunda, a suposição metodológica, que para estudar este objeto é exigido da pessoa se privar de emitir qualquer declaração ou tomar posição em relação à tarefa do grupo e/ou sua estrutura, por exemplo de liderança. Para por isto de outro modo, a pessoa é exigida a separar, ou "exilar-se a si mesmo do sistema de representação do grupo", enquanto busca permanecer em contato com a ressaca emocional da vida do grupo, como isto é registrado em si mesmo.

Este movimento de abstinência no serviço da compreensão emocional pode ser visto como o equivalente da ênfase de Freud ao ato de abstinência requerido no trabalho psicanalítico individual. Mais tarde, Bion caracterizaria isto como a necessidade do analista suspender "memória e desejo".

Esta era a constelação disposta por estas duas suposições que proveram o espaço mental, tomando emprestado a frase de Robert Young, na qual as diferentes qualidades e a dinâmica de funcionamento do grupo poderiam ser experimentadas, refletido sobre, formuladas e devolvidas através de interpretação.

Também houve uma terceira suposição da qual Bion nunca partilhou. Era que a compreensão que derivou do trabalhar com grupos, e que fez a diferença do comportamento dos seus membros, era sempre e somente uma compreensão do indivíduo no grupo e nunca do indivíduo somente. Seguiu-se daí que o grupo não poderia ser usado como um veículo para terapia individual.

Eu penso que havia um corolário para isto sobre o qual Bion foi menos explícito: isto é, que a compreensão que deriva de trabalhar com indivíduos não pode por si mesma explicar o comportamento do indivíduo no grupo.

Seguiu-se a isso que para alcançar uma compreensão do comportamento humano no grupo era necessário aquilo que Bion se referiu como "visão binocular": a habilidade para ver o mesmo fenômeno (experiência humana e comportamento), ora pelo vértice do indivíduo, ora pelo vértice do grupo.

Esta concepção, arraigada em um paralelismo de método entre psicanalítico e trabalho de grupo, que Bion descreveu como a "prática da percepção científica", paradoxalmente unifica o psíquico e os campos sociais. No sentido que o comportamento individual e social são vistos profundamente, se não exclusivamente, dirigidos pela experiência emocional e pelas defesas que os indivíduos e grupos mobilizam para conter ou cuidar do fardo de ansiedade que tal experiência inconscientemente desperta. É nossa convicção na explicação e na potencialidade do poder construtivo desta concepção, em níveis individuais e sociais que nos trazem aqui a informar o que nós estamos buscando compartilhar e explorar junto.

Qual é a substância da avaliação de Bion da vida de grupo; qual é sua contribuição aos dilemas organizacionais e preocupações sociais em que nos encontramos; como isto é utilizável?

Experiências em grupos

Eu deveria dizer imediatamente que não pretendo descrever em detalhes a avaliação feita por Bion de experiências em grupos. Esta avaliação foi publicada primeiro em uma série de artigos que apareceram no diário britânico recentemente fundado, Relações Humanas, entre 1948 e 1951. Embora Bion tenha utilizado sua experiência em tempo de guerra, a sua fonte primária de material era a sua experiência com grupos de pacientes e com grupos compostos de homens e mulheres de diferentes modos de vida que, no contexto da reconstrução de guerra, ficou interessado em estudar as fontes de cooperação e conflito na vida organizacional e social.

Eu tentarei dizer brevemente como Bion trabalhou e a direção do seu pensamento. É útil lembrar de que na ocasião este pensamento estava tomando forma. Bion também estava fazendo seu treinamento como psicanalista com Melanie Klein. De fato está claro nas suas cartas publicadas, e nas avaliações dos contemporâneos de Bion, que a Sra. Klein era um pouco insensível a este interesse dual. Mas Bion, para nossa vantagem, nunca foi alguém que facilmente subordinou-se aos juízos ignorantes de outros, mesmo que eminentes.

Certamente a experiência analítica dele influenciou e ajudou a moldar seu pensamento sobre grupos, mas igualmente mais tarde proveu uma fonte de percepção de aspectos da própria experiência analítica.

A postura de Bion ao trabalhar com grupos, como eu já aludi, fundamentalmente era, como nós poderíamos dizer agora, não-diretiva. Quer dizer, ele não buscou fixar um programa de trabalho, impor ou sugerir uma estrutura. Ele assumiu que os membros estavam atentos da tarefa do grupo e que em algum nível desejavam colaborar trabalhando naquela tarefa.
Ele simplesmente determinou a si mesmo observar o que acontecia e fazer um comentário sobre isto se ele sentisse que a observação poderia ser útil. O instrumento que ele desenvolveu foi, em primeiro lugar, o que ele mais tarde chamaria de "bom senso" pelo qual ele quis dizer, eu penso, "o uso de todas suas sensações em comum".

Porém, também havia algo mais que isto e importa a uma sexta sensação que era a capacidade para registrar e assistir à qualidade da experiência emocional que acontecia nele mesmo: apreensão, enfado, irritação, pressão para fazer ou dizer algo, ou não fazer ou não dizer algo, o sentimento de ser no fim receptor de expectativas poderosas ou sentimentos dos outros: admiração, desprezo, inveja, ódio, curiosidade, amor etc. Esta atenção para as próprias experiências emocionais incluiu a atenção às correspondentes ou contrastantes experiências do grupo e as maneiras nas quais as várias constelações de experiências circulavam dentro e entre os diferentes membros.

Adotando tal postura, Bion foi rapidamente alertado sobre a resistência, incompreensão e suspeita que despertava.

Se ele não estava comandando, como o grupo poderia trabalhar? Ele estava jogando algum tipo de jogo?

Seguramente com todas essas iniciais depois do nome dele e com a posição dele como psiquiatra ou a reputação dele como "comprador de grupos" ele deveria fixar o grupo em seu curso?

Membros do grupo esperavam algo que estivesse presente. Bion reconheceu a expectativa mas recusou a obedecer.

Ele fez, você poderia dizer, o presente esperado, ausente. Para fazer algo ausente, desconhecido, impensável mas penetrante, presente. Não por teimosia. Mas porque não estava suficientemente claro por que esta expectativa precisava ser satisfeita. Afinal de contas a tarefa do grupo estava clara. Não parecia ser uma tarefa que precisasse de um líder, desde que não havia nenhuma decisão urgente para ser tomada. O desejo de um líder não apareceu baseado em qualquer realidade evidente. Então em que isto estava fundamentado?

Era a exploração deste enigma que pode parecer assim tão fácil que nós poderíamos chamar de "bom senso", no sentido mais habitual deste termo, desde que seguramente todo grupo precisa de um líder e quem melhor se não o "expert" designado, - foi esta exploração que conduziu ao coração das percepções de Bion.

Pondo muito cruelmente e talvez tornando simples a resposta para este enigma, o término da jornada de Bion, se mostra como algo assim: O grupo, qualquer grupo, organização, sociedade, precisa e evolui uma estrutura de tarefas, papéis, procedimentos, regras, status designado (isso que Bion chamado de "cultura" de grupo) para conter a ansiedade do desconhecido e as respostas que, inconscientemente, é mobilizado para defender contra aquele desconhecido. O desconhecido é ao mesmo tempo o que é desconhecido e temido em cada de nós e o que é desconhecido nas realidades com as quais nos engajamos na vida e no trabalho.

Dentro do grupo, acreditou Bion, a pessoa pode ver operando um número de poderosos inconscientes e desaprendizados, quase-instintivo, estratégias de evasão e negação. Bion viu estas estratégias de evasão e negação como constituindo isso que ele determinou uma "mentalidade" de grupo, oposta às metas conscientes, intenções e esforços dos indivíduos.
Nenhum grupo, nenhuma organização e nenhum indivíduo, mesmo que sofisticado, sempre está completamente fora da esfera da mentalidade do grupo neste sentido. E, paradoxalmente, Bion acreditou, isto é pelo menos em parte, porque a habilidade do grupo para mobilizar mentalidade de grupo é uma poderosa fonte desaprendida de cooperação, (Valência)

Claro que, cooperação tem raízes mais benignas. Nós precisamos cooperar para alcançar muitos se não todos nossos desejos individuais. Da mesma maneira que, e este é um ponto que Bion nunca negou, nós precisamos de estruturas pelas quais cooperar e dar direção aos empreendimentos em que nos empenhamos. Mas este mais positivo e mais realidade baseada em fontes de cooperação e estrutura é "o pano de fundo" de algo mais primitivo e defensivo.

A tarefa da liderança e a habilidade intuitiva do líder talentoso é equilibrar as exigências de cooperação e estrutura no serviço da realidade, com os constrangimentos inevitavelmente impostos pela mentalidade de grupo no serviço de defesa.

Eu falei sobre "mentalidade" de grupo em condições muito gerais. De fato muito do pioneiro trabalho de Bion situa-se na variedade de estratégias de evasão e negação que incluíram aquela mentalidade.

Havia três estratégias que Bion identificou como sendo mutuamente exclusivas entretanto intercambiáveis, e cada uma delas foi caracterizada por constelações particulares de emoção e fantasia. Bion chamou de "Suposições Básicas": porque elas pareciam ser rudimentares, não aprendidas, instintivas; suposições, porque elas operavam como mitos com base em um implícito "como se". Elas foram nomeados respectivamente como Dependência, Luta/Fuga e Pareamento.

Brevemente um grupo que opera sob suposição básica de dependência se comporta "como para ser sustentado por um líder de quem depende para nutrição, material e espiritual, e proteção". O líder pode ser uma pessoa, um livro ou idéias e convicções que operam como uma bíblia.

Um grupo que opera sob a suposição básica de luta/fuga se comporta como se devesse lutar contra algo ou correr para longe disto.

Um grupo que opera debaixo da suposição básica do pareamento está preocupado com a idéia do nascimento potencial ou aparecimento de alguém ou algo que os salvará de seu estado presente, de sentimentos de ódio,  destruição e desespero. Seu emocional prevalecente é de esperança e expectativa: como Bion diz: a próxima  estação será mais agradável; como algum tipo novo de comunidade - um grupo melhorado, sociedade, nação - será desenvolvido etc.

Eu não quero aqui repetir o que Bion disse sobre as Suposições Básicas e suas variáveis. É mais sutil, complexo e rico que eu fiz isto parecer. Mas imagino que maioria de nós pode reconhecer na história de nossas próprias organizações e talvez até mesmo mais de nossas próprias sociedades, algo que ressona com estas  breves descrições.

O ponto mais importante que eu desejo enfatizar é a sinceridade de Bion reconhecendo que a fonte de tais constelações está na nossa intolerância e medo do que é incerto, desconhecido em nós mesmos, nossas situações, nosso compromisso com o mundo,: emocionalmente, intelectualmente, espiritualmente.

Eu acredito que esta sinceridade e o reconhecimento de Bion da força, sutileza e inevitabilidade dos estratagemas inconscientes de vacância que nós temos disponíveis como seres humanos, novamente paradoxalmente, é a melhor oportunidade que temos para criar condições de transformar nossa experiência no mundo em que vivemos e trabalhamos.

Como uma tentativa de justificar esta afirmação eu quero dizer algo da minha própria experiência de buscar trabalhar dentro desta armação de referência como um consultor  organizacional. Farei isto descrevendo o curso de uma recente tarefa.

A Administração da Vulnerabilidade

Eu estou trabalhando com o Executivo Principal de uma agência pública no REINO UNIDO, conhecido como a Autoridade do Serviço de Hospitais Especiais. Hospitais especiais são instituições psiquiátricas que trabalham com os homens e mulheres condenadas pelos Tribunais de Ofensas contra a pessoa: agressão física, assassinato, violência sexual e abuso.

Eu o vejo uma vez por quinzena no Instituto onde eu trabalho. Ele está vindo porque, após ser designado como o Executivo Principal deste Serviço, há três anos atrás, buscou introduzir um programa radical de mudança organizacional. O objetivo desta mudança é transformar uma cultura existente em duas direções: de uma cultura de prisão e controle para uma de retenção e cuidado terapêutico; e de uma cultura de dependência da autoridade central para uma de responsabilidade dividida. Esta mudança é difícil e está provocando resistência. Também é arriscada e o público (comunidades de Governo/imprensa/local) está vigilante.

Este público é altamente ambivalente: assustado e temeroso da periculosidade existente nestas instituições que quer manter longe da vista, fora da mente: mas também culpado e sensível para comprovar o tratamento doente e abuso.

Se os pacientes escapam há um clamor imediato: também se são liberados pacientes notórios. Se um paciente comete suicídio, mata ou é morto dentro do hospital, há um clamor para um inquérito público. Produz um relatório e é esperado que cabeças rolem.
O Executivo Principal conhece algo do trabalho que meus colegas e eu fazemos com organizações. Ele pensa que pode ser de utilidade refletir sobre as próprias experiências como Chefe Executivo e os dilemas e desafios que está enfrentando. Nós concordamos com um contrato de consultas individuais regulares. Depois ele me convidará a trabalhar com os gerentes de unidade de cada hospital se eles escolherem fazer isto.

Nas primeiras sessões com meu cliente o trabalho enfocou dois postos. Um é examinar a estratégia de mudança em que a Autoridade está embarcando e analisar as resistências, internas e externas, estrutural e cultural. O outro está em tentar entender "a organização na mente" do meu cliente: como eu significo a realidade emocional da organização que está registrada nele e qual o relato dele para a organização, consciente e inconscientemente.
Por exemplo, um aspecto desta realidade relaciona-se ao modo como o tempo é estruturado. É como se duas balanças de tempo estejam simultaneamente presentes, contendo tensão dentro da instituição e seus membros. Por um lado há uma "real" cronometragem, com suas urgências e demandas: por outro um tipo de tempo ilusório no qual nada vai ou pode mudar - que reflete de alguns modos a decisão formal dos Tribunais para punir os pacientes com sentenças indefinidas.

O trabalho vai bastante bem, mas  estou com uma sensação de perder o coração do assunto! Há um sentimento de estar na presença de algo desconhecido, enganoso, mas próximo.

Pela metade da série de sessões que foram contratadas, o Executivo Principal escreve e me envia uma Memória Auxiliar de Identificação de Assuntos Chaves. Eu sou golpeado por um artigo no qual ele se refere ao "isolamento/vulnerabilidade" do Executivo Principal, particularmente em um organização que não tem nenhuma contrapartida e que é inexperiente em trabalhar com alto perfil e metas ambiciosas.

Nós já mencionamos este tema em várias ocasiões. Meu cliente viu isto como um perigo profissional relacionado ao papel particular dele. Isto é exacerbado pela qualidade das relações dele com o Presidente do Serviço, de quem ele é íntimo, mas impossibilitado usar como um "container" para suas próprias incertezas. Eu estou atento de ser usado deste modo, como um tipo de substituto para o Presidente. Agora, lendo esta Memória Auxiliar, eu tenho um sentimento que esta explicação não vai longe bastante. O tipo de pergunta que eu me faço é "por que este sistema precisa de seu Executivo Principal para ser vulnerável, ou experimentar vulnerabilidade"?

Por este tempo  comecei a trabalhar com dois dos Gerentes dos Hospitais individuais e com o Diretor de Lactância.  Começo a notar como cada um deles comunica sentimentos semelhantes de vez em quando. Também o número de situações em que algumas sessões têm que ser canceladas ou adiadas por causa de enfermidade. Se vulnerabilidade é um perigo profissional, parece não ser a respeito das pessoas.

Mais importante que isto,  começo a entrar em contato com meus próprios sentimentos de vulnerabilidade na presença de meus clientes. Por exemplo, com um gerente que voluntariamente escolheu começar as sessões,  tenho todavia freqüentemente sentido como o receptor de algo parecido com hostilidade: um tipo de olhar morto me desafia para dizer qualquer coisa útil e isso tem uma carga explosiva bastante física. Em resumo, eu me sinto assustado, instigado e tentado a ser um punitivo. Com outro gerente eu experimento sendo ser atirado em sua mente que reassegura, na presença de evidências. a catástrofe iminente.

Estas experiências de vulnerabilidade na presença de meus clientes têm uma ressaca institucional, disso eu me dou conta de ambos os sentimentos de vulnerabilidade de minha própria instituição - o que acontecerá se eu fizer uma bagunça nesta tarefa; e de experiências que sentem a vulnerabilidade da minha própria relação com minha instituição. Eu acredito que estes registros em mim mesmo, podem ser entendidos como correlação da experiência de meus clientes. Mais exatamente, eu diria que eu me experimento temporariamente como ambos na instituição deles: algo como um tipo de identificação de projeção institucional.

Em alguma fase neste processo eu decido pesquisar "vulnerabilidade" no Dicionário Webster. É definido lá como " capaz de ser ferido: sujeito a dano ou crítica; assunto a ser injuriosamente afetado ou atacado. Eu percebo algo que  poderia ter encontrado mais cedo. Estar em um Hospital Especial , seja como paciente ou provedor, seguramente é por a si mesmo, ou ser colocado através de outros, em uma posição que expõe a si mesmo para ser vulnerável, para experimentar a vulnerabilidade da pessoa.

Além disso, a razão dos pacientes, ou da maioria dos pacientes, é justamente que o comportamento deles expõe ou explora o vulnerabilidade de outros. (Eu reconheço que isto pode ter envolvido os próprios sentimentos de vulnerabilidade dos pacientes, projetados nas suas vítimas).

Visto desta perspectiva, eu sinto agora, que os sentimentos dos gerentes de serem isolados e vulneráveis, pode ser entendido como uma inscrição neles de uma experiência emocional que é parte da vida da organização inteira; isso surge e em troca ilumina a natureza da tarefa na qual todos os membros da organização estão comprometidos.

Como tal eles não estão a favor tanto de um perigo profissional mas como a matéria-prima de trabalho: processando e respondendo adequadamente ao que está acontecendo na interação entre pessoal e pacientes, pacientes e pacientes, pessoal e provedores de pessoal, a organização como um todo e seu contexto.

Eu posso formular então que no pensamento dos Hospitais Especiais e desses que trabalham neles são apresentados com a tarefa emocional de "administrar vulnerabilidade"; ou, mais justamente, de administrar as experiências emocionais de ser vulnerável e de produzir outras vulnerabilidades à si mesmo. Esta tarefa emerge para mim como o processo primário da instituição: não seu objetivo, mas algo sem o qual nenhum de seus objetivos declarados será alcançado.

O que meus clientes me colocaram é que, enfrentada com tal situação emocional, a pessoa é puxada em projeção.

Como gerentes destas instituições eles são o recipiente destas projeções. Como um consultor que trabalha com eles eu sou o recipiente das suas projeções. Como instituições, os Hospitais Especiais são os recipientes das projeções da sociedade: seu medo de e seu medo para o que é muito vulnerável em si mesmo.

Consequentemente a ambivalência: a oscilação contínua entre demandas que a vulnerabilidade deslocou para os  Hospitais Especiais,  limitada e controlada para nos manter seguros; e a culpabilidade do custo, do risco para o cuidado humanitário e do tratamento.

Esta formulação surge fora do espaço entre meus clientes e eu e lança e revela. Fixou um novo programa de trabalho porque clarificou onde estava a resistência para o programa de trabalho de mudança. Para este programa de trabalho implica uma capacidade para fazer a si mesmo vulnerável, e dirigir aquela nova experiência mais emocionalmente. O desafio é conter esta vulnerabilidade, não controlar ou projetar. Mas para conter isto, tem que não ser reconhecido como um perigo mas como uma ocasião: a ocasião para trabalho: a prova de estar em contato e os meios de manter contato.

É o que aconteceu entre meus clientes e eu? Eu me referi anteriormente, durante o trabalho com o Executivo Principal, que tive a sensação de estar na presença de algo "desconhecido", enganoso mas próximo. Mas eu vejo isto agora diferente: que meus clientes e, na medida em que eu estava em contato emocional com meus clientes, eu, estava na presença de algo conhecido mas não formulado: algo "impensável"; o modo de ser da organização.

Conhecer o impensado. A frase não é minha. É tirada do trabalho do psicanalista britânico Christopher Bollas para o qual eu fui apresentado por um colega íntimo durante o curso da tarefa que eu descrevi. Eu não estou qualificado para expor as idéia de Bollas que se originam do encontro psicanalítico entre o analista e o analisando. Mas como todas as conjunções criativas (compare isto, por exemplo, com a frase de Wilfred Bion "pensamentos à procura de um pensador") mostra ressonâncias em outros espaços, outros contextos.

Eu penso que o que eu estou tentando compartilhar pode ser visto como um trazer à tona algo conhecido na organização, conhecido no emocional e físico e talvez vida imaginária da organização que resiste à formulação: algo primário e usual que é vivido mas só como uma sombra. E uma vez formulado, uma vez trazido para o pensamento, paradoxalmente, cria uma diferença para a qual faz uma diferença como toda decisão, política, ação é compreendida.

Não torna as coisas mais fáceis; não mostra a um cliente o que fazer. Mas descobre significados: apresenta o cliente, como isto é, para organização nele e ele na organização.

E esta revelação cria um novo programa de trabalho.

Conclusão

Descrevendo este caso a você eu fiz uma pequena referência a Bion ou, mais especificamente, para os conceitos imediatos e preocupações de relações de grupo. Ainda penso como trabalhei, e com o que trabalhei e o que emergiu para meus clientes e para mim deste trabalho, não poderia ter acontecido sem os fundamentos que estes tinham colocado, a geografia que eles  abriram e  desenharam em meu próprio "espaço" mental.

O que causa, agora ao término do dia, um bem, uma sensação positiva, aqui em seu país como em minha casa: um programa de trabalho que, mesmo difícil nos enviará, pelo menos, ao que é real. Eu acredito que é nada mais, nada menos que a abertura da percepção para a troca de um com o outro, de mim e você, de eu e tu.