28/12/2017

A biologia do amor de Humberto Maturana

A biologia do amor de Humberto Maturana

Ele é um cientista diferente dos demais: consegue ver o ser humano pelas lentes do amor,

pela biologia do sentimento

http://www.revistaecologico.com.br/materia.php?id=105&secao=1846&mat=2128
Maturana: “É no amor que alcançamos o bem-estar e realizamos nossa condição humana” - Imagem: Rodrigo Fernandez/Wikimedia
Maturana: “É no amor que alcançamos o bem-estar e realizamos nossa condição humana” - Imagem: Rodrigo Fernandez/Wikimedia
Seria o neurobiólogo chileno Humberto Maturana, 88 anos, um ser mais evoluído, que veio de outro
planeta para renascer na Terra? Quem conhece algumas de suas obras mais famosas, como
“A Biologia do Amor”e “Á Árvore do Conhecimento”, sabe que há uma razão para fazermos essa
pergunta.
Maturana é um cientista diferente dos demais: consegue ver o ser humano pelas lentes do amor, pela
biologia do sentimento, enxergando-o em um sistema global de múltiplas interações. Há quem diga que
isso é impossível. Mas existe alguma barreira que o amor ou a influência da natureza em nossas vidas
não atravesse?
Nascido na capital, Santiago, Maturana é adepto do pensamento sistêmico, que defende uma visão
interdisciplinar, integrada e interdependente da realidade: o ser vivo, os objetos e o ambiente estão
em constante relação e devem ser estudados como um todo. Nessa abordagem, ciência, subjetividade,
espírito e, claro, o amor, caminham juntos.
Na orelha do livro “A Árvore do Conhecimento”, que escreveu junto com o também chileno Francisco
Varela, PhD em Biologia, há uma descrição que melhor representa a tese defendida por Maturana:
“Vivemos no mundo e por isso fazemos parte dele; vivemos com os outros seres vivos, e portanto,
compartilhamos com eles o processo vital. Construímos o mundo em que vivemos ao longo de nossas
vidas. Por sua vez, ele também nos constrói no decorrer dessa viagem comum. Assim, se vivemos e nos
comportamos de um modo que torna insatisfatória a nossa qualidade de vida, a responsabilidade cabe a
nós”.
E completa: “Nossa trajetória de vida nos faz construir nosso conhecimento do mundo – mas este também
constrói seu próprio conhecimento a nosso respeito. Mesmo que de imediato não percebamos, somos
sempre influenciados e modificados pelo que experienciamos”. Ou seja: um ser só sobrevive em um
entorno que o receba.
Para o neurobiólogo, o amor tem papel fundamental nisso, porque faz o homem evoluir.  “O que guia o
fluxo do viver individual são as emoções e na constituição evolutiva também. É o emocionar que se
conserva de uma geração a outra”, disse. Crítico da propaganda e do consumo insustentável, que,
segundo ele, são um “estímulo à cobiça”, Maturana destaca que o amor está sempre associado à
sobrevivência.
“Numa de suas parábolas, Jesus fala do camponês lançando sementes ao solo. Algumas caem nas
pedras e são comidas pelas aves, outras caem num solo árido e resistem por pouco tempo. Mas há
aquelas que encontram boa terra e crescem vigorosas. Assim também nós precisamos de um solo
acolhedor para nos desenvolver. Nosso solo acolhedor é o amor.”
É o que você, caro leitor, confere nesta seleção de frases e pensamentos que a Ecológico apresenta a
seguir:

Biologia do amar

“A biologia do amar é o fundamento biológico do mover-se de um ser vivo, no prazer de estar onde está
na confiança de que é acolhido, seja pelas circunstâncias, seja por outros seres vivos. No caso dos seres
humanos, isto é central na relação do bebê com sua mãe, com seu pai, com seu entorno familiar, que o
vai permitir crescer como uma criança que vai ser um adulto que se respeita por si mesmo.”
“Se você observa a história de crianças que se transformam em seres, chamemos assim, antissociais,
vamos descobrir que sempre tem uma história da negação do amar, de ter sido criado na profunda
violação de sua identidade, na falta de respeito, na negação de seu ser.”

Emoções

“As emoções são centrais na evolução de todos os seres vivos, porque definem o curso de seus fazeres:
onde estão, para onde vão, onde buscam alimentos, onde se reproduzem, onde criam seus filhotes, onde
depositam seus ovos, etc. Bem, com os seres humanos ocorre exatamente a mesma coisa. O emocionar,
o fluxo das emoções, vai definindo o lugar em que vão acontecer as coisas que fazem no conviver.”
“Se uma pessoa se move, por exemplo, a partir da frustração, isso vai definir continuamente o espaço
relacional na qual se encontra e o curso que vai ter seu viver. Se vive a partir da confiança, vai seguir um
curso distinto. Assim, portanto, o que guia o fluxo do viver individual são as emoções, e na constituição
evolutiva também. É o emocionar que se conserva de uma geração a outra na aprendizagem das
crianças.”             
                  

Cobiça

“Toda a visão do comércio que se associa ao estímulo da cobiça é destruidora da democracia. Quando
Jesus disse ‘não se pode servir a dois senhores ao mesmo tempo, não se pode servir ao dinheiro e ao
amor’, aponta certamente isso. Mostra que servir ao dinheiro tem a ver com a cobiça. Por isso, o jovem
rico para entrar no Reino de Deus tem que desfazer-se de suas riquezas, abandonar seus apegos,
porque o Reino de Deus é, de fato, amar. É a democracia.”

Propaganda

“Toda a propaganda para transformar as crianças em consumidores é um estímulo para a cobiça.
Provavelmente estas crianças serão adultos que vão cobiçar, porque cresceram na busca da satisfação de
qualquer coisa que querem, sem ter consciência do que isto significa no espaço social, no espaço de
convivência, por exemplo, de seus pais, que não necessariamente podem comprar tudo o que os filhos
querem.”

Competição

“A criança, ao jogar, aprende um modo de viver cuja atenção não está nas consequências, mas na
responsabilidade do que faz. Claro que vão ter consequências, mas elas não são o ponto central, e
sim aquilo que a criança está fazendo ao jogar. Se alguém aprende isso pode colaborar, pode estudar,
pode fazer qualquer coisa com satisfação e com prazer.”
“A competição não é nem pode ser sadia, porque se constitui na negação do outro.”

Crianças

“Não traiam as crianças! Não prometa acolhê-las quando os vai desconsiderá-las. Não prometa que vai
levá-las para brincar quando vai ordená-las que se sentem e fiquem quietas. Porque o que um professor
faz, às vezes, sem se dar conta, é trair as crianças em função do que ele quer que elas façam. Por um
lado as acolhe, mas na realidade as distingue. As crianças sabem exatamente quando alguém promete
algo e não cumpre, e vivem isso como uma traição. Isso gera dor e produz sentimentos, por que é uma
negação de nossa condição amorosa.”

Convicções

“Tendemos a viver num mundo de certezas, de solidez perceptiva não contestada, em que nossas
convicções provam que as coisas são somente como as vemos e não existe alternativa para aquilo que
nos parece certo. Essa é nossa situação cotidiana, nossa condição cultural, nosso modo habitual de ser
humanos.”

Determinismo

“Quando nos encontramos com um advinho profissional, que nos promete com sua arte de predizer o
futuro, em geral experimentamos sentimentos contraditórios. Por um lado nos atrai a ideia de que alguém,
olhando para nossas mãos e baseando-se num determinismo para nós inescrutável, possa antecipar
nosso futuro. De outra parte, a ideia de sermos determinados, explicáveis e previsíveis nos parece
inaceitável. Gostamos do nosso livre-arbítrio e queremos estar além de qualquer determinismo.”

Certezas

“O conhecimento do conhecimento obriga. Obriga-nos a assumir uma atitude de permanente vigília contra
a tentação da certeza, a reconhecer que nossas certezas não são provas da verdade, como se o mundo
que cada um vê fosse o mundo e não um mundo que construímos juntamente com os outros.”

Planeta Terra

“O mundo sempre foi maravilhosamente acolhedor. Se assim não fosse, a história do ser humano não
teria acontecido. Um ser só sobrevive em um entorno que o receba. Caso contrário, torna-se negativo e
agressivo e não resiste. Apesar de vivermos um momento de negação do amor, só sobrevivemos porque essa emoção persiste nos vínculos que definem a vida em sociedade. É no amor que alcançamos o
bem-estar e realizamos nossa condição humana.”

Dor

“A dor nos faz perguntar. Apesar de difícil, é uma oportunidade única de transformação, assim como a
curiosidade, que não nos permite submissão aos padrões externos. Quando tropeçamos, dói o pé. Isso
faz pensar sobre o modo de andar, a atenção ao caminhar, os desafios do trajeto. A dor da alma também
ensina.”

Amor

“O ser humano não vive só. A história da humanidade mostra que o amor está sempre associado à
sobrevivência. Sobrevive na cooperação. Se a mãe não acolhe o bebê, ele perece. É o acolhimento que
permite a existência. Numa de suas parábolas, Jesus fala do camponês lançando sementes ao solo.
Algumas caem nas pedras e são comidas pelas aves, outras caem num solo árido e resistem por pouco
tempo. Mas há aquelas que encontram boa terra e crescem vigorosas. Assim também nós precisamos de
um solo acolhedor para nos desenvolver. Nosso solo acolhedor é o amor.”
“O amor nos dá a possibilidade de compartilhar a vida e o prazer de viver experiências com outras
pessoas. Essa dinâmica relacional está na origem da vida humana e determinou o surgimento da
linguagem, responsável pelos laços de comunicação e que inclui ações, emoções e sentimentos.”
“O amor, ou, se não quisermos usar uma palavra tão forte, a aceitação do outro junto a nós na
convivência, é o fundamento biológico do fenômeno social. Sem amor, sem aceitação do outro junto a nós,
não há socialização, e sem esta não há humanidade. Qualquer coisa que destrua ou limite a aceitação do
outro, desde a competição até a posse da verdade, passando pela certeza ideológica, destrói ou limita o
do fenômeno social.”
“Amar é uma atitude em que se aceita o outro de forma incondicional e não se exige ou se espera nada
como recompensa. Amar implica ocupar-se do bem-estar do outro e do meio ambiente. Em vez de oferecer
instruções do que e como fazer, amar é respeitar o espaço do outro para que ele exista em plenitude.”

Um comentário:

  1. Obrigada por compartilhar este conhecimento. Muito bom. Também gosto de Humberto Maturana.

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