22/04/2015

Entrevista concedida por Bion à Revista Internacional de Facilitadores de Grupo.
Nela Bion, já morando nos Estados Unidos, mesmo dizendo que seu foco de estudo está sendo o indivíduo, na época, não deixa de abordar temas como grupos, instituições, nações e, principalmente, fala bastante de mentalidade grupal quando usa a exprenssão ¨concha¨.
Interessante também, a deficinição que Bion atribui às instituições.
Boa leitura para quem se interessa em conhecer um pouco mais este autor.



Entrevista com Wilfred R. Bion, maior teórico da Abordagem Tavistock
Anthony G. Banet, Jr.
Traduzido por Mauro Nogueira de Oliveira

Esta entrevista foi publicada em Setembro de 1976, no Group Organization Studies - The International Journal for Group Facilitators, editado por John E. Jones e J. William Pfeiffer.

     Em Experiências com Grupos, você se refere à sua experiência em tempo de Guerra. Eu gostaria de ouvir falar mais disso.

BION: Durante a Primeira Guerra Mundial,  saí  da escola e entrei direto no exército e nos tanques, porque queria ver o que era um tanque. Naquele tempo eles ainda eram secretos. Eu gastei o resto de meu tempo lamentando isto. É muito difícil falar sobre o pesar.O exército é um negócio muito peculiar, porque você  está brevemente com uma pessoa, mas você acha que consegue conhecê-la depressa, muito bem e a fundo. Não há nada como este negócio de constantemente ser confrontado com a probabilidade de morte. Tivemos algo como 700 oficiais em nosso batalhão no  pequeno espaço  de tempo em que estávamos em ação - quase dezoito meses. O resultado é que  conheci os indivíduos muito, muito bem, mas  esqueci seus nomes porque  os vi muito brevemente.   Lembro de encontrar um companheiro que não estava em minha companhia, mas ele me reconheceu. Ele era uma destas pessoas que andam em motocicletas. Reconheci sua face quando se apresentou a mim, mas não de estar com ele. Mas esse é o tipo de coisa que me ajudou a ver que eu realmente sentia profundamente sobre as pessoas que conheci.

     Parece que foi mesmo um tempo de stress. Estas experiências contribuíram para suas formulações teóricas sobre grupos?

BION: Não, mas suponho que tiveram um pouco de influência. É uma coisa dura para descrever. Em minha primeira ação de combate,  tive o intenso sentimento que  não devia ter medo -  não devia fugir. (Claro que você não pode fugir - é impossível - você descobre isso). Outra coisa que você descobre é que você não se fixa em nada durante o combate. Você cada vez sente mais medo, porque você consegue saber que os perigos são cada vez maiores. Isto foi uma descoberta muito dolorosa. Lembre-se,  penso que um bom soldado, um soldado regular, pode aprender muito. Ele não se torna menos assustado, mas ele sabe se cuidar.

     O sentimento de medo nunca o deixou?

BION: Nunca

     Você estava praticando medicina ou psiquiatria naquele momento?

BION: Não, isso veio depois. Eu simplesmente era um soldado. A coisa curiosa era o grande alívio que senti quando terminou e então a descoberta que, de fato, tinha deixado marcas realmente muito fundas. Fui diretamente para Oxford após guerra, e era maravilhoso. Tudo na universidade era tão excitante e tão interessante, que tornou impossível simplesmente trabalhar qualquer coisa que estivesse chiando dentro de mim. Quando  estava em Oxford, houve muitas tragédias com ex-combatentes. Outra coisa - as autoridades da faculdade foram surpreendidas ao constatar que virtualmente todos os oficiais eram extremamente disciplinados. Não houve nenhuma dificuldade. Muitas pessoas tinham esperado o retorno do "soldado licencioso". Nós fomos seduzidos por uma convicção que tudo era bonito - como realmente era. Mas era muito duro perceber que, enquanto tudo era tão magnífico, nós não sentíamos o privilégio de aproveitar isto. Sempre, havia algum tipo de sombra - uma coisa horrorosa que nunca realmente saía de nossas mentes. Nós prendíamos isto simplesmente nos consumindo em novas tarefas mas  estou certo que a sombra da guerra era um pano de fundo para todos nós.

     Mas sobre a sombra nada era falado.

BION: Nada. Evelyn Waugh descreveu isto, para minha surpresa  tenho que dizer, quando ele disse que foi um alívio entrar nessa multidão inteira, porque nós simplesmente pusemos um abafador na universidade. A universidade estava acima da sombra, do ponto de vista dele, dos ex-membros das forças armadas e das pessoas de guerra que eram um peso morto. Você não podia progredir; você não podia consumir esta "crosta". Claro que ele estava no topo da universidade. Do nosso próprio ponto de vista, nós nos ressentimos como as "crianças", por assim dizer, pois que não participaram de nenhum serviço de guerra e pensavam que eles eram os "narizes empinados" da universidade. Mas isso não importou, porque nós tivemos tantas outras experiências. Eu penso que a universidade sofreu por ter esta grande massa de ex-combatentes por lá.Havia a tentativa de ser muito agradável aos ex-membros das forças armadas, mas os outros não sabiam quais era nossos problemas. Tudo que eles poderiam fazer era nos dar alojamentos confortáveis, comida boa e todos os confortos. Do ponto de vista das autoridades universitárias, havia muito pouco que eles pudessem fazer para nós. Nós éramos tão agradados que mergulhamos nas diversas atividades que existiam.  Fui afortunado porque era um atleta satisfatório. Era o capitão do Clube de Natação da Universidade Oxford, assim, tive bastante com que me ocupar. Também joguei rúgbi para a universidade. Não estou muito certo se isso foi sorte ou não, porque isto serviu para encobrirmos o terror, e nós nos sentíamos como se tudo fosse tão maravilhoso - como era.

     Foi fácil esquecer do terror...

BION: Sim... nós esquecemos. Um amigo foi para Manchester e quando retornou ele disse, "Você sabe, a universidade é como um pesadelo ao contrário. Você não tem nenhuma concepção do estado dos negócios em Manchester - a miséria, o desemprego, as condições totais. Eu entro aqui - o remo, a excitação, as raças - e é igual a entrar em um mundo totalmente irreal de felicidade, prazer, conforto - considerando que quando nós vamos para Manchester nós entramos diretamente neste estado horroroso, que é de fato o real".

     Margaret Rioch, em um de seus comentários sobre o modelo Tavistock, expressa seu ponto de vista na ênfase dos aspectos trágicos, a seriedade da vida. Sua história parece a mesma coisa - que atrás de toda essa cena universitária idílica estavam lhe recordando, por seu amigo, que havia condições sérias em Manchester - eventos mundiais que estavam causando dor nas pessoas.

BION:  Penso não ser muito incomum cobrir a dor com algo que não é trágico. Se está um dia agradável, você é alegremente grato a um dia agradável; se eu penso agora na Inglaterra, eu sempre penso no tempo como ensolarado. Você logo esquece dos vastos espaços de tempo nos quais os campos estão debaixo de água e que a estação da primavera está fria, miserável e bestial. Tudo que você lembra são os dias de verão - os tempos de verão e as condições de verão. Você tende a se concentrar em como tudo é magnífico - como a vida é boa - e se ressentir com qualquer pessoa que o recorde que, para a maioria das pessoas, não é. Claro que, quase todo o mundo aprende o mesmo truque - pretendendo ser mais feliz ou afortunado que na verdade é. Então você é tomado de surpresa se acontece de ficar doente. A própria enfermidade é tratada como se fosse um peso. Eu penso que a declaração mais correta seria que a saúde do indivíduo é um peso. Por alguma razão, nós temos este tipo de aparato em nossas cabeças que nos permite acreditar que a saúde é boa - o tipo de saúde que se tem com a idade de trinta anos - é normal.

     Este ponto de vista parece oposto ao movimento do potencial humano - a celebração da individualidade, a conversa sobre alegria, sobre comunidade. Eu estaria interessado em saber como você vê os movimentos de grupo contemporâneos que enfatizam a realização e a felicidade.

BION:  Realmente não sei o bastante sobre quaisquer destes outros movimentos para poder dizer qualquer coisa sobre eles, mas eu sei sobre psicanálise. Psicanálise está baseada na premissa que é anormal estar infeliz - estar ansioso - mas parece-me, que para a pessoa que entra no negócio de entender o procedimento dos outros, realmente é uma premissa muito questionável. A parte habitual da vida é inquestionável. A parte habitual de vida está envolvida com tragédia, tristeza e saúde se deteriorando. Afinal de contas, a saúde da pessoa se deteriora no momento do nascimento, e há as pessoas que nunca estiveram bem; de algum modo eu penso que se as pessoas pudessem ter tido mais saúde, tivessem sido bons atletas, gostariam mais de si. Uma pessoa saudável não aprecia por que, em vida, ela deveria ter qualquer outra coisa que não saúde. Eu não sei taxar, mas talvez devêssemos considerar que o sofrimento e rivalidades com outros seres humanos realmente é o padrão normal. O pobre, esses que têm menos, ou o infeliz, desejariam a riqueza e o conforto dos que têm isso naturalmente. Isto se aplicaria a nações da mesma maneira que sobre os indivíduos. Poderia ser bastante razoável supor que seria muito natural, as nações ricas e prósperas ou indivíduos, achar que eles são objeto de hostilidade.

     Foi Melanie Klein que estimulou seu interesse em psicanálise.

BION: Sim, Melanie Klein me influenciou certamente. Antes disso, John Rickman, de quem eu gostava muito, foi também muito influente, embora mais tarde ele tivesse várias dificuldades pessoais. Nós temos que usar pessoas que têm estas dificuldades. Elas são as pessoas que se tornam nossos professores; elas são as pessoas que fazem os avanços. Eu me lembro dele com muito afeto.

     Ele era do Instituto Tavistock?

BION: Não. Ele era do Instituto de Psicanálise, mas ele era um destes "hereges" que tiveram procedimentos com o Instituto Tavistock que realmente era considerado grotescamente impróprio pelos psicanalistas.

     Você era um herege, também, no Tavistock?

BION: Sim,  era. Mas  também era um herege em outra direção porque, embora um membro do Instituto Tavistock, eu fiz contato com a psicanálise, e me tornei, psicanalista. Naqueles dias o Instituto Britânico de Psicanálise teve medo de tolerar atividades que não fossem psicanalíticas cooperando com o Instituto Tavistock. Não é distinta a situação nos Estados Unidos, quando os psicanalistas americanos pensavam que a psicanálise seria minada se sancionassem psicanalistas que apoiavam as teorias de Melanie Klein.Penso que o Instituto Tavistock, então, teve medo que a suposta liberdade de pensamento se tornasse a marca registrada do Instituto, ou que seria arriscado pelo fanatismo e rigidez dos psicanalistas. Então, qualquer intercâmbio entre Rickman e membros do Tavistock era visto com suspeita por ambas as partes.

     A.K.Rice é considerado freqüentemente como seu primeiro aluno. Você lhe vê estendendo a teoria?

BION: Eu realmente não sei o bastante do que ele fez. Eu só estive uma vez presente com ele em Amherst, quando ele coordenou um pequeno grupo (ele não coordenou o grupo inteiro), assim eu realmente não tive uma chance para me atualizar com o que ele estava fazendo. Também aconteceu dele estar muito doente, embora eu não o tenha conhecido nesta ocasião.

     Sua teoria de grupo enfatiza que uma suposição básica de vida existe debaixo da superfície da vida de trabalho dos grupos. Eu gostaria de ouvir seus comentários sobre como isto opera nos grupos.

BION: Ambas as palavras - básico e suposição - são importantes. A mim parece que não é a suposição que é básica, mas também que a coisa sobre o que se está tentando falar é básica. A dificuldade é saber como definir ou descobrir esta teoria básica. Você tenta falar de uma maneira cortês e civilizada tanto quanto possível, mas no segredo de sua própria mente, se você pensa nisto, você é despertado pela realidade como se fosse sacudido por um alarme. Que idioma você usa quando soa o alarme? Qual idioma conecta os aspectos básicos da fantasia, segredos de sua mente com as realidades do mundo externo? Em grupos, você tem a oportunidade para ouvir o idioma que tenta expressar estas suposições básicas. Realmente, um dos pontos sobre grupos é que eles provêem uma oportunidade para ver as coisas coletivamente. Em vez de uma linha de trinta pessoas, uma depois da outra, você vê a coleção inteira de trinta pessoas junto. Eu penso que o grupo é um distorção, mas assim mesmo é um mapa de pesquisa - onde você retrata montanhas e vales em uma superfície plana usando linhas de contorno. A abordagem de grupo deve ter seus próprios métodos de retratar sua suposição básica de vida. Qual é este método ainda precisa ser descoberto, mas precisa ser algo que comprima um lote inteiro de dados para retratar os resultados em uma superfície plana.

     Muitas pessoas consideram a noção de "suposições básicas" como a chave para compreender o processo de grupo. Mas você está dizendo que o método tem necessidade de ser elaborado.

BION: Sim, penso que a noção de "suposição básica" precisa de tremenda investigação. Por exemplo, todos nós conhecemos as pessoas com dores reumáticas. Um Clínico Geral ordinário, na Inglaterra, conhece pessoas que ficaram vinte ou trinta anos acamadas. O câncer adquire toda a publicidade porque ninguém pode ser aborrecido com um assunto tão pesado, ao contrário das reclamações reumáticas que são enfadonhas e não provocarão a partida. Penso que esta é a direção na qual a investigação de grupos poderia ir. Se você pudesse persuadir trinta pessoas com dores reumáticas a se encontrar, você aprenderia algo. Você teria que ter um perito de grupo, porque eu não acredito que se possa manter um grupo de pessoas gostando disso juntas - eles odiariam um ao outro. Eles ousariam vir uma vez, entretanto achariam que alguém estava ocupando a fase do outro, e eles não teriam uma chance para dizer como eram terríveis as suas dores. Penso que só um perito de grupo poderia suportar isto, e se ele pudesse, então eu acredito que algo emergiria daquele padrão que não poderia emergir se o especialista visse essas trinta pessoas individualmente. Penso que você pode olhar para um grupo como um mapa cartográfico. O teórico de grupo pode aprender a "ler" o grupo.

     Em seu livro você usa a analogia de um relógio. É possível entender as partes individuais de um relógio, mas você necessariamente não saberia que a sua função era contar o tempo até que elas estivessem juntas.

BION: É verdade. É igual ao processo de um grupo. É mais do que provável que o processo do grupo lhe falará mais do todo do que suas partes poderiam contar - como a fome - algo que você não sabe cognitivamente. Penso que a pessoa que "leva" um grupo, o especialista de grupo, deveria poder descobrir um padrão que pode não ser óbvio ao resto do grupo.

     Eu associo esta expressão - "levando o grupo" - com você. Outras pessoas falam de "fazendo grupos" ou "liderando grupos", e está muito claro em seus escritos que você "leva" um grupo. Você está observando algo que você não criou.

BION: Deveríamos sempre lembrar que, de fato, todo membro de um grupo "leva" um grupo se pudéssemos ver deste modo. O companheiro que se senta lá e não diz uma palavra do começo ao fim "leva" o grupo e mostra uma influência nisto. Cedo ou tarde, alguém notará: "Você não disse nada". Então ele poderia perguntar, "Se você vem aqui semana após semana e não diz uma palavra, o que supomos fazer"? Mas é óbvio que esta pessoa está de sua própria maneira levando um grupo - e ainda pode dizer, "eu não fiz nada".

     Eu trabalhei com grupos de muitos modos diferentes. Quando eu sou mais pessoal e convidativo, tenho uma bonita calma. Mas sempre que eu trabalho com um grupo da maneira de Tavistock, eu fico assustado, especialmente no princípio. Parece ominoso - que talvez algo terrível acontecerá. Parece que em tal grupo sempre há potencial para coisas terríveis acontecerem.

BION: Em psicanálise, quando abordamos o inconsciente - quer dizer, o que nós não sabemos - nós, paciente e analista de forma semelhante, ficamos certamente perturbados. Em todo consultório, estão duas pessoas bastante assustadas: o paciente e o psicanalista. Se eles não ficam ambos assustados, desejaríamos saber por que eles estão se aborrecendo para descobrir o que todo o mundo sabe. Eu, às vezes penso, que os sentimentos de um analista enquanto levando um grupo - sentimentos enquanto absorvendo as suposições básicas do grupo - são alguns pedaços do que ele está sentindo. Eu dou grande importância, por isso, aos sentimentos. Você, como um analista, pode ver por você mesmo o que está chocando - eu estou assustado, eu sinto tesão, eu sinto hostilidade - etc. Mas isso não é igual à vida real. Na vida real você tem uma orquestra: movimento contínuo e a constante passagem de um sentimento para outro. Você tem que ter um método para capturar toda esta riqueza. Em um grupo, você está na posição desgraçada de ter muito pouca evidência. O médico, a pessoa física, pode adquirir evidência física, ou assim ele pensa, de qualquer maneira. Quando lidando com coisas físicas, você pode tocar, você pode sentir e você pode cheirar, mas nós que usamos nossas mentes estamos contra isto, porque nós não sabemos o que a mente realmente é capaz de perceber. Até mesmo sensações que estavam disponíveis a nós em alguma fase da vida e que perdemos. Algumas criaturas do mar têm percepção sensorial incrível. Peguemos a cavala. Sua sensação de cheiro é de longo alcance, assim pode colecionar comida porque pode cheirar algo se deteriorando, tudo que seja, onde quer que esteja. Nossa própria sensação de cheiro parece ter deteriorado muito consideravelmente, e de fato para adquirir qualquer tipo de cheiro agudo, você tem que viver em um ambiente aquoso.Quando os seres humanos nascem, eles mudam de um fluido aguado a um fluido gasoso - o ar. A pessoa leva algum tipo de fluido com ele na mucosa nasal; o nariz ainda pode operar mas em um nível grandemente diminuído. Claro que, se há muito disto, então nós temos o que nós chamamos um catarro e o elemento aguado submerge nossa sensação de cheiro.

       Assim a pessoa que leva um grupo está cheirando ou confiando em alguma sensação especial.

BION: Bem,  penso que seria muito sábio supor assim, e poderia ser possível se pôr mais consciente do que é esta sensação especial. Suponha você esteja observando um grupo de - digamos - russos. Você poderia dizer, "estes russos - eles nunca sorriem, eles nunca riem". Bem, se você é treinado a usar estes músculos pequenos ao redor da sua boca, você nota quando outra pessoa os usa. Pode levar algum tempo até que você perceba que eles não usam seus pequenos músculos para sorrir mas eles usam qualquer outra coisa - os pés ou algo (eles podem ser dançarinos) - e expressam um sorriso daquele modo.

     Uma fantasia que eu tive viajando até aqui para o conhecer era que você pareceria com Basil Rathbone vestido como Sherlock Holmes - um detetive constantemente alerta a toda sugestão secundária. Parece que o consultor de grupo é um detetive, qualificado a estar atento às nuances.

BION: Bem,  penso que é importante poder desenvolver estabilidade - poder ordenar a informação. Pegue um quarto como exemplo. Você pode estar atento a isto, e se você é muito observador você pode ter uma satisfatória lembrança das coisas que estão no quarto. Quando você tem essa massa de dados, você pode até mesmo dizer ¨eu fui no quarto deles e penso que eles não são pessoas particularmente estéticas". Esta é uma interpretação dos objetos materiais. Você tem que ser um coletor de suas impressões e sensações, mas é fatal que se você se permitir submergir em impressões - tanto muco, tanto falar, que você pode nem mesmo sentir o cheiro - de forma que em vez de tornar sua percepção uma vantagem, se torna uma obrigação. Eu penso que esta é a reclamação que tantos franceses fazem de Victor Hugo. Quando André Gide foi perguntado qual era o maior poeta do seu país, ele disse, " Victor Hugo". Bem, é incrível - as observações de Hugo; elas são realmente extraordinárias. As imagens visuais que ele cria são impressionantes, mas você não adquire a impressão de Hugo como um grande pensador, porque ele não parece sintetizar isto. Ele deixa para o leitor sintetizar suas observações.

     Isso seria uma função da teoria - prover a síntese das impressões. Eu gostaria de lhe ouvir falar sobre grupos grandes - instituições e organizações.

BION: Instituições e organizações são o mesmo - elas estão mortas. Me deixe pôr isto deste modo. Uma instituição se comporta conforme certas leis - têm que o fazer - e todas as leis organizacionais são tão rígidas e definitivas quanto as leis da física. Uma organização fica dura e inanimada como esta mesa.Eu não conheço ninguém que possa dizer em que ponto animados mudam para inanimados. Por exemplo, um montão de esterco. Parece inanimado, e então vermes aparecem, e fica animado. A dificuldade sobre todas as instituições - o Instituto Tavistock e todas as que temos - é que elas estão mortas, mas as pessoas dentro delas não estão, e as pessoas crescem, e algo vai acontecer. O que normalmente acontece é que as instituições (sociedades, nações, estados, e assim sucessivamente) fazem leis. As leis originais constituem uma concha, e então novas leis ampliam aquela concha. Se isto fosse uma prisão material, você poderia esperar que as paredes da prisão se tornassem elásticas de algum tipo ou modo. Se as organizações não fazem isto, elas desenvolvem uma concha dura e a expansão não pode ocorrer porque a organização se fechou em si mesma.

     Atualmente, há muito interesse em fazer as organizações mais responsivas às necessidades humanas. Isso tem alguma chance de sucesso?

BION: Se a organização não responde às necessidades humanas ou ela ou o indivíduo serão destruídos. É igual um animal que se protege cultivando uma casca dura. O que vai acontecer quando o animal cresce? O que vai acontecer com a casca ou com o animal? O pássaro ordinário tem bastante senso para rachar a casca e caminhar para fora. A coisa curiosa é que a própria mente parece poder produzir sua própria concha. As pessoas dizem coisas como "eu não quero ouvir nenhuma destas novas idéias. Eu estou muito contente. Eu não quero ter minhas idéias transtornadas. Se você começa a me fazer pensar nisto e naquilo, eu poderia ter que me aborrecer sobre as dificuldades de Los Angeles. Por que não posso viver aqui em paz e quieto"? Eu penso que sempre há uma resistência ao desenvolvimento e à mudança e uma tendência para pensar que uma coisa horrível este verme pode fazer ao tentar animar o montão de esterco.

     Instituições, como os Estados Unidos ou a Igreja católica, professam um interesse em renovação e mudança, entretanto parece que coisas perversas acontecem. Ou os líderes são removidos ou as pessoas ficam muito pessimistas sobre a possibilidade de mudança.

BION: Eu penso freqüentemente que os Estados Unidos têm uma convicção intelectual de si mesmo como a "nação do topo". Há um sentimento, então, que as instituições que não estão muito bem, uma nação ou sem importância ou emergente, não são nenhum bem para quem está no topo. Eu penso que haverá uma tendência para se rebelar contra esta força restritiva, esta concha invisível que é tão difícil imaginar - até mesmo conceber. A pessoa sabe quais são as restrições em uma nação. Nas fases iniciais, era bastante claro. Era bastante fácil para os americanos ver o britânico como a força contendora e se rebelar contra isso. Entretanto, esta instituição recentemente formada começou a cultivar uma concha novamente. Foram entesouradas suas novas leis e Constituição. Agora um sentimento se desenvolveu de que a Constituição - que é a concha mental dos Estados Unidos - não é realmente adequada para o mundo como é, porque a nação está crescendo e está atenta, então, da pressão e da hostilidade que vêm de fora. As pessoas dos Estados Unidos podem querer viver em paz; elas podem não querer atacar qualquer pessoa; entretanto elas acham que elas têm que ter uma marinha; elas têm que ter umaforça aérea; elas têm que ter um exército - tudo do qual eles podem odiar. Uma vez mais, uma concha dentro da concha começa a crescer. Eles têm que ter um serviço secreto. Então suponha que eles sentem que o serviço secreto e o policial querem saber até o que eles são, mas eles vêem como um qualquer outro negócio. Assim eles podem estar atentos na mesma concha que eles estão cultivando enquanto está crescendo. Isso é obviamente um procedimento desconfortável, porque você pode odiar a concha e ainda acreditar que é necessária. Por exemplo, eu não quero ser invadido por algum país estrangeiro. Certo, então eu aguento o exército, marinha e força aérea, entretanto o exército, marinha e força aérea dizem que eles me querem como um recruta e eu tenho que aprender a utilizar armas. Eu odeio a concha mas a vejo como necessária.

     Na época dos assassinatos políticos havia muitos editoriais comentando o efeito "nós somos todos culpados", que um assassino tem alguma valência com o resto da sociedade - ele age por todos nós.

BION: Penso que é precisa se precaver com um julgamento que posa ser feito muito prematura e precocemente. Se a pessoa julga prematuramente, então ela se segura nisto - soma outra concha. Eu posso ver isto em mim. Quanto mais cansado eu estou, mais depressa eu dou interpretações. É um negócio horroroso reter sua frescura de mente; a mente vai trabalhar embora você não tenha a mais nebulosa idéia para onde ela está indo. Isso é por que a pessoa tenta aprender e escolher algum tipo de abordagem científica, religiosa ou artística ao problema da história - é difícil de visualizar o cerne do problema neste país. Pode-se adquirir pouco dos modelos triviais que  estão no passado.

     Eu sei que você está se concentrando em psicanálise individual, em lugar de em grupos, e que você escreveu recentemente sobre o problema do conhecimento e percepção. O que é excitante para você nestes dias?

BION: Eu estou trabalhando principalmente com indivíduos. As investigações do indivíduo ainda têm muito que se desenvolver. A vantagem do grupo é que você pode ver certos elementos muito mais facilmente. Com o indivíduo, você pode achar muito difícil de ver perturbação; o paciente é tão racional, tão calmo, tão certo, que você é enganado pelo aparecimento da superfície. Como Virgilio descreveu na Eneida , Palinurus, embora tentado pelo Deus do Sono, não é levado pela calma e exterior bonito. Quando o analista se permite ser enganado, ele dirá: "Bem, este paciente nunca teve qualquer dificuldade, nunca foi qualquer dificuldade, sempre seguiu bem, é amado e é gostado por todos nós, e é uma pessoa muito afetuosa e encantadora. Eu não posso entender como ou por que ele quis cometer o suicídio". É uma coisa muito dramática - quando uma pessoa tira a sua vida sem que qualquer pessoa tenha observado que ele o faria. Ver por dentro - essa é a dificuldade. Eu estou interessado no indivíduo - na luta dele contra a pressão das conchas construídas ao redor dele. Anteriormente nós falamos sobre as conchas de organizações. Bem, os indivíduos têm conchas também. Quando você está lidando com uma mente ou uma personalidade, então você adquire estes mesmos processos de construção de conchas, mas eles são muito mais difíceis de negociar porque você não pode recorrer à observação física. Talvez se você fosse mais sensível, ou empregasse instrumentos mais sensíveis, você poderia fazer isto, mas não como as coisas são no momento. Se você tem uma mente ativa e está apertando contra os obstáculos e restrições a sua operação, e toda atividade, ou sua própria fadiga pessoal, é uma restrição em você, assim você pode nem mesmo localizar a concha. A inibição por si só produz dificuldades. Seria tão simples se pudesse ser dito, "Oh bem, você está sofrendo destas inibições". Mas não há nada a dizer sobre inibições. Nós temos este vasto universo e temos vários objetos difundidos a este respeito, mas o mundo externo está fora de nosso controle. Está simplesmente lá fora. Porém, nós temos alguma escolha sobre o que prestar atenção. Isto significa que eu tenho que escolher - mesa, luminária e assim por diante. Se você pensa nisto em câmara lenta, você tem que escolher a ordem de precedência. Assim quando você escolhe tentar sair de suas inibições e restrições você se defronta com um problema de intensidade - chamar este objeto de livro e dizer que é uma mesa. Eu não sei o que seria acordado pela pessoa que se concentrou na constituição atômica da coisa, porque onde seria o fim da mesa? Onde você pode dizer que num lado é uma mesa e no outro lado é ar?

     Bem, parece que eu poderia propor uma solução prática. Eu poderia acreditar que a mesa realmente é uma coleção de moléculas, mas eu espero que algo esteja sobre ela, se eu pus isto lá.

BION: Isso é o ponto. A pessoa tem que tomar uma decisão prática; em algum ponto nós temos que traduzir nossos pensamentos e idéias em ação, e, tão logo, nós possamos fazer isso.

     Eu estou interessado em seu pensamento sobre o interesse crescente em filosofias Orientais neste país. Parece que nós estamos partindo da tradição da Europa Ocidental e adotando perspectivas Orientais.

BION: Eu não penso que nós possamos abandonar a tradição européia Ocidental, mas o que está acontecendo é que estamos nos dando conta de que há métodos diferentes de pensamento. Eu não conheço Sânscrito (eu não sou bom em nenhum idioma), mas até onde eu posso contar com traduções, há uma semelhança notável entre o Bhagavad-Gita e Meister Eckhart - uma semelhança entre religiões completamente diferentes. Ambos são cercados por este tipo de pensamento - fugir da concha pessoal - e levar isto a muitos pessoas.

     O Bhagavad-Gita ainda é lido depois de centenas de anos. Pensamento místico Oriental e Ocidental sugerem uma redução ou destruição do ego - que você pode, de algum modo, fugir da concha do ego.

BION: Freud fez uma observação iluminada sobre o ego, o id e o superego. Somente quando se tenta contemplar isto, tentar olhar o ser humano, começar a ver que estas formulações psicodinâmicas são muito frutíferas, mas que realmente não são suficientes. Mas é difícil, porque não se sabe realmente se é uma deturpação de Freud ou se está no rumo certo. Parece-me que poderia ser dito que a mente tem um tipo de pele que está em contato com alguém. Por exemplo, nós estamos conversando. Por que? Como? Eu posso pensar totalmente errado o que você está me perguntando e o que você está me contando, mas por que? O que são estes juízos? Se é uma pergunta sobre minha sensação de toque, eu posso dizer que é a pele. Mas o que é esta pele mental que permite duas pessoas estar (embora este seja um uso metafórico do termo) em "contato"? Nós obtemos emprestado o termo do mundo físico, mas não é toque. Alguém pode sentir isto; pode trazer a sua mente (como Dr. Johnson diz) contra a da outra pessoa, e ele pode estar atento de um contato com o outro. Você tem que usar algumas palavras se quiser falar sobre isto. Este contato requer classificação.

     Eu estou certamente atento quando eu não estou em contato com alguém.

BION: Mas é muito difícil saber por que nós sabemos isso.

     Os aspectos filosóficos de seu trabalho estão realmente em onde sua atenção está. Eu posso lhe ver jogar com conceitos - reunindo coisas. Eu estou interessado em ouvir falar mais disso.

BION: Eu não estou seguro de que eu posso achar a passagem. Em Phaedrus, Sócrates mostra que a linguagem é extremamente ambígua, e então são produzidas dificuldades quando você tem que transformar seus pensamentos em ação que não seja ambígua. Os dois, ou nós (duas entidades, caráteres ou personalidades), nos encontramos - o que faremos? Normalmente não é um problema bastante agudo para ser notável, porque uma tentativa pode ser feita para falar a mesma linguagem. Mas supondo alguém que se encontre em uma ilha deserta com alguém que nunca tenha encontrado antes e cujo idioma ele não conhece - de que modo atravessaria o buraco? A linguagem dos sinais é o fato comum, mas ninguém realmente estudou como, de fato, contato foi estabelecido.

     Eu poria meu dinheiro em algum tipo de ação colaboradora ou trabalho.

BION: Isso é a coisa importante da abordagem grupal - pode ser possível descobrir como que este trabalho de contato é produzido. O grupo tem que achar algum modo no qual posa se encontrar novamente - algum método de comunicação entre os vários membros que são física e pessoalmente diferentes. Parece que você termina onde seu corpo termina, mas é uma situação muito enigmática. As pessoas podem se encontrar e podem falar e podem se estender um no outro. Até mesmo parece ser um tipo de comunicação que se estendeu durante séculos entre Platão e o Gita e Meister Eckhart e nós.

     Religião tem alguma explicação para isso - o espírito.

BION: Porque as pessoas religiosas estiveram muito tempo nisto, elas têm um vocabulário considerável, embora nós pudéssemos dizer que não é adequado. Você teve que inventar algum tipo de extensão; você teve que estourar em algum lugar. A mim parece que você teria que ter esta pequena "espinha" que você chama psicanálise e que aparece à superfície. A dificuldade é que nós somos muito limitados - nós os analistas pensamos que se nós vemos uma parte da "espinha", o resto do corpo não existe - que o mundo religioso (tudo que é) deixou de existir. Psicanalistas têm sido particularmente fechados ao tópico religião. Se nós tentamos estender - se acontece de estarmos naextremidade do ponto crescente - é absurdo imaginar que não há nada por trás disso ou que não há nada contra o que nós estamos empurrando. Isto nos traz para outro ponto. Se psicanálise é um tipo de extensão do mundo religioso, então o mundo religioso objetaria esta extensão. O judeu poderia desejar saber sobre esta distorção da tradição hebréia chamado Cristianismo. Você adquire a mesma coisa inúmeras vezes. O que são estas idéias modernas - psicanálise, psicologia, grupos, terapia? São falácias. "Tudo isso é conhecido pela igreja por centenas de anos" seria uma resposta comum. Alternativamente, "Isto é perigoso e herético. Você destruirá a religião se começar a introduzir sexo".

     Parece que mais recentemente a igreja abraça a psicanálise e incorpora isto em seu treinamento.

BION: Sim, mas parece ser o mesmo processo de conseguir proteger suficientemente uma concha e ter que se rebelar contra esta concha porque não só o protege, mas também pode calá-lo. A concha que protege também mata. Deixe-me por isto de outro modo: os indivíduos podem ser tão rígidos que eles não parecem ter qualquer idéia ou eles podem ser tão livres e tão profusos nas suas idéias que isto realmente importa em uma condição patológica. Mas as mesmas coisas, parece-me, podem se aplicar ao estado ou qualquer organização. Por outro lado, às pessoas de fora, não deveria ser permitido dizer que são membros de sua organização mas o usam para ganhar um tipo de capa de respeitabilidade para as suas idéias. Assim há o problema. O quão permeável você é para fazer este envelope de ego, esta concha? Ou voltando à frase de Freud, quão permeável pode ser o ego? Há pressões de dentro e, por outro lado, pressões de fora. Até que ponto a pessoa permite qualquer idéia de entrar? A pessoa sente que há uma necessidade de um tipo de tela diferente. Se fosse físico, a pessoa poderia tentar inventar algum tipo de peneira que peneirasse o que a pessoa não quer e permitisse o que pessoa quer. Quando é a mente, eu não sei como poderia ser feito.

     Isto soa como você considerando seu trabalho, especialmente seu livro Experiências em Grupos. Muitas outras pessoas consideram este como um pedaço definitivo de trabalho.

BION: Isso seria uma grande piedade. O livro não é a visão final, e eu urjo para que as pessoas que trabalham com grupos o tornem obsoleto o mais cedo possível.

     Eu tenho sentido que haverá um longo tempo antes que seja obsoleto.

BION: Eu tenho certeza que coisas básicas em Experiências em Grupos são conservadas. Eu espero que isso seja verdade; caso contrário, nós poderíamos estar conduzindo as pessoas para o caminho do jardim. Eu espero que há certas coisas que ainda são operativas, mas permitir que "a teoria de Bion" opere de um modo rígido seria ridículo, porque isso põe uma restrição no crescimento do indivíduo e os indivíduos que pertencem a um grupo.

     Nos últimos anos, o Instituto A.K.Rice e seus centros ficaram mais populares; há mais pessoas participando de conferências de relações e aprendendo sobre grupos e sua teoria. Isto é gratificante para você?

BION: Não faz muita diferença para mim, em um sentido, porque eu estou fora do trabalho de grupo e ainda estou trabalhando muito em indivíduos; mas certamente o trabalho do Instituto é muito importante. Mas, novamente, o Instituto Rice tem que perceber que não vai ser isentado dos problemas com que se confrontam as grandes organizações como os Estados Unidos ou os estados individuais.

     Está sujeito aos mesmos problemas.

BION: Os mesmos problemas...Você tem que ter estas regras - estas leis municipais. Claro que, pode-se fazer novas leis novas e assim conseguir uma certa flexibilidade, mas, infelizmente para organizações e institutos, é difícil ser flexível.

     Você vai escrever um pouco mais sobre grupos?

BION: Eu espero, mas, você sabe, um das dificuldades hoje está em achar tempo. No momento, eu estou muito ocupado com meu trabalho com indivíduos.

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