13/06/2016

A família e o traçado de fronteiras relacionais

A família e o traçado de fronteiras relacionais

Durante a gravidez de um novo casal é possível acontecer grandes conversas entre a mãe e o filho em formação, entre o pai e esse novo ser e entre marido e mulher, a respeito da forma como educarão a criança, do que cada um espera que o filho seja, sobre o que farão para que ele cresça saudável, sobre os planos para que seja bem sucedido e por ai afora. Desta forma se engendram as possibilidades de papéis que serão oferecidas ao novo membro da família, para que ele ocupe o seu espaço no grupo.

Como esses diálogos, na maioria das vezes, ocorrem num clima amoroso, fica difícil aceitar que possa estar acontecendo naquele momento, algum tipo de delegação além de uma definição antecipada da fronteira que permitirá o espaço de movimentação de um outro ser na relação grupal.

Este pequeno grupo em processo de constituição, que faz parte de um outro grupo maior - o grupo composto pela família de origem do homem - e de outro – composto pela família de origem da mulher, está desenhando seus contornos, definindo a fronteira que o diferenciará dos grupos originais, para se tornar autônomo, ainda que afetivamente ligado.

Ai o nenê nasce. Seria absurdo levantar a possibilidade de que a nova mãe do novo integrante da família possa experimentar sentimentos contraditórios em relação a sua própria mãe?

Se a relação mãe e filha não foi construída de uma forma que permita autonomia, poderá haver por parte da filha / nova-mãe, uma sensação de estar sendo invadida em seu espaço, ainda mais se a mãe tende a assumir papéis que denotam “eu sei e você precisa aprender comigo”

Também seria absurdo levantarmos a possibilidade de que a mãe do novo-pai teça críticas à forma como estão educando seu neto?

Como o novo pequeno grupo lidará com estas “intromissões”? Demarcarão limites? Que fronteiras definirão? Claras? -“o que cabe e a quem cabe?”. Rígidas? - “na nossa casa não admitiremos opinião de ninguém” - ou Difusas? - “deixemos que eles façam o que quiserem senão ficarão chateados e não quero me sentir culpado (a) por isso, muito menos me sentir excluído(a) por punição ao decepcioná-los”.

Segunda gravidez. Mais uma posição terá que ser criada naquele pequeno grupo e o mesmo espaço relacional precisará ser redistribuído. Pai e primeiro filho podem formar uma aliança para se proteger daquele que é sentido como mais um invasor pelo pai e de um usurpador de seu lugar, pelo filho.

Como dois corpos não podem ocupar o mesmo lugar no espaço ao mesmo tempo, é provável que ao nascer, o segundo filho inconscientemente, busque o exercício de papéis diferentes daqueles que o primeiro já desempenhava, pois ter espaço neste grupo lhe é vital. As conversas que aconteceram quando da gravidez de seu irmão mais velho, também aconteceram com ele, provavelmente num outro tom e é possível que nelas lhe tenham dito, o quanto gostariam que fosse diferente do irmão.

Novamente, as culturas que atravessaram as gerações que  originaram aquele pequeno grupo e que o permeiam, vão determinar a forma da negociação de espaços, tanto na nova família, quanto desta com o grande grupo familiar.

É neste pequeno / grande grupo, portanto que cada um de nós inicia a aprendizagem de nos incluir e conviver em grupo.

Os primeiros ambientes relacionais que nos influenciaram no desenho de nossos papéis e posições, vão nos acompanhar e continuar influenciando por nossa vida afora. Muito do aprendizado que gera crescimento em nossas vidas é feito a partir da ressignificação de nossas primeiras relações.

Ao sair para a vida, o aprendizado da criança se dará a partir do quanto será possível desempenhar nos novos grupos, os papéis  aprendidos no grupo familiar e da descoberta de novos papéis que desvendem capacidades que estavam antes adormecidas, enquanto ela buscava de todas as formas garantir seu espaço na família.

Como estamos nos relacionando com as posições que ora ocupamos em nossos grupos?  Quais nossos papeis mais frequentes? Ainda ocupamos apenas os papéis que aprendemos em nossa família de origem?  Descobrimos papeis que acordaram em nós outras possibilidades de estar no mundo? Como está nossa habilidade em definir fronteiras e em administrá-las?

Mauro Nogueira de Oliveira
08/2005

Um comentário:

  1. Mauro, tenho visto nesses dias muitos pais lutando com as dificuldades de estabelecer limites para seus filhos. Fronteiras rígidas x fronteiras difusas. Acho que essa é uma questão importante de ser aprofundada. Eu, se fosse pai, sinto que teria muitos dilemas aí. E acho que isso é uma questão para mim, provavelmente - refletindo agora sobre o último parágrafo do texto - que vem da minha experiência no grupo familiar mesmo. Gostei do artigo, valeu!

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