19/03/2021

Práticas Grupais - Histórico - Osvaldo Saidon et al

 

PRÁTICAS GRUPAIS - HISTÓRICO

Osvaldo Saidon et al.

(Práticas Grupais, Editora Campus, Rio de Janeiro, 1983)


Esta breve introdução histórica visa unicamente a assinalar os antecedentes mais significativos daquelas escolas de Psicoterapia de Grupo que podem ser consideradas as de maior difusão na atualidade. O objetivo da mesma será, portanto, o de ajudar a situar o leitor no complexo panorama em que se apresenta a Psicoterapia de Grupo em nossos dias. Carecemos ainda, por conseguinte, de um verdadeiro trabalho de
pesquisa historiográfica sobre a produção de conhecimento em relação aos grupos, particularmente daquela desenvolvida em nosso país. Este estudo, quando empreendido, deverá tornar-se um substrato imprescindível para a produção de uma escola de Psicoterapia de Grupo que seja produto de nosso próprio desenvolvimento político-cultural. 


Sem dúvida - e nisso coincidem diferentes autores - foi o desenvolvimento tanto da Psicanálise como da Microssociologia aquele que permitiu o surgimento de um pensamento original em teoria dos grupos, assim como a difusão da grupoterapia em diferentes países. Destacamos ainda, no quadro, o Psicodrama como uma das práticas que, desde os primórdios, contribuiu com uma série de conceitos férteis à dinâmica grupal.
Teve o Psicodrama o valor histórico de, a partir da genialidade de Moreno, intuir uma série de articulações possíveis entre o pensamento sociológico e a Psicologia, tanto através de seu teatro terapêutico como de sua proposta sociogramática. 

Nos dias atuais existem inúmeras práticas grupoterapêuticas onde se entrelaçam ecleticamente e, às vezes, sem reconhecimento explícito, as três tendências originais: a Microssociologia de K.Lewin, a Psicanálise e o Psicodrama. Este panorama vem a se complicar ainda mais quando percebemos que tanto o horizonte político-econômico como o cultural em que se desenvolvem estas técnicas fazem com que recebam marcantes influências ideológicas. Estas irão determinar o tipo de campo (ou espaço) a ser pesquisado, assim como os limites de seu desenvolvimento. 

A maioria dos autores coincide ao assinalar, como pioneiro da Psicoterapia de Grupo, o médico J. Pratts, que realizou seus trabalhos em 1906 com grupos de tuberculosos.  Sua prática teve uma difusão importante e consistia, basicamente, em classes coletivas com mais de 80 pacientes, onde se tentava instalar um regime de cooperação e emulação mútuas para que os pacientes pudessem acelerar sua recuperação física dentro da clínica.  O mérito de Pratts consistiu em utilizar pela primeira vez as emoções coletivas com vistas a uma finalidade terapêutica.  Sua técnica era ativa e aspirava à aparição controlada de sentimentos de emulação, rivalidade e solidariedade no grupo. neste, os "bons pacientes" eram premiados através de um sistema de promoções que os colocava mais perto do terapeuta, pois passavam a se sentar na primeira fila.  A estrutura e função deste tipo de grupo recorda a prática de certos grupos religiosos que visam a fins similares. 

Mas será Moreno aquele que, em 1931, irá cunhar a expressão Psicoterapia de Grupo. desde 1920, Moreno já vinha usando técnicas de grupo, e sua abordagem está centrada na importância, por um lado, das técnicas sociométricas para a investigação social e, por outro, na ênfase sobre a catarse e a dramatização de conflitos psicológicos como fatores terapêuticos principais. 

Em 1936 irão aparecer as primeiras publicações psicanalíticas, quando L.Wender e depois P. Schillder começam a usar as técnicas de origem psicanalítica com Grupos Terapêuticos. Ao mesmo tempo, os desenvolvimentos no campo da Psicologia e da Microssociologia, que têm seu investigador mais destacado em K.Lewin, darão possibilidades para que o trabalho psicoterapêutico com grupos comece a se assentar em bases de experimentação. Estas bases concedem, a partir dos anos 40, um status de cientificidade à Psicoterapia de Grupo. 

Deste momento em diante, a difusão das práticas grupais em Psicoterapia será progressivamente ampliada, notadamente a partir das condições de pós-guerra. A este respeito, assinalam-se frequentemente os determinantes sociais e as condições econômicas e políticas que possibilitam o surgimento e o desenvolvimento das técnicas de grupo no campo da saúde mental. Citemos algumas: necessidade de extensão do atendimento em saúde mental a setores mais amplos da população; aumento da demanda de atendimento; surgimento de programas comunitários ante a necessidade de recuperação rápida da mão-de-obra deteriorada. 

A partir dos anos 60 assistimos a uma nova reformulação no trabalho terapêutico com grupos, influenciada pelo auge das chamadas técnicas de potencial humano. Estas técnicas propiciam uma forma de trabalho não-verbal e deslocam a ênfase do trabalho, antes ligado à liberação da palavra, para a liberação do corpo.  Este movimento, que tem sua origem na Califórnia, vai estender-se por vários países.  Atualmente, práticas como a do Grupo de Encontro de Rogers, a Gestalt-Terapia de Perls e as orientações bioenergéticas influenciam marcadamente todo o desenvolvimento da Psicoterapia de Grupo. 

Outra linha que se desenvolve nesta mesma época, retomando os trabalhos de W.Reich nos primórdios da Psicanálise, procura articular os conhecimentos psicanalíticos sobre o inconsciente dos grupos com uma concepção materialista-histórica da sociedade. A opção por Freud-Marx para o trabalho com grupos tem seu desenvolvimento especialmente na América Latina e França, propondo-se não só a uma prática diferente no campo psicoterápico, como também a um trabalho ideologizante no campo da saúde mental. Além disso, contribui com uma produção teórica significativa dentro da chamada teoria das ideologias. Generalizando, podemos incluir dentro desta linha desde a prática de Grupos Operativos, formulada pela Escola de Psicologia Social de Pichon-Rivière, até as tendências atuais da Análise Institucional e Psicossocioanálise na França. 

Influência do pensamento sociológico

Na realidade, é no desenvolvimento da Sociologia moderna que se observa pela primeira vez o interesse pelo estudo dos pequenos grupos. O fato de que a experiência imediata da vida social se situe sempre em grupos - a família, a turma, os amigos, os colegas de trabalho, o grupo sindical - fomentou a esperança de que o estudo dos mesmos nos permitisse descobrir as leis profundas que regem tanto o indivíduo como a
sociedade. A Psicologia Social chegou assim a ser, para alguns, o paradigma de toda ciência, aquela que viria a contornar todos os problemas que assediavam a sociedade contemporânea. A questão ficava colocada da seguinte forma: assim como o conhecimento das leis que regem o pequeno grupo permite ao psicossociólogo instalar um clima de colaboração na empresa, escola ou grupo experimental de trabalho, por que estes métodos não poderiam ser utilizados para por fim à luta de classes, à guerra, ao racismo etc? O próprio Moreno e mesmo K. Lewin consideraram seus trabalhos coerentes com este tipo de projeto, com base em um otimismo ingênuo que rapidamente se viu absolutamente injustificado. A extrapolação das observações sobre os pequenos grupos à sociedade global acabou fazendo com que os psicossociólogos
funcionassem como agentes de defesa de instituições obsoletas, organizando artifícios para contornar os conflitos e a sublevação daqueles grupos que chegavam a questionar a organização social então vigente.  Assim, um certo "ópio psicológico" veio, mais que a desvelar, a ocultar a verdadeira realidade social. 

Este legado ingênuo e otimista está presente desde a origem do pensamento sociológico, com Charles Fourier. Neste pensador utópico, muitos autores vêem o precursor da atual psicossociologia. Com Fourier começaram as preocupações experimentais em relação ao trabalho com grupos, já no século XIX. Fourier propôs um experimento global, de ampla duração, com a constituição de uma comunidade, denominada
falange, caracterizada pela supressão da repressão. Esta comunidade ideal, composta por um determinado número de pessoas, funcionaria como uma sociedade socialista, na qual nada seria deixado à improvisação, mediante um plano de traçado sistemático e preciso. Fourier tentava, assim, organizar um sistema de harmonia social, fundado na constituição de grupos organizados com base nas "paixões" do homem e em sua psicologia. 

G. Lapassade assinala que a obra de Fourier, apesar de sua aparente ingenuidade, está cheia de antecipações daquilo que apenas um século depois irá propor a Psicologia dos Grupos ou Psicossociologia, como, por exemplo: a criação de grupos artificiais com tarefas comuns, a impossibilidade de separar investigação de aplicação e o fato de que as mudanças pedagógicas, psicológicas e políticas sejam necessariamente solidárias. 

Mas serão dois grandes iniciadores europeus das Ciências Humanas - Durkheim e Freud - aqueles que irão permitir que se assentem as bases para uma Psicossociologia dos grupos restritos. Durkheim, considerado fundador da Escola Sociológica Francesa, interessa-se em grau considerável pelos grupos específicos: família, escola e sindicato. Além de ser o criador da expressão "dinâmica social", Durkheim produzirá uma série de conceitos e teorias, relativos à solidariedade, à anomia e aos símbolos sociais, contribuindo para a compreensão de processos coletivos. 

Alguns anos depois, Freud esclarecerá as relações entre o líder e o grupo, através de sua concepção acerca do ideal do ego e dos enlaces libidinais que regulam a existência de qualquer agrupamento. 

Tanto o modelo sociológico como o psicanalítico prepararam o terreno onde Kurt Lewin, em 1944, irá cunha a expressão "dinâmica de grupo" em um artigo dedicado às relações entre a teoria e a prática da Psicologia Social. A dinâmica de grupo, guiada pela metodologia da "investigação ativa", inspirou a criação de um organismo de estudos, o Research Center of Group Dynamics, que, em 1948, integrou-se ao Instituto de Pesquisa Social da Universidade de Michigan. Não nos estenderemos sobre a corrente lewiniana, já que neste texto lhe dedicamos um capítulo especial. Digamos aqui, apenas, que as duas concepções básicas da dinâmica lewiniana, aceitas hoje pela quase totalidade das correntes são: 

a) a investigação e a intervenção devem estar estreitamente relacionadas; 

b) a mudança e a resistência à mudança constituem os aspectos essenciais da vida dos grupos. 

Pouco tempo depois, na Argentina, Enrique Pichon-Rivière irá tentar uma articulação entre as teorias lewinianas e a Psicanálise. De suas experiências pioneiras em trabalho com grupos na América Latina irá surgir uma importante corrente de Psicologia Social, capaz de produzir uma série de conceitos originais para a prática psicológica e psiquiátrica. Surgirá, assim, a teoria dos grupos operativos, onde, através de uma
epistemologia convergente, serão ensaiadas fecundas articulações entre a Microssociologia e a Psicanálise, com vários conceitos oriundos do materialismo histórico. 

Influência da Psicanálise

O prestígio crescente da corrente psicanalítica dentro do campo das psicoterapias na América Latina fará com que o estudo e o trabalho se voltem para o desenvolvimento da aplicação da Psicanálise aos grupos.  Em 1957, com a publicação de Psicoterapia de Grupo, de Grinberg, Langer e Rodrigué, ficou definitivamente instalada a corrente psicanalítica de grupo na América Latina, a qual continua exercendo uma enorme
influência em todos os desenvolvimentos subsequentes neste campo. 

Faremos aqui uma breve referência ao desenvolvimento histórico da Psicanálise de Grupo, remetendo o leitor ao capítulo correspondente para uma abordagem mais detalhada sobre as contribuições teóricas de cada um dos pioneiros da mesma. 

Em toda a Europa, mas especialmente na Inglaterra, as idéias de Lewin exerceram marcante influência sobre vários psicanalistas que se dispunham a tentar a aplicação do legado freudiano ao trabalho com grupos. A Escola de Tavistock iniciou uma série de investigações e os primeiros trabalhos publicados já estavam assinados por aqueles que são ainda hoje considerados os pioneiros da Psicanálise de Grupo: Ezriel, Foulkes, Anthony, Bion, Slavson. O intenso intercâmbio entre as correntes inglesas e argentina de Psicanálise fará com que o desenvolvimento da Psicanálise de Grupo se veja cada vez mais influenciado pelas idéias de Melanie Klein, segundo a sistematização de Bion. Este autor inglês fará a originalidade dos conceitos kleinianos aplicados a grupos. Sua teoria dos pressupostos básicos e do grupo de trabalho fornece novo impulso à tentativa de fundamentar cientificamente a Psicanálise de Grupo. Nestas mesmas bases, sociedades de Psicanálise de Grupo serão fundadas em vários países. 

Mais recentemente, a partir dos anos 60, surge o que podemos denominar Escola Francesa de Psicoterapia de Grupos que, a partir dos trabalhos de Anzieu, Kaes, Missenard e outros, aprofundará o conceito de inconsciente grupal, propondo uma série de articulações originais entre o kleinismo dominante e alguns conceitos psicanalíticos reformulados pela escola de J. Lacan. As idéias do grupo entendido como um sonho, de inconsciente grupal, de aparelho psíquico grupal e do líder como resistência são algumas das mais fecundas desta orientação. 

Influência das Escolas de Potencial Humano

Conforme já assinalamos, a partir dos anos 60 uma série de novas técnicas começaram a ser introduzidas no trabalho com grupos. Georges Lapassade caracterizou esta etapa como dominada pelo desenvolvimento tecnológico, "levado em seu movimento tanto pela modernização das técnicas como pelo desenvolvimento da automatização e as transformações das indústrias modernas com novas formas de gestão". 

O princípio de não-diretividade será a principal bandeira de toda esta restruturação do campo psicoterapêutico, tendo em Rogers seu principal gestor. O centro das análises, a partir deste momento, estará menos na compreensão da dinâmica grupal do que no questionamento da relação terapêutica: "em resumo, a não diretividade é uma política antes de ser uma psicologia genética, um método terapêutico ou uma nova concepção da Pedagogia". 

A capacidade de impugnação que esta corrente traz às práticas terapêuticas mais tradicionais vai colocar o núcleo de sua prática junto a todo um movimento de contestação psiquiátrica que surge na mesma época.  Porém o exagerado psicologismo, tanto como o apoliticismo da maioria destas correntes (Bioenergética, Gestalt-terapia, Grupos de Encontro etc.) irá reduzir seu trabalho, na atualidade, a uma série de reformulações técnicas no interior do trabalho com grupos. 

Influência da Análise Institucional

Finalmente, em 1962, na França, surge a corrente de Análise Institucional, que procurará abordar o grupo na relação instituinte-instituído, estudando a instituição como lugar de reprodução das contradições sociais. A Análise Institucional vai encontrar na Socioanálise proposta por Lourau ou na Esquizoanálise de Deleuze e Guattari sua dimensão intervencionista, segundo o levantamento de um dispositivo analisador que revele o oculto e o que provoca as crises existentes nos diferentes agrupamentos. Esta corrente assume manifestamente seu conteúdo político, onde a luta de classes e o papel do Estado serão determinantes fundamentais na constituição do sujeito, assim como na elaboração do complexo de Édipo. 

A proposta terapêutica consiste em transformar os grupos sujeitados (aqueles cujas leis vêm do exterior) em grupos-sujeitos, capazes de repensar sua submissão e criar suas próprias leis. A chamada Esquizoanálise, a partir das noções da Psicologia Institucional, afirmará que o ato terapêutico é um ato institucional determinado pelo coletivo e pelos outros. Os grupos de base propostos por esta corrente evitariam as relações hierárquicas e institucionalizadas. F.Guattari propõe uma multiplicidade de grupos que irão substituindo, desde a base, as instituições propostas pelas classes dominantes. Como vemos, o falanstério de Fourier, com concepções às vezes mais científicas ou mais sofisticadas, reaparece a cada novo proposta no campo da Psicologia dos Grupos.

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