12/06/2016

Escola, família e a educação relaccional

Escola, Família e educação relacional

Nos últimos 20 anos, a educação infantil no Brasil e no mundo foi foco de profundas reflexões no campo da legislação, da investigação pedagógica e das políticas públicas governamentais. No caso brasileiro a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB, 1996), pela primeira vez priorizou a educação infantil e os resultados disso já estão aí para serem comprovados.

Há em escolas uma preocupação e um investimento de tempo na recepção e acolhimento das crianças que conviverão, no mínimo por um ano, com a mesma professora e os mesmos coleguinhas. Um investimento para que os espaços de movimentação relacional sejam construídos e negociados.

Uma boa professora trabalha em conjunto com os pais quando identifica comportamentos que não estão ajudando a criança no aprendizado de sua socialização e quando isso acontece, mais uma oportunidade de facilitação de crescimento é oferecida ao aluno por seu contexto.

Entretanto, há uma expressão ouvida no ambiente escolar e familiar quando a criança sai da educação infantil e vai para o ensino fundamental, que diz assim: “agora terminou a brincadeira”.

Infelizmente termina mesmo. E inicia-se um período que mais contribui para o acúmulo de informações e quase nada para a educação relacional.

Mesmo que a convivência se dê num mesmo espaço geográfico, a alternância de professores dando pouca ou nenhuma importância ao que está acontecendo no processo grupal (por não saber lê-lo e não por simples descaso), atuando predominantemente como tarefeiros (dando aulas), faz com que até a absorção de informações fique comprometida.

Há então uma ocupação do mesmo espaço geográfico e não um compartilhamento do espaço psicossocial.

Se houvesse esse compartilhar, haveria troca de informações a respeito dos grupos de alunos; a respeito do impacto que cada um causa no outro; que cada professor com seu estilo provoca no grupo e nos alunos e sobre o quanto este impacto está sendo educativo ou não. Haveria dessa forma um crescimento do sistema pela aprendizagem relacional propiciada.

A dissociação entre os subsistemas que constituem a escola - direção, corpo técnico, professores, corpo de apoio -, consequência da ausência de negociação de seus espaços relacionais no sistema, contribui mais ainda para que o ambiente, que deveria ser de acolhimento, funcione como estimulador da competição, do individualismo, da segregação e do surgimento das tribos dos iguais. Tais tribos de alunos são organizadas muito mais para defesa de seus espaços psicossociais, do que por identificação afetiva.

Neste sentido o ensino superior não é diferente. A reforma do ensino universitário na década de 70, ao que parece, foi muito bem recebida pelos professores, pois não precisariam mais lidar com grupos. A partir do sistema de créditos cada aluno viria a conviver com no máximo cinco colegas de forma mais próxima e dificilmente ao mesmo tempo. Em sala de aula passou a haver um aglomerado de alunos, um professor que ditava informações e muito pouca relação entre essas pessoas.

É raro encontrar um currículo escolar que reserve tempo para a integração entre os participantes deste sistema: alunos e educadores (aí compreendidos todos os atores: direção, pais, professores, técnicos, apoio, etc).

O espaço geográfico da escola é um excelente lugar para o encontro comunitário, ainda não aproveitado em seu potencial e, por vezes até dilapidado. Por que será?
Quantas vezes se ouviram educadores referindo-se a um grupo de alunos como muito difícil para trabalhar.

Existem grupos difíceis? Poderiam ser participantes que convivem num espaço comum, durante um determinado tempo e que estão em busca de uma forma de ocupar o seu lugar de valor?  Com fome de ser significativo no grupo maior?

Muitos conflitos entre escola e família acontecem em razão deste choque. Famílias que buscaram acolher bem seus novos membros e os ajudaram a construir espaços de movimentação com  participação, encontram dificuldades ao colocar os filhos numa escola onde as regras são muito diferentes, construídas de forma pouco participativa e às vezes até contrárias às suas expectativas. A família espera que a caminhada de seu filho em sua socialização seja feita da forma o mais progressiva possível e o que acontece é uma possibilidade de retrocesso. Possibilidade de retrocesso porque qualquer criança tem o desejo de ser incluída e, se necessário, no ambiente da escola, assumirá comportamentos incômodos que garantam a sua inclusão. Comportamentos que podem ser bem diferentes daqueles esperados pela escola e por sua família.

Por outro lado, famílias que tiveram dificuldades na construção de espaços relacionais que propiciem saúde, culpam a escola por esta não conseguir que seus filhos assumam comportamentos para os quais não foram iniciados no ambiente familiar.

Não é possível o isolamento entre essas instituições. Os dois sistemas precisam conversar entre si como aliados em seu saber e em seu não saber. E, o mais importante: estes sistemas contribuirão para a educação de crianças e jovens se experimentarem, além do conversar entre si, dialogar internamente, exercitando a tarefa complexa de negociar seus espaços relacionais. Para isso precisa ser privilegiado um tempo e principalmente, a decisão de mudar. E vejo como primeiro passo o eliminar culpados.

Mauro Nogueira de Oliveira

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