23/04/2015

Osvaldo Saidon, ao mesmo tempo que traz uma visão bem detalhada (ao estilo rogeriano) da filosofia de Carl Roger, traz uma crítica consistente.



PRÁTICAS GRUPAIS - OS GRUPOS DE ENCONTRO
Osvaldo Saidon et al.
Práticas Grupais, Editora Campus, Rio de Janeiro, 1983
 
Na proposta teórica de Rogers, encontram-se influências com origem em sua vida pessoal, que o próprio autor considera significativas. Assim, o Protestantismo, religião familiar, que o autor diz abandonar para interessar-se por enfoques religiosos mais modernos, e menos austeros e conservadores, é uma das influências. O estudo das Ciências Físicas e Biológicas e da História, também. Tendo conhecido Dewey e Kilpatrick, foi com Hollingworth que Rogers conhecer a Psicologia, sob um enfoque humanista. Rogers observa que se incompatibilizou com o que chama "espírito especulativo" freudiano e "concepções estatísticas" de Thorndike. Rogers assinala a grande influência de Otto Rank, em oposição ao que considera formulações dogmáticas, que encontrou em outros discípulos de Freud. Cita ainda Cartwright e Maslow como autores que o influenciaram.

Os postulados que definem sua proposta são:

1) Tendência atualizante: todo organismo tem a tendência inata a desenvolver suas potencialidades;

2) Tendência à atualização do eu: segundo o desenvolvimento da estrutura do eu, essa tendência se expressa na atualização de parte da experiência do organismo que está simbolizada no eu. Quando há acordo entre o organismo e o eu (e respectivas experiências), a tendência opera de modo unificado);

3) Experiência: é tudo que engloba o que sucede no organismo e que está potencialmente disponível para a consciência;

4) Experimentar: recepção pelo organismo da repercussão dos fatos sensoriais ou fisiológicos; 

5) Representação, simbolização, consciência (termos sinônimos): a consciência é a simbolização de parte de nossa experiência;

6) Disponibilidade para a consciência: quando a experiência pode simbolizar livremente, sem negação defensiva nem distorção;

7) Simbolização correta: reconhecimento de que toda percepção é de natureza transacional, ou seja, uma construção que surge de nossa experiência passada e também como uma hipótese para o futuro;

8) Perceber, percepção: hipótese que emerge à consciência como reação a estímulos que incidem sobre o organismo;

9) Subcepção: quando um sujeito é incapaz de realização discriminações conscientes, mas as faz em níveis inferiores ao nível requerido para a representação consciente;

10) Experiência do eu: todo fato de campo fenomênico discriminado pelo indivíduo e que se discrimina como eu (self);

11) Eu, conceito do eu, estrutura do eu: estes termos se referem à Gestalt conceitual composta de percepções das características do eu e das percepções das relações do eu;

12) Eu ideal: conceito do eu que o indivíduo desejaria possuir;

13) Incongruência entre o eu e a experiência: quando o sujeito se encontra nesse estado, está exposto à tensão e confusão interior. O conceito refere-se à não-simbolização adequada;

14) Vulnerabilidade: perigo de desorganização psíquica, quando há incongruência entre o eu e a experiência;

15) Angústia: estado de incômodo ou tensão com causa ignorada. Incongruência entre o eu e a experiência;

16) Ameaça: quando o indivíduo se dá contra ou prevê que uma experiência é incongruente com sua estrutura do eu;

17) Inadaptação psicológica: quando o organismo se nega a conscientizar certas experiências (ou as distorce);

18) Defesa e estado de defesa: reação comportamental do organismo à ameaça. Tem como objetivo manter a estrutura habitual do eu;

19) Distorção, negação do acesso à consciência: material incongruente com o conceito do eu. O organismo reage produzindo uma distorção para preserva a ameaça à estrutura do eu;

20) Rigidez perceptiva: se a pessoa se impressiona de forma rígida, tem a tendência a considerar a experiência em termos absolutos, a generalizar excessivamente;

21) Estado de congruência entre o eu e a experiência: simbolização adequada;

22) Abertura à experiência: polo oposto à atitude de defesa. Qualquer estímulo é transmitido livremente sem que nenhuma defesa o distorça ou interrompa;

23) Adaptação psicológica: a estrutura do ego permite a integração simbólica da totalidade da experiência;

24) Percepção discriminativa: tendência a considerar a experiência em termos delimitados e diferenciados;

25) Maturação: percepção realista e discriminativa, valorativa de si mesmo e dos outros;

26) Contato: quando o sujeito está em relação com o outro e cada um afeta o campo experiencial do outro de forma perceptível ou subliminar;

27) Consideração positiva: quando a experiência do outro modifica positivamente o campo experiencial do sujeito (afeto, carinho, aceitação);

28) Necessidade de consideração positiva: necessidade secundária ou adquirida;

29) Consideração positiva incondicional: se as experiências do outro são recebidas pelo sujeito com consideração positiva, este experimenta uma consideração positiva incondicional para com o outro;

30) Complexo de consideração: configuração de experiências relativas ao eu, que para o sujeito implica uma atitude de consideração positiva de alguém para si próprio;

31) Consideração positiva de si mesmo: sentimento do sujeito, experimentado a partir de uma experiência e independente da consideração positiva de outros;

32) Necessidade de consideração positiva de si mesmo: necessidade secundária ou adquirida que se relaciona com a necessidade de consideração positiva dos outros;

33) Consideração incondicional de si mesmo: quando o sujeito se percebe de modo que todas as experiências parecem dignas de consideração positiva;

34) Valorização condicional: quando o sujeito busca ou evita certas experiências do eu por considerá-las mais ou menos dignas de consideração positiva;

35) Centro de valorização: fonte dos critérios aplicados pelo sujeito na valorização de sua experiência. A fonte interna refere-se ao sujeito como centro de valorização. A fonte externa, quando os outros se convertem em critérios de valores para o sujeito;

36) Processo de valorização organísmica: este conceito se refere a um processo em contínua evolução, no qual os valores nuca são fixos ou rígidos;

37) Marco de referencia interno: abarca todo o campo de experiências (percepções, sensações, significações, recordações) acessíveis à consciência do sujeito;

38) Empatia: perceber corretamente o marco de referencia interno do outro, sem perder a condição de "como se" ao colocar-se no lugar do outro;

39) Marco de referencia externo: perceber a partir de um marco de referencia interno objetivo, sem "empatizar" com a pessoa ou objeto observado.

Para Rogers, sua Teoria da Terapia e da Mudança da Personalidade é do tipo condicional. Se se dão certas condições (variáveis independentes), será produzido um processo (variável dependente) que inclui certos elementos característicos.

As condições do processo terapêutico são:

a) que duas pessoas estejam em contato;
b) que o cliente esteja em estado de incongruência, vulnerabilidade ou angústia;
c) que o terapeuta seja congruente;
d) que o terapeuta experiencie uma consideração positiva incondicional e empática frente ao marco de referencia interno do cliente
e) que o cliente perceba as condições citadas em (d).

O processo da terapia inclui ainda que o cliente possa, cada vez mais, expressar seus sentimentos, distinguir sentidos e percepções (ser mais discriminativo) e organizar suas experiências, antes distorcidas. O cliente, então, passará a viver experiências ameaçadoras com menos intensidade e os mecanismos defensivos serão menos significativos. Além disso, perceberá a si mesmo como centro de valor. A cura, portanto, inclui uma maior congruência, menos defesas, mais percepções e um desenvolvimento da "adaptação 
psicológica". Rogers considera que, deste modo, ocorre uma mudança na estrutura do eu, que se tornaria menos vulnerável, passando o "eu ideal" a ser mais realista. O aumento da congruência entre o eu e o "eu ideal" e entre o eu e a experiência produziriam uma diminuição geral da tensão, promovendo uma maior consideração positiva de si mesmo, e maior aceitação do outro. O cliente, então, se revelaria como um ser mais criativo, capaz de adaptar-se a cada situação e problema, expressar seus valores.

Para o autor, a incongruência entre o eu e a experiência ocorre devido à necessidade de consideração positiva de si mesmo e à valorização condicional a que chega a submeter-se o sujeito para atender à necessidade. As experiências contrárias à valorização condicional, então, são percebidas seletivamente, distorcidas ou negadas.

Os mecanismos de defesa, para o autor, consistem em uma percepção seletiva ou distorcida da experiência e a negação da experiência à consciência.

Para que a experiência não seja vivida ameaçadoramente, isto é, para que seja assimilada à estrutura do eu, é preciso que o sujeito se valorize, possa ter empatia. É importante, então que perceba a consideração positiva incondicional do terapeuta.

Numa relação (ou grupo), é necessário que o sujeito consinta em entrar em contato com outro, que por sua vez deverá ter um alto grau de congruência entre sua experiência como objeto de comunicação do sujeito, simbolizar essa experiência em termos de conceito de si mesmo e expressar essa experiência. Esse processo refere-se à consideração positiva reciproca, que Rogers considera como uma relação enriquecedora e que poderia ser vivida pelos sujeitos quando portadores de uma estrutura do eu adequada.

O objetivo do trabalho com grupo, portanto, resume-se assim: quando existe entre as partes um desejo mútuo de entrar em contato, quanto mais elevado seja o grau de congruência realizado pela experiência, pela percepção e pela conduta, a relação se caracterizará em maior grau por: a) uma tendência à comunicação recíproca; b) uma compreensão mútua e adequada; c) um aumento de satisfação proporcionada na relação;
d) um funcionamento melhor dos sujeitos (leis das relações interpessoais).

Sobre os enunciados propostos, Rogers dirá que é necessário desenvolver instrumentos de medição para comprovar as hipóteses dedutivas. No campo específico dos grupos, afirma que as hipóteses sobre a liderança, facilitação de aprendizagem e redução dos conflitos sociais parecem ser campos particularmente fecundos em termos de um aprofundamento teórico e de estudo.

Resumindo algumas das propostas do movimento dos Grupos de Encontro, tal como Rogers as formula em relação ao trabalho psicoterapêutico com grupos, podemos apontar os seguintes itens:

a)As experiências grupais devem ser predominantemente prolongadas e intensas, para facilitar o clima afetuoso e permissivo tão caro à ideologia de trabalho de Rogers.

b) O líder do grupo deve evitar toda manipulação. Deve ser absolutamente não-diretivo e facilitador das expressões grupais, especialmente aquelas de caráter emotivo-afetivo.

c) Deve ter sempre uma atuação "real" e espontânea. Não deve nunca mostrar uma conduta afetada em função de seu papel profissional, e sim recorrer à sua própria personalidade para enfrentar as situações.

d) A técnica de trabalho predominante do líder (que seria melhor denominado facilitador) se baseia na compreensão empática e emprega fundamentalmente o chamado "reflexo", devolução especular do próprio discurso do cliente.

Outra consideração técnica sobre a liderança, assinalada por Rogers, é a seguinte: procurar que no grupo se esclareça sempre a significação pessoal do manifesto, evitando que seja usado um dos membros ou o grupo para ocultar a própria individualidade. O líder ou facilitador do grupo deve expressar sua própria insatisfação quando considerar conveniente. O facilitador deverá se expressar fisicamente, se possível. Por exemplo,
caminhará quando estiver ansioso, inclusive terá contato físico com os clientes, se o desejar "genuinamente".
O líder deve aceitar todo tipo de comunicação, proporcionando com isso um clima de aceitação de si mesmo em cada um dos membros do grupo. Evitará de todas as formas emitir qualquer juízo de valor.

Em relação à dinâmica do Grupo de Encontro, insistirá em facilitar toda e qualquer expressão de espontaneidade, e em não programar previamente atividades e jogos que poderiam cortar o livre desenvolvimento do grupo. não há planos nem táticas terapêuticas prefixadas.

Marcelo Lerner, estudioso argentino ligado ao pensamento de Rogers, assim sintetiza o sentido dos Grupos de Encontro: "O núcleo atual dos movimentos dos Grupos de Encontro fundamenta-se em duas vertentes, or um lado a idéia original de Kurt Lewin de melhorar as relações humanas, e, por outro lado, a Terapia Centrada no Cliente, que propõe m encontro básico consigo mesmo e com o próximo."

A teoria que fundamente esta terapia - que Rogers inicialmente chamou de não-diretiva e que mais tarde denominou Terapia Centrada no Cliente - se baseia em três conceitos básicos, citados anteriormente:

a) Congruência
b) Empatia
c) Consideração positiva incondicional.

O próprio Rogers define sinteticamente estes conceitos: "Empatia é sentir o mundo interno do cliente com a significação que tem para ele, senti-lo como se fosse o próprio mundo, mas sem perder nunca a qualidade de "como se". Quanto à consideração positiva incondicional, "o terapeuta adota uma atitude cálida positiva, de aceitação a respeito do que existe em seu cliente. É um sentimento positivo em relação ao outro sem nenhuma reserva nem avaliação. Isto quer dizer que não se forma juízo algum". O conceito de congruência, talvez o mais central no pensamento de Rogers, se refere ao fato de "o terapeuta ser verdadeiramente ele mesmo na relação com seu cliente, ser autêntico, sem fachadas". É experiencialmente ele mesmo, não se nega. Quanto mais capaz demonstra ser a complexidade de seus sentimentos, sem nenhum temor, tanto mais congruente é. Isto implica a difícil tarefa de conhecer o fluxo experiencial que se propaga em si mesmo, fluxo este caracterizado muito particularmente por sua complexidade e mudança contínua.

Comentários Críticos
Como é fácil verificar, na postura de Rogers existe uma negação absoluta do conflito e da agressividade. Na medida em que Rogers não admite a existência do inconsciente e, portanto, da transferencia e da contratransferência, o terapeuta está entregue a seus próprios sentimentos mas como reconhecer estes sentimentos? Qual é o seu significado? Sabemos que tal fluxo complexo de sentimentos tem algo a ver com o inconsciente e que possui uma significação que não é imediatamente dada. Em troca "o terapeuta rogeriano
deve transmitir seus sentimentos ao cliente, se for conveniente".

A pergunta a se fazer seria: a que e a quem convém? Assim, o terapeuta não é diretivo, é benevolente, acaba possuindo a máxima autoridade de erigir-se, sem maiores fundamentos, e capaz de fazer as coisas que convêm.

O rogeriano se sente profundamente incomodado quando se vê preso de sentimentos negativos, e precisa comunicá-los rapidamente, seja para livrar-se dos mesmos, seja para realizar um dos truques mais conhecidos de sedução, que consiste em demonstrar uma sinceridade complacente. Finalmente, a negação da agressividade e os postulados otimistas do movimento de Rogers proíbem a projeção de imagens más ou hostis no terapeuta.

Esta observação foi particularmente desenvolvida pela Escola Sócio-Psicanalítica de Gerar Mendel. Uma das autoras desta corrente, Patrícia Ranjar, assinala que o surgimento e desenvolvimento da teoria rogeriana é mais um sinal da degradação da imagem paterna, assim como dos valores que ela carrega, em prol de uma espécie de subjetivismo gnoseológico. Apoiando-se na Psicanálise, critica o terapeuta rogeriano como aquele que se apresenta permanentemente como a mãe boa, fonte de inspiração e domínio do irracional, deixando de lado a imagem paterna, representante da racionalidade e da verdade.

Em Carl Rogers, segundo a mesma autora, haveria, portanto, uma descaracterização do pai e da racionalidade, e uma consequente regressão à mãe. Isto levaria ao subjetivismo absoluto, que nega a possibilidade de se conhecer a realidade, e à caracterização exclusiva do aqui-e-agora, que, ressaltando a casualidade, leva à irresponsabilidade ou a uma fantasia de liberdade ilimitada. Tudo isto estaria a serviço de ocultar as relações de poder e as lutas reivindicatórias entre os diferentes grupos.

O fenômeno do não-diretivismo ter uma enorme influência no campo da Educação, e, em nome de Rogers foi defendida uma postura antiautoritária por parte dos professores. A oposição à diretividade nos métodos pedagógicos encontrou na teoria rogeriana uma importante justificativa. A conduta qualificada de diretiva numa situação educacional é precisamente aquela que consiste em tomar uma decisão sobre o que devem fazer os educandos, contando com que esta decisão os comprometa, mas sem recorrer à força nem à ameaça, apoiando-se, portanto, no superego, em seus reflexos condicionados de submissão. A diretividade que vai ser questionada por Rogers apóia-se no sentimento de culpa, no temor de não mais ser amado pelo pai-professor, na eterna necessidade de ser amado.

Ora, a não-diretividade proposta não foi instituída numa posição claramente definida. A única definição dada é uma definição negativa, "não ser diretivo", ou não ser de certa maneira suscetível de ser diretivo. Não é uma categorização positiva de uma atitude nova, e sim uma descaracterização de atitudes do passado.

Como crítica a este procedimento, P. Ranjard, afirma que, na realidade, o professor, com a atitude chamada não-diretiva, recupera grande parte de sua segurança ameaçada. Primeiramente porque conserva a iniciativa, erigindo os alunos em iguais. Assim, escapa da frustração que implicaria não ser amado por eles e incorrendo, às vezes sem o saber, numa série de condutas sedutoras. "Pretendem frustrar-me opondo-se a meus desejos? Não conseguirão, não tenho desejos! Além de tudo, sua formação é problema deles, não
meu." Este sólido argumento permite que o professor não-diretivo não transmita o saber de que é depositário: "Não vou dizer-lhe como faço; vire-se, reflita."

A conduta assim não-diretiva, na medida em que está motivada no inconsciente do professor pela necessidade de recuperar uma segurança ameaçada, só pode ser sentida no inconsciente dos alunos como uma castração do pai. O professor-coordenador com seu silencio (em geral não responde perguntas) deixa os alunos sozinhos frente às imagens maternas projetadas no grupo, na instituição ou na sociedade global, e sua conduta se torna imprevisível, portanto onipotente e arbitrária.

Transcreveremos aqui as palavras de um professor de Sociologia que, em oposição à moda não-diretiva na Pedagogia francesa, publicou o seguinte: "Meu curso não é uma festa; não é senão um curso, e eu não sou senão um professor. É a oportunidade de analisar a ideologia dominante e a organização do sistema, inclusive mediante a denúncia da relação que mantenho com meus alunos. Não é possível destruir e construir ao mesmo tempo: minha tarefa revolucionária é dar armas, não inventar o Socialismo aqui-e-agora". A
colocação dessa polêmica sobre o papel ideológico que acaba cumprindo um determinado tipo de atitude no campo pedagógico nos parece muito ilustrativa para o tema que nos interessa.

O aprofundamento desta discussão em relação ao trabalho da coordenação de grupos, terapêuticos ou não, nos dará bases para recolocar várias das posturas que Rogers recomenda ao facilitador ou líder grupal. Se compartilhamos das críticas que transcrevemos acima, acreditamos também, que na prática da psicoterapia com grupos estas devem ser relativizadas, assinalando-se as contribuições do enfoque da Escola Rogeriana. 

Esta colocação é vista por nós fundamentalmente quanto ao fato de trazer uma visão mais humanista e igualitária das relações entre terapeuta e cliente, entre coordenador e grupo, o que possibilita o questionamento de uma série de atitudes francamente repressivas e manipuladores na prática da saúde mental.

Assim, a enorme amplitude da prática dos Grupos de Encontro, sua organização multitudinária, as experiências comunitárias e "liberalizantes" que propõem, têm, de uma forma ou de outra, uma influência entre os trabalhadores de saúde mental, o que contribui para uma atitude crítica em relação aos aspectos mais estereotipados da prática psiquiátrica e psicanalítica.

Por outro lado, uma crítica produtiva da teoria de Rogers é justificada na medida em que, dentre todas as técnicas das novas psicologias que surgiram na segunda metade deste século, é a única que tem uma fundamentação ético-filosófica. Não existe nela uma preocupação científico-epistemológica (embora nos últimos tempos Rogers faça incursões neste terreno), e sim uma tentativa de fundamentação de sua prática em torno de um corpo filosófico que, em síntese, podemos identificar com uma espécie de Existencialismo
kierkegaardiano. Este Existencialismo adaptado aos diferentes movimentos irracionalistas, que surgem como ideologia da depressão do pós-guerra, permite que Rogers seja um ideólogo capaz de captar as aspirações de setores aparentemente tão distantes como os que vão dos anarquistas radicais até setores empresariais.
A este respeito, J. Roux, em seu livro Irracionalidade em Psicologia, comenta: "o não-diretivismo, que começou com uma exaltação demagógica e simplista da liberdade do homem, acaba propondo, para o trabalho de problemas de relacionamento, o uso de receitas para "bons ouvintes" ou administradores modernos."

A influência lewiniana notada na teoria de Rogers influi diretamente em sua concepção sobre os grupos. A prática grupal se transforma numa Pedagogia, numa educação ou numa reeducação para permitir que as pessoas desenvolvam sua capacidade de "livre arbítrio", conceito ideologicamente vinculado ao Protestantismo e ao Calvinismo, tão próprios do pensamento americano. É como se os valores estivessem disponíveis para sua livre escolha, e uma certa imutabilidade social e uma permanência dos valores
permitisse uma classificação entre valores aceitáveis e não-aceitáveis.

Na realidade, a História nos mostra uma situação muito distinta, onde a adequação ou não dos valores à vida de uma coletividade é medida pelo número de transgressões às normas que estes valores impõem. A maior ou menor facilidade para a introjeção de valores sociais nos indivíduos não é, então, um mero problema pedagógico, é a expressão da relação de tais preceitos com os indivíduos do grupo num determinado momento da história deste.

Como já vimos anteriormente, esta perspectiva histórica, que guia nosso trabalho, é o caminho que nos deve levar à proposta de uma prática grupalista, assinalando constantemente a conjuntura institucional e os valores que se geram e se modificam na prática social.

O trabalho de campo, realizado através das entrevistas com alguns representantes da corrente rogeriana no Rio de Janeiro, nos permite algumas observações sobre as características deste tipo de trabalho em nosso meio.

O trabalho realizado por Rogers no Brasil se deu através da organização de encontros multitudinários, onde centenas de pessoas trabalharam com ele e colaboradores, em grandes grupos em forma de maratona, num local distante da grande cidade e rodeado de belezas naturais, a fim de favorecer o clima afetuoso e hedonista que esta escola propicia. Como produto destes encontros, que se vêm repetindo anualmente, surgiu no Rio uma organização, que poderia ser considerada a instituição rogeriana do Rio de janeiro. Esta
instituição, segundo seus diretores, não proporciona uma formação: o que realiza são os chamados grupos de treinamento. Esta posição em relação a seu trabalho formativo viria da própria Pedagogia que surge da Filosofia Rogeriana.

Já vimos que o não-diretivismo pedagógico fomentado pela escola não permitiria propor uma formação. Isto é reforçado pela própria teoria de Rogers, cuja transmissão não autorizaria uma formação realizada dentro de qualquer variante do ensino acadêmico. Segundo seu próprio autor, e os entrevistados frisaram repetidamente este ponto, esta é uma teoria inacabada, em formação, e, por suas próprias características, não-sistematizável. O treinamento consiste, portanto, predominantemente na vivência experiencial, onde o papel de aprendizagem e o terapêutico estão absolutamente ligados, e são quase uma e a mesma coisa.

Uma característica marcadamente assumida pelos representantes desta escola, e que não se repete nas demais, é um papel bastante claro em defesa de sua classe profissional de psicólogos. Chegaram, inclusive, a colocar sua instituição como uma alternativa ao poder médico na formação, e colocam um trabalho tanto psicológico como sindical em primeiro plano, com tentativa de definir e afirmar a identidade do psicólogo.

Não podemos tirar conclusões sobre a relação desta posição com a linha rogeriana de instituição. A título de hipóteses, digamos que vemos esta atitude como uma derivação ideológica do movimento que suscita a ação da prática dos Grupos de Encontro, como de outras tendências das chamadas Técnicas de Potencial Humano. A própria característica contestatória destas práticas, em relação às formas mais tradicionais e, portanto, mais medicalizantes do trabalho terapêutico, faz com que acabem por levantar questões relativas, inclusive ao campo da luta política e da luta pelo poder no campo de prática psicoterapêutica. Questionam de fato a afirmação do poder médico sobre o trabalho de outros profissionais, como psicólogos, enfermeiros, assistentes sociais etc. e a perduração da hierarquização existente na organização da saúde.

Vemos nisso um exemplo de como a realização de certas práticas, que colocam uma atitude antiintelectualista, irracionalista com predomínio do corporal em detrimento do verbal, somente pelo que isto implica de questionamento das formas mais instituídas de funcionamento, pode às vezes transformar-se num caminho para uma nova racionalidade. Esta racionalidade é gerada a partir de ações que, a partir de uma concepção psicanalítica, poderiam ser consideradas actings, mas que permitem a produção de um processo de reflexão (por exemplo, como neste caso, sociopolítico) e a organização de uma ação de luta fora do grupo restrito, e estendida a todo o campo social. O exemplo da luta de alguns psicólogos contra a lei que restringiria suas atividades é um bom exemplo disto. Então, na medida em que a própria teoria está construída em cima de uma crítica ao tipo de valoração médica em relação ao processo terapêutico, facilitará a seus aderentes uma atitude menos dúbia e contraditória na confrontação com as instituições do poder
medicalizante, coisa que não acontece, por exemplo, com aqueles psicólogos que aderem às correntes mais psicanalíticas. De qualquer forma, esta afirmação profissional do psicólogo que desenvolve a corrente rogeriana em nosso meio não transcende ativa nem militantemente ao campo das instituições. Ante a pergunta de por que é tão precário o trabalho terapêutico dos Grupos de Encontro nas instituições públicas, as entrevistas se limitam a assinalar a presença de interesses políticos, administrativos e entraves
burocráticos. Esta relação de exterioridade com o problema nos parece mostrar claramente como o nível contestatório do trabalho dos Grupos de Encontro se detém no momento em que começa seu desinteresse por Política e, inclusive, sua apatia ante o conflito e as lutas sociais. A Política, na medida em que pode ser fonte de desprazer, de postergação das organizações hedonistas dos grupos que esta orientação propicia, é
vista como um dos males de nossa sociedade. Começando a fugir delas, saem das instituições e até da própria realidade conflitiva e angustiante em que vivem.

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