19/03/2021

Antecedentes do Laboratório - Charles Seashore

 

ANTECEDENTES DO LABORATÓRIO

Charles Seashore

(De Reading Book For Laboratories in Human Relations Training, NTL Institute For Applied Behavioral Science, 1972)

(Traduzido por Mauro Nogueira de Oliveira)

A gênese dos princípios que regem o Grupo T pode ser encontrada em um Laboratório que funcionou no State Teachers College em New Britain, Connecticut, durante o verão de 1946.

Este projeto de investigação sobre a aprendizagem foi patrocinado pela Connecticut Inter-racial Commission, pelo Connecticut Department of Education e pelo Research Center for Group Dynamics, dependente então do Massachusetts Institute of Technology. O objetivo destes patrocinadores era formar líderes locais mais eficientes para facilitar a compreensão e aplicação da lei sobre práticas equitativas na contratação de pessoal. O propósito do patrocinador do projeto, o Research Center for Group Dynamics, era examinar diversas hipóteses relacionadas com as consequências dos incidentes que se produziriam nas conferências e com as condições que determinaria diferentes efeitos sobre os participantes em função da mudança de conduta nas situações que enfrentariam no regresso a seus lares.

Os líderes do treinamento eram Kenneth D. Benne, que pertencia então à Universidade de Columbia; Leland P. Bradford, da Associação Nacional de Educação, e Ronald Lippitt, do RCGD. Os investigadores eram Kurt Lewin, do RCGD; Ronald Lippitt, e três observadores que, nessa ocasião eram estudantes graduados em psicologia social: Morton Deutsch, Murray Horwitz e Melvin Seeman.

Os três pequenos grupos de dez membros cada um, onde os participantes passavam grande parte de seu tempo formal de treinamento, não eram exatamente o que se entende por Grupos T. Se centravam em análise de problemas do meio familiar trazidos pelos membros. O método de ensino e aprendizagem mais utilizado era a discussão em grupo, complementada por atuação de papéis, tanto para diagnosticar os aspectos de conduta dos problemas apresentados como para por em prática alternativas para a solução desses problemas. O plano do currículo formal não considerava a análise de fatos no aqui-e-agora como fontes de aprendizagem. 

Se designou um observador para cada um dos três grupos, que se dedicaram a codificar as condutas de interação dentro deles e a registrar a sequência segundo um programa de observações que fazia parte do plano de treinamento.

Ao começar a conferência, Kurt Lewin havia preparado reuniões noturnas dos membros da equipe de treinamento e os observadores para registrar em gravações o observado nos processos de cada grupo.  Também se tentaria fazer a análise e interpretação da conduta dos líderes, dos membros e do grupo.

A princípio se pensou que só interviriam os membros da equipe nas reuniões noturnas, mas como alguns participantes que estavam vivendo no lugar solicitaram permissão para assistir, depois de algumas discussões se resolveu dar essa oportunidade aqueles que quisessem ir voluntariamente. A equipe não sabia que efeitos provocariam nos participantes a descrição e análise de suas próprias condutas. Tampouco existia uma idéia clara de como manejar as reações de participantes e equipe ante estas experiências.

Na realidade, a discussão franca de suas próprias condutas e as consequências observadas teve um efeito elétrico tanto sobre os participantes como sobre os líderes do treinamento. Em resumo, os participantes colaboraram com os observadores e líderes do treinamento na sua intenção de analisar e interpretar os fatos de conduta.

Não havia passado muitas noites quando todos os participantes, tanto os residentes como os que não o eram, assistiam às sessões. Algumas se prolongaram pelo espaço de três horas. Os participantes declararam que estavam deduzindo dados importantes para a compreensão não só de sua própria conduta mas, também, da de seus grupos.

A equipe de treinamento tomou consciência de que haviam dado, sem querer, com um meio e um processo de reeducação potencialmente poderoso. Se foi possível que os membros de um grupo se enfrentassem de maneira mais ou menos objetiva com os dados acerca de sua própria conduta e com seus efeitos, e que participaram despojados de defesas na reflexão destes dados, poderiam chegar a aprender coisas muito significativas sobre eles mesmos, sobre as respostas dos demais e sobre a conduta e evolução do grupo em geral.

OS PRIMEIROS LABORATÓRIOS REALIZADOS EM BETHEL E O GRUPO T  (1947-1948)

A equipe de treinamento do laboratório que se levou a cabo em New Britain associou-se com outras instituições para planejar um sessão de verão que teria lugar na Academia de Financistas de Bethel, Maine, em 1947, e que se prolongaria pelo espaço de três semanas. Os patrocinadores conjuntos eram a Associação Nacional de Educação e o Centro de Investigação para uma Dinâmica de Grupos do Instituto de Tecnologia de Massachusetts. As instituições que colaboravam eram o Colégio de Educadores da Universidade de Columbia, a Universidade de Cornell, o Springfield College e a Universidade da Califórnia.  A investigação contava com a aprovação do Escritório de Investigação Naval (Office of Naval Research).

Uma das características desta sessão era um grupo de ação contínua chamado Grupo de Treinamento de Habilidades Básicas (Basic Skills Training Group) o Grupo BST, nos quais um observador do processo proporcionava dados para que o grupo os discutisse e analizasse. Uma das funções do líder do treinamento era ajudar o grupo a analisar e avaliar essa informação complementada com os dados proporcionados pelos
participantes e por ele mesmo.

Aqueles que se uniram a Benne, Bradford e Lippitt na planificação do projeto de treinamento para essa sessão foram Robert Polson, da Universidade de Cornell; Paul Sheats, da Universidade da Califórnia em Los Angeles; Alvin Zander, do Springfield College, e John R. P. French do Centro de Investigação, que desempenhava o papel de diretor de investigações. (Kurt Lewin, que estava muito interessado no projeto,
morreu em fevereiro de 1947). Este grupo se encarregou de confeccionar o programa do Grupo BST, antecessor imediato do Grupo T.

A concepção inicial do Grupo BST fica mais clara com as descrições que se publicaram então.

Lugar para a aprendizagem de habilidades inerentes ao agente de mudança. Qual é o contexto comum que ajuda o assistente de um grupo, ao supervisor da escola pública, aos consultores da indústria, ao presidente da associação de pais e mestres, ao técnico de treinamento do governo...considerando suas especialidades como recursos para os demais? A experiência de laboratório confirmou que todos eles poderiam encontrar um terreno comum no papel de agente de mudança. Todos....colaboram na produção de mudanças na compreensão, atitudes e habilidades das pessoas e grupos com os quais trabalham. Todos....devem, por exemplo, dar sua ajuda para que as pessoas diagnostiquem seus problemas, planifiquem os meios para resolvê-los e façam uma avaliação de seus planos ao prová-los e examiná-los...O fato de ajudar a pessoas e grupos requer certas habilidades básicas próprias das relações humanas que podem identificar-se, analisar-se e por-se em prática. Quais foram as habilidades que os cinco Grupos BST identificaram, discutiram e puseram em prática? Aqui apresentamos os campos de habilidades mais importantes:

     Primeiro campo de habilidades: reconhecimento por parte do agente de mudança de suas motivações     pessoais e de suas relações com os destinatários de sua ação.

     Segundo campo de habilidades: ajudar os destinatários a tomar consciência de sua necessidade de mudança e dos processos de diagnóstico.

     Terceiro campo de habilidades: diagnóstico de sua situação em função da conduta, compreensão e     sentimentos a modificar, realizado em colaboração pelo agente de mudança e o destinatário de sua ação.

     Quarto campo de habilidades: decisão acerca de um problema incluindo os demais não só na decisão mas, também, no plano de ação e em sua realização.

     Quinto campo de habilidades: execução do plano de maneira feliz e produtiva.

     Sexto campo de habilidades: a avaliação como meio de comprovar o progresso em conjunto, os métodos de trabalho e pensamento e as relações humanas.

     Sétimo campo de habilidades: continuação, difusão e manutenção das mudanças realizadas.

Um lugar para aprender a entender e ajudar por meio do crescimento e desenvolvimento do grupo.

O primeiro passo foi fazer com que os delegados tomassem consciência de que provavelmente os grupos sofrem um processo de crescimento igual ao dos indivíduos, de que a união de indivíduos adultos maduros nem sempre constitui um grupo maduro, de que mais de um fracasso em muitos comitês e reuniões se deve à expectativa de obter uma produção adulta dos grupos infantis ou adolescentes. Uma lista experimental assinalou os seguintes sintomas de crescimento e fortaleza de grupo.

a) intercomunicação excelente entre os membros do grupo (compreensão comum, sensibilidade semântica, possibilidade de discutir com liberdade e não à defensividade, entre outros aspectos).

b) objetividade do grupo a respeito de seu próprio funcionamento (grau de possibilidade do grupo para fazer e aceitar avaliações e análises de seu próprio comportamento).

c) aceitação de responsabilidades como membros de um grupo (vontade de aceitar e compartilhar tanto as funções de líder e as responsabilidades de um membro, como a capacidade para perceber e alentar a contribuição potencial de cada membro).

d) coesão do grupo ou força dele (suficiente para admitir a assimilação de novas idéias e de novos membros, para tirar proveito dos conflitos em vez de permitir que estes o destruam, para sujeitar-se a objetivos a longo prazo e para tirar partido tanto das situações de êxito quanto das de fracasso).

e) capacidade do grupo para informar-se e para pensar corretamente (capacidade para usar tanto os recursos da equipe como os externos a esta e para detectar e corrigir as falácias nos raciocínios do grupo).

f) capacidade do grupo para detectar e controlar o ritmo de seu próprio metabolismo (fadiga, tensão, movimento, marcha, atmosfera emocional).

g) capacidade do grupo para reconhecer, controlar e empregar fatores sociométricos significativos em seu próprio crescimento.

h) capacidade do grupo para integrar as ideologias, necessidades e metas dos membros com as tradições, ideologia e metas do grupo.

i) capacidade do grupo para criar novas funções e grupos à medida que seja necessário e para pôr término em sua existência no momento apropriado.

Depois de uma discussão bastante breve destas dimensões do crescimento de grupo, se chegou na maior parte dos grupos de treinamento de habilidades básicas, à decisão de examiná-las confrontando-as com a conduta e evolução do grupo...Em um grupo característico deste tipo, o observador...comunicaria o grupo o que houvera percebido. Isto estimularia a discussão e ajudaria o grupo a indagar mais fundo seus próprios processos. À medida que estes grupos progrediam, surgiram várias crises, sofreram experiências de fracasso temporal como resultado de sua imaturidade, competiam e se agrediam uns aos outros como indivíduos. Tanto o observador como o líder trataram de manter o foco do treinamento sobre estes sintomas da imaturidade ou do mau funcionamento do grupo...Neste processo de laboratório de análise e diagnóstico da dinâmica do funcionamento do grupo, os delegados acrescentaram sua capacidade para reconhecer os distintos níveis no desenvolvimento deste...Os distintos grupos analizaram não só os processos de grupo mas, também, as variadas atitudes dos membros presentes e os papéis de membro que deveriam ser preenchidos.

AS DIVERSAS FUNÇÕES DO GRUPO BST

O Grupo BST se pensou, então, como um meio para realizar várias classes de aprendizagem. Em primeiro lugar, uma de suas funções era ajudar aos membros a analizar alguns conjuntos mais ou menos sistemáticos de conceitos. Um deles era o esquema de uma mudança planejada ou deliberada e das técnicas requeridas pelo agente de tal mudança. Outro de ditos conjuntos teria a ver com os índices e critérios de evolução grupal que, por sua vez, pressupunham o conhecimento de um conjunto bastante complexo de variáveis de grupo e a capacidade para percebê-las.

Uma segunda expectativa consistia em que o grupo proporcionaria prática no diagnóstico e nas habilidades de ação do agente de mudança e dos membros e líder do grupo. Deste modo, a prática de habilidades, por meio de desempenho de papéis, representou uma parte muito importante na metodologia dos Grupos BST durante 1947 e 1948.

Também se esperava que o conteúdo de conduta cobrisse toda a gama da "organização humana", desde o nível interpessoal e de grupo, até o intergrupal (tanto em organizações formais como em "comunidades").  Como resultado surgiu uma competição entre discutir os fatos aqui-e-agora, que por necessidade se concentravam nos níveis pessoal, interpessoal e de grupo, e discutir materiais de casos exteriores.  Algumas vezes, o resultado foi a rejeição de alguma consideração séria da informação de dados sobre a conduta transmitido pelo observador. Com mais frequência conduziu à eventual rejeição de problemas exteriores por considerá-los menos abarcadores e fascinantes.

Uma quarta expectativa consistia em que o Grupo BST ajudasse a seus membros a planejar a aplicação do aprendido no laboratório nas situações que se lhes apresentassem ao regressar a seu ambiente e a ter em conta o crescimento contínuo deles mesmos e de seus associados. Em quinto lugar se esperava que os membros obtivessem uma visão mais objetiva e exata de si mesmos em suas relações com outras pessoas no grupo e com o grupo em desenvolvimento como um todo.

A sexta expectativa era que os participantes chegassem a uma compreensão mais clara dos valores democráticos.  Para isto se trataria de que estes valores operassem em relação com os princípios de metodologia necessários para atuar como líder ou membro de um grupo ou como iniciador e favorecedor da mudança.Os criadores do laboratório estavam convencidos de que os compromissos éticos implícitos na empresa científica, são compatíveis com os compromissos éticos explícitos nas pautas democráticas de condução e de controle social quando estas estão metodologicamente formuladas. Acreditavam que a experiência do Grupo BST reforçaria os valores democráticos sustentados pelos participantes. Criou-se um meio para avaliar as mudanças produzidas na dimensão da aprendizagem. Um ponto que se prestou a muitas controvérsias e ainda hoje continua sendo motivo de sérias discussões É o modo pelo qual os membros do grupo levam adiante o treinamento destinado a favorecer uma reorientação de valores.

A sétima expectativa se referia a que os membros do Grupo BST adquiririam não só as habilidades e a compreensão que lhes facilitariam uma ação mais adequada como agentes de mudança e como membros de um grupo, mas, também, aquelas que são próprias do instrutor e que tornariam possível que eles a transmitissem aos outros. Isto se indica com clareza no informe da segunda sessão do laboratório (1948): "Se deu maior ênfase na prática de habilidades de liderança de grupo, de treinamento em relações humanas, e da indução da mudança social". Esta expectativa resultou embaraçosa para a equipe de treinamento do laboratório depois da primeira sessão. Alguns participantes voltaram para casa sentindo que estavam qualificados para conduzir um treinamento de relações humanas.  Uns poucos participantes cuja educação anterior não garantia esta pretensão levaram a cabo alguns projetos inadequados em nome do "laboratório de treinamento". Em fins de 1948 se tomou consciência de que para adquirir uma competência adequada no terreno do treinamento das relações humanas, era necessária uma base de alguma das ciências sociais e um treinamento/desenvolvimento durante mais de três semanas de sessões de laboratório. Só em 1955 se instituiu em Bethel um programa superior especial para a formação de instrutores.

A equipe de treinamento que atuou em 1948 se convenceu de que o grupo de treinamento suportava uma sobrecarga de objetivos de aprendizagem. Se viu a necessidade de criar novas agrupaçöes dentro do laboratório para complementar pelo menos alguns dos cinco conjuntos de objetivos. A dúvida que se suscitou então foi quais se deveriam destinar ao Grupo BST ou a seu equivalente e quais seriam melhor obtidos
mediante o uso de outras agrupaçöes e de outras metodologias de treinamento.

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